Flávia Menezes 10/07/2023
????? GANDALF PARA PRESIDENTE!
?J.R.R. Tolkien uma biografia? foi escrita por Humphrey Carpenter, e publicada em 5 de maio de 1977, tendo tido ele a honra de ser o único biógrafo a entrevistar Tolkien, e ainda ter acesso irrestrito a todos os seus documentos, e aos seus amigos e familiares, a quem ele também entrevistou, reunindo aqui uma vasta gama de informações sobre a vida e a obra de um dos mais estimados (e respeitados!) autores do século XX.
Humphrey William Bouverie Carpenter foi um notório biógrafo inglês, além de escritor e radialista, tendo sido vencedor do ?Prêmio Somerset Maugham? em 1978, e do ?Mythopoeic Scholarship Award? em 1982. Além desta, outras biografias escritas por ele incluem os grandes nomes de W.H. Auden, Ezra Pound, Evelyn Waugh, Benjamin Britten, Robert Runcie e Spike Milligan.
Não é a primeira vez que leio algo sobre Tolkien, já que, em 2022, li a biografia (não autorizada, e que foi adaptada para o cinema) ?J.R.R. Tolkien: O Senhor da Fantasia?, de Michael White, que traz muitos detalhes sobre a vida e obra do autor, e isso me fez pensar no que de novo eu encontraria ao ler uma nova biografia sobre ele.
Uma pergunta descabida, porque logo nas primeiras páginas eu já tive a minha resposta: o livro de Michael White nos fala sobre a genialidade indiscutível do Tolkien, mas os dados mais íntimos e sentimentais reunidos por Humphrey Carpenter fez com que ele trouxesse para essas páginas não apenas o escritor, mas também o homem, o marido, o pai (se ainda não leram "Cartas para o Papai Noel", por favor, leiam!), o amigo, o sonhador, e este criador apaixonado que nos deu uma Terra-Média repleta de personagens icônicos que podem até pertencer unicamente à ficção, mas que para ele (e para nós!) eram reais. E muito reais!
E entre identificações e projeções (características, emoções ou pensamentos que são nossos, mas atribuímos aos outros), em minha defesa, eu já até peço desculpas de antemão, porque assim como Tolkien, tenho sérias dificuldades para me expressar de forma resumida. E por isso mesmo, também já agradeço a todos aqueles que seguirem comigo até o final dessa resenha.
Quando lia sobre a infância do Tolkien, eu fiquei pensando em como na vida nada acontece por acaso. Apesar de não ter visto seu filho crescer, a presença dessa mãe foi tão importante, porque através dela é que Tolkien foi apresentado ao universo das histórias, à fantasia e a sua paixão pela botânica. E esse foi o combustível decisivo para que ele continuasse a sonhar e a acreditar que poderia ter uma jornada nessa terra tão feliz e próspera, mesmo depois de se tornar um órfão com tão pouca idade.
E um dos maiores presentes que a vida pode nos trazer, são as pessoas que entram nela com as quais nos identificamos. Nesses momentos sentimos que encontramos o nosso lugar, onde pertencemos. E essa é a história de amor de Tolkien e Edith: dois jovens que muito prematuramente perderam seus pais, mas que encontraram um no outro o lar que tanto os faltava.
Claro que assim como o Anel que ficou aos cuidados do Frodo lhe exigia uma grande prova de sua lealdade e do seu bom coração, o amor entre duas almas destinadas a estarem juntas, como Tolkien e Edith, também foi bastante provado, mas ainda assim, resistiu. E olha que eles possuíam suas diferenças, e brigavam muito. Mas nada foi o suficiente para os afastar, porque o apoio e entrega que essa mulher simples tinha a oferecer a um homem grandioso como ele, era fundamental.
Podem me chamar de romântica, mas os capítulos sobre como Tolkien nunca deixou de amar Edith, e a forma como ele lutou tão decididamente por ela, foram as partes que mais me tocaram. Ela não era só a sua companheira, mas também a sua musa, e o fato de saber que ela era a sua Lúthien, me deixou muito emocionada, porque um amor assim é tão raro. Especialmente no mundo em que vivemos, onde o amor é tão pouco valorizado, a ponto de ser descartado na velocidade da luz ao simples surgimento do menor obstáculo.
Ser amado primeiramente pela sua mãe, que o apresentou a esse universo de fantasia, e com ele cultivou seu amor pela botânica, e depois por esse amor de muita parceria e entrega de Edith, que renunciaria à sua vida para estar ao seu lado, o seguindo para onde quer que ele fosse, tornaram possível que ele seguisse rumo ao seu sucesso. E digo agora isso não por ser uma romântica incurável. Mas por ser esse um conceito presente na teoria de Maslow, onde satisfeita a necessidade de Amor/Relacionamento (3º nível da pirâmide desenvolvida por ele), podemos assim seguir adiante para os níveis mais altos. E foi exatamente o que Tolkien fez.
A jornada do Tolkien escritor, que durou até o final da sua vida, é contada neste livro com uma riqueza de detalhes impressionante, mas eu confesso que mais do que ler sobre a genialidade que ele teve ao desenvolver um mundo tão complexo e completo como a Terra-Média a ponto de o fazer parecer real, o que mais me chamou a atenção é pensar em como a vida se encarregou de deixar uma grande obra como ?O Silmarillion? inacabada.
Quando eu iniciei a leitura de ?O Silmarillion? esse ano, eu não sabia que os esboços que trazem desde a criação da Terra-Média em diante, não haviam sido finalizados pelo Tolkien. Mas eu preciso dizer que mesmo sendo algo tão confuso, por não ter uma sequência lógica e linear, podemos ter o vislumbre de um trabalho esculpido por um mestre. De fato, eu desconheço um outro trabalho que tenha tamanha complexidade como esse que foi criado pelo Tolkien.
E quanto mais eu leio sobre a forma como Tolkien amava suas obras, e se dedicava a elas com tanto empenho, mas me parte o coração por ter abandonado ?O Silmarillion? e ?As Duas Torres?. Mas eu sei que enquanto meu cérebro grita: ?Sim! Vamos recomeçar agora mesmo!?, meu coração sussurra: ?Por favor, ainda não. Ainda não me sinto pronto!?. E por mais que esteja deslumbrada pela genialidade do Tolkien, e muito curiosa em mergulhar no seu universo, nesse momento, eu sei que preciso ouvir o meu coração, e deixar para um tempo no futuro a retomada dessa bela jornada.
Algo que vi muito nessa biografia, tanto quanto já ouvi por parte de quem se aventurou em ler ?O Senhor dos Anéis?, é em como Tolkien não tem uma escrita fácil, e que muitas pessoas desistiram exatamente por culpa das suas extensas descrições dos lugares da Terra-Média. Confesso que fico surpresa em me deparar com comentários como esse, porque essas são as melhores e mais apaixonadas partes da história! Porque foram descritas exatamente por um homem perdidamente apaixonado pela natureza, e nesses momentos, eu sentia que era transportada para a Terra-Média e podia sentir tudo o que seus personagens também sentiam. Até mesmo aquele calorzinho do sol, quando esse penetrava nas árvores. E tem sensação mais gostosa do que essa? Eu acho que não.
Quem escreve sabe bem como o trabalho de pesquisa é uma parte desgastante, porém muito necessária para se desenvolver tanto a trama quanto seus personagens. Agora, imaginem esse tipo de pesquisa para desenvolver algo como Tolkien fez! É fascinante pensar na entrega que esse homem teve ao seu processo de escrita, e é aí que percebemos que uma história não é só uma mera produção vinda de uma mente criativa, mas é o retrato exato da alma do autor traduzida em palavras!
E é pensando nisso, que eu acho até estranho como livros como esses, do gênero da fantasia, possuem tão pouca valia.
Pensamos em livros da literatura fantástica como simples histórias distantes da realidade que só servem como entretenimento. E para lhes conceder alguma valia, acabamos por procurar simbolismos por trás da trama que concedam a essa história algum tipo de mensagem mais intelectualizada. Quão pouco valor ainda se dá a um gênero que promove essa viagem a um mundo desconhecido que nos estimula a criatividade e ainda nos faz sonhar.
Isso até me lembra daquela adaptação do livro de Michael Ende, ?A História sem Fim?, que traz exatamente a trama de como é através da fantasia que protegemos o nosso mundo das guerras, das brigas, das depressões, da desesperança, do desespero, e tantos outros problemas psicológicos que nos adoecem seriamente, especialmente na atualidade.
Mas ainda assim, continuamos a ter essa (falsa) ideia de que quando crescemos, temos que ficar o tempo todo alimentando a nossa mente apenas com informações e conhecimento, não deixando nenhum espaço para sonhar, porque isso é coisa de criança. E aí eu pergunto a você: quem foi que te contou essa mentira? Sabia que histórias como essa são importantíssimas para quem possui trabalhos que exigem criatividade? Precisamos entender que sem sonhos, não somos nada, e é aí que nossa vida perde o sentido!
Que nenhum preconceito da vida adulta te tire a oportunidade de mergulhar em livros da literatura fantástica, porque são exatamente essas histórias que poderão te proporcionar os melhores momentos da sua vida. Você poderá resgatar uma sensação da infância ou adolescência, ou até se transportar por um tempo para longe dos problemas e das preocupações do dia a dia. A única coisa que você precisa, é se permitir sem medo, e deixar vir à tona toda a leveza que a fantasia nos desperta.
E sabe que foi exatamente aí que eu pensei que esse é o motivo pelo qual a vida contribuiu para nunca permitir que o Tolkien acabasse ?O Silmarillion?. Já pensou quantas pessoas ele uniu através dessa obra inacabada? Quando um sabe mais, e passa a ensinar o outro. Quando dois se unem para poder tentar desvendar o todo através das partes que o Tolkien deixou escritas. Quando a paixão pela leitura nos torna viajantes de uma Terra-Média que também passa a ser o nosso lar.
Acho que um escritor, quando escreve uma obra, não faz ideia do tamanho da grandiosidade do que ele concebeu, e isso é algo que um homem real, humano, mortal, com seus defeitos e qualidades como Tolkien não conseguiria jamais compreender. E foi isso que Humphrey Carpenter fez questão de reforçar em cada uma dessas páginas com tanta seriedade e respeito.
Para mim, a magia das histórias sempre foi algo real. Sempre acreditei que podemos sim ser mágicos, porque a maior magia do mundo é o amor. Ingrediente este que estava presente em cada parte da história dessa Terra-Média que o Tolkien criou.
E aí, quando abrimos cada um de seus livros e começamos a ler as suas histórias, é exatamente esse amor que salta de cada uma dessas páginas e nos envolve como que por feitiço. E sob o poder desse encanto, nos tornamos tão mágicos quanto os seus personagens, porque agora boa parte do nosso ser está impregnada por esse amor. E não existe nada mais mágico nesta vida do que o amor!
Por isso é que eu não me canso de dizer: leiam Tolkien, e se deixem também ser invadidos por essa magia!
???Assim, uma laje cinzenta de granito da Cornualha, bem à esquerda do grupo, destaca-se com nitidez, tal como a inscrição um tanto curiosa: Edith Mary Tolkien, Lúthien, 1889?1971. John Ronald Reuel Tolkien, Beren, 1892?1973?.