Rub.88 30/09/2020Bel CantoA criação de um mito se faz mentido. Mentir, mentir, mentir. Depois usar de eufemismos da mentira. Fabular, inventar, exagerar, incrementar, dar toque extras, engordar a estória. Enfim transformar em sombra, em contorno, em meia verdade. Nada que aconteceu, mesmo aquelas que somos testemunhas oculares, é real num sentido puro. As interpretações de primeira mão vão esmaecendo ou colorido quando passadas para afrente. Deslocar fatos e adequá-los ao contexto, ao tom que quer comunicar. E nada mais duvidoso do que a narrativa da estória de um ídolo, feito ou não por terceiros, mesmo que pautada em informações atestadas e conhecimento amplamente divulgado. Uma lenda não requer explicação ou justificação, mas apenas alcance...
No livro Maria Callas – A Mulher por Trás do Mito da escritora Arianna Huffington conta, mais assoprando que mordendo, a vida que na minha ignorância achava que era uma cantora de tango, porem soube através dessa biografia ser na verdade uma soprano de opera. Talvez a maior de todos os tempos dessa arte.
Criança gordinha atraiu ouvidos dos familiares, principalmente da mãe que impulsionou o aprendizado num conservatório em Atenas. O talento inegável e irreprimível foi levando-a a teste e pequenos papeis. Teve a sorte de ser guiada por entendido no bel canto, diretores de cena e maestro. A técnica e versatilidade era tamanha que passava de peças bem diferentes em questão de semana e com pouco ensaios. Isso foi atraído a atenção dos críticos especializados e do público cativo. A ascensão da sua genialidade ocorreu num período curto, com muitas apresentações de sucesso. Emagreceu e melhorou muito a presença de palco, com nuances interpretativas que lhe valeram ser referência para os personagens como Norma, Medea, Anna Bolena e Lucia. Se o livro fosse sobre a carreira dela, permeado pelo mundo da opera; Como ela modificou o cenário sendo um ídolo inexplicável, pelo fascínio que despertava, que atraia admiração fanática de fãs e o repudio ressentido dos invejosos. Porem a autora não se atem a perspectiva histórica nem contextualiza o fenômeno de uma super celebridade num mundo musical tão restrito e pouco consumido mesmo na época, como a opera. Aqui nessas páginas tem é muita fofoca e pequenas misérias dignas de aparecer no programa Casos de Família. Maria Callas tem muita magoa, infundada para mim, da mãe. Parou de falar com ela durante o auge da fama e riqueza e a contragosto lhe mandava uns cheques miseráveis. Se casou quase como por agradecimento com o empresário bem mais velho e o culpava muito pelo o número excessivo de apresentações que fez. Teve poucas palavras de agradecimento aos colegas por trás das cortinas. Não havia muita generosidade na sua personalidade. Contraditória e mimada, adorava os aplausos que duravam quase o tamanho de um ato, das centenas de buques que ganhava e odiava infantilmente os detratores e as poucas vaias que recebiam. Cancelava muitas apresentações sem motivos claros. Começou a ficar deslumbrada com a riqueza da sociedade que era convidada de honra. Se apoiava sempre nas pessoas que a admiravam, e por isso não tinha amigos de verdade. Conheceu o magnata grego Aristóteles Onassis, e por ele deixou o marido, que a autora não poupava de fustiga-lo com defeitos e faltas e acho pessoalmente que isso se deve a ele, Meneghini, não consta no final dessa obra onde está elencado os colaboradores e fontes de informações.
Onassis era um colecionador de riquezas e de fama alheia, usou Callas como acessórios por 8 anos até troca-las por Jacqueline Kennedy. Essa mesma que em Dallas subiu na traseira do carro para pegar o pedaço da cabeça do marido presidente que levou um tiro muito polêmico.
Maria era realmente apaixonada por Aristo Onassis. Pelo livro parecia que amava mais esse homem do que a música. Desleixou da voz e foi desaparecendo dos palcos, mas não da mídia sensacionalista. O final da vida foi de doenças dos nervos e da vista. Isolamento e lamurias que escrevia em cartas de autopiedade para os poucos realmente chegados.
No mundo das biografias o termo “chapa branca” é usado para classificar obra que são não um relato da vida de alguém, mas um elogio ou mesmo uma desavergonhada exaltação. Esse livro não é chapa branca, ele é chapa diamante. Brilha muito nos pontos de gloria e em contrapartida, e propositalmente, ofusca as pequenas maldades e fealdades de Maria Callas. A autora a desculpa por tudo, colocando a tese que existiam duas pessoas, A Maria e a Callas. como o título evidencia. Eu não comprei a ideia. Uma pessoa é tudo que ela faz. De bom e de ruim. Demorei muito para ler esse livro, por que ele é chato. Foi como ouvir uma alguém puxando o saco de outra pessoa, e na presença dela. Chegava a ser constrangedor. Fiz muitas anotações enquanto lia Maria Callas – A Mulher por Trás do Mito. E revendo os rabiscos que fiz por meses, só tem críticas. Sai dessa experiência sabendo pouco sobre opera e muito sobre como idolatria cega as pessoas...