fabio.ribas.7 15/03/2021
A questão da Palestina
?Escrever criticamente sobre o sionismo na Palestina nunca significou, e não significa agora, ser antissemita; ao contrário, a luta pelos direitos palestinos e pela autodeterminação não significa apoiar a família real saudita ou as estruturas de Estado antiquadas e opressivas da maioria das nações árabes? ? Edward Said, em A questão da Palestina
Aproximei-me de Said cheio de ?entretantos? e ?poréns?, por conta de um livro que estou lendo e o criticava em sua abordagem quanto ao tema do ?Orientalismo?. O livro que o critica, dizendo até mesmo que ele inflou e forçou argumentos que não se comprovam na história, foi o ótimo ?Por amor ao saber?, de Robert Irwin. Portanto, quando me foi sugerido ?A questão da Palestina?, eu fiquei muito reticente em começar a leitura. Todavia, foi uma grata surpresa poder ler um Palestino escrevendo sobre a Palestina. Ler ?o outro lado da história?, encarar seus argumentos, sua paixão, sua tristeza e sua condição de pária aos olhos do mundo. Um pária intelectual. Enfim, o livro é sensacional e obriga o leitor a se abrir a um tema delicadíssimo: a situação tanto dos palestinos que foram expulsos como os que ficaram, quando da criação do Estado de Israel. Não há como negar que os argumentos que favorecem a Israel estão aí todos expostos em livros, filmes, novelas, etc. Por outro lado, quantos ?A lista de Schindler? conhecemos sobre a causa Palestina?
A luta de Said é por voz ? a voz de milhares de Palestinos silenciados pela imposição do sionismo sobre eles. Logo no início, o autor nos apresenta a razão pela qual devemos dar o ?mínimo? de atenção à causa: ??parto do princípio moral de que os seres humanos, individual e seletivamente, possuem direitos fundamentais, sendo a autodeterminação um deles. Quero dizer com isso que nenhum ser humano deveria ser ameaçado de ?transferência? de sua casa ou de sua terra; nenhum ser humano deveria ser discriminado por não pertencer a esta ou àquela religião; nenhum ser humano deveria ser destituído de sua pátria, de sua identidade nacional ou de sua cultura, seja qual for o motivo? (p. LV). Em outro ponto, ouvimos a indagação: ?O que Israel, o que os Estados Unidos e o que os árabes vão fazer com os Palestinos??. O sionismo não é mais uma questão limitada ao povo de Israel, uma vez que atingiu os outros povos que viviam naquela região. O apelo, portanto, é que o primeiro passo seja dado e o primeiro passo é tentar compreender o que realmente aconteceu na região da Palestina.
Uma resolução da ONU, em 1975, tratou o sionismo como racismo, você sabia? Eu não.
A maioria de nós cresceu depois ou à parte de uma compreensão mais profunda disso tudo: a mesma lei que trouxe os judeus de volta à Palestina expulsou de lá as famílias árabes da região. Outro ponto que considerei importante é que a criação de um Estado judeu sobre judeus e não judeus criou uma situação delicadíssima ao segundo grupo. Assim, os poucos que ficaram foram sendo tolhidos de seus direitos e negligenciados de quaisquer benefícios recebidos pelo judeu. Para Said, o sionismo não deve ser restrito a um racismo, mas a uma ideologia que tentou extinguir os palestinos daquela terra ? era quase um milhão de árabes residindo ali em 1948! Um Estado judeu tem sido parcial no tratamento oferecido aos não judeus ? esta é uma das muitas denúncias de Said. Contudo, estamos falando de um livro escrito entre 1977 e 1978, e publicado em 1979. Assim, estamos mais de 40 anos distantes do recorte analisado pelo autor de ?A questão da Palestina?. Ainda assim, suas descrições entre o que a mídia noticia e o que aconteceu de fato é surpreendentemente semelhante à manipulação que vemos no Brasil de hoje. Quando uma ideologia assalta os meios de comunicação e estes passam a servir de veículo aos interesses de corporações e Estados, então compreendemos como é assustador que, em meio a toda a realidade que sabemos, o slogan pró-sionista divulgado aos quatro cantos era: ?Uma terra sem povo para um povo sem terra?! Como assim?!
Após a [Segunda] Guerra, ocorreu a questão judaica, tida como a única insolúvel, na verdade, estava resolvida ? ou seja, por meio de um território colonizado e, então, conquistado ? , mas isso não solucionava o problema das minorias nem dos sem pátria. Pelo contrário, como praticamente todos os outros acontecimentos de nosso século, a solução da questão judaica apenas gerou uma nova categoria de refugiados, os árabes, elevando desse modo o número de sem pátria para mais de 700 mil a 800 mil pessoas?, Hannah Arendt, em ?As origens do totalitarismo?.
A Introdução e o primeiro capítulo são uma avalanche de argumentos dos quais o leitor não poderá passar impunemente. Todavia, é quando o crítico literário Said começa a analisar o livro Daniel Deronda, expondo a ideologia que o sustenta que, particularmente, vi-me fisgado pela maneira dele se expressar. Um livro heroico em meio a um mundo de opinião avessa ao Edward Said. Não há dúvida. Enquanto lia ?A questão da Palestina?, fiquei com aquela vontade de ler algo mais recente tratando desses mesmos temas, desde a publicação do livro de Said até os dias de hoje. No fim de tudo e por tudo ser tão espinhoso e difícil de enfrentar, Said conclui: ?Duas coisas são certas: os judeus de Israel permanecerão; os palestinos também?.