Sebo Por Todo C 12/12/2015
ERA UMA VEZ CINCO SOLDADOS...
"Era uma vez cinco soldados franceses que faziam a guerra porque as coisas são assim."
Impressionou-se?
Calma, esse é apenas o primeiro parágrafo do livro.
Primeira Guerra Mundial (dizem, a mais sangrenta de todas) e os cinco soldados franceses descritos nesse primeiro parágrafo foram acusados de se auto mutilarem atirando em uma das mãos para obterem dispensa da guerra. Em um desses momentos em que só o destino e a política podem explicar, os cinco são condenados à morte (deserção e auto-mutilação são faltas graves nesse teatro de morte).
O comando, ciente da dificuldade desses homens serem colocados frente ao pelotão de fuzilamento, preferem enviá-los para a primeira fileira do front (o local mais violento em que a morte é companheira e, o que é mais estarrecedor, considerada uma boa companheira).
A intensão é colocá-los na trincheira, a primeira que separa os franceses de seus inimigos alemães e forçar esses cinco soldados a seguirem em frente com as mãos amarradas rumo aos inimigos, sem chance de defesa.
Os que têm que fazer cumprir essa ordem amenizam como podem o destino final dos cinco soldados. Um doce e café quente pedido por um, por motivos óbvios trocam a bota alemã calçada por outro, fazem um último curativo nos ferimentos das mãos. Cumprem a ordem à noite, dando chance para que os homens se escondam em alguma depressão no terreno ali deixada como resultado da violência dos ataques de obuses.
Os alemães que observam a cena do outro lado da trincheira se mantém quietos, não atiram. Isso não dura muito tempo. Um avião alemão se aproxima metralhando as posições. Inicia-se um violento combate. Na manhã seguinte, o óbvio: mortos, muitos mortos. Não apenas os cinco soldados mutilados, mas muitos soldados franceses que tentaram de uma forma ou de outra defendê-los. Os alemães abandonaram a posição dando chance para que a equipe de resgate recolha os corpos dos que perderam a vida.
Não, não pensem que o que acabei de escrever é um tremendo spoiler.
Essas são apenas as primeiras dez páginas do livro.
A jovem Mathilde ainda não foi apresentada e é ela que irá desfiar o novelo da história desses cinco homens de destino trágico. Mathilde ama Manech, o mais novo dos soldados mutilados e dado como morto no ataque alemão. Mathilde sairá em busca de Manech, juntando migalhas da memória dos que participaram da cena em frente à fronteira inimiga. Desvendará mentiras e quebrará as leis do silêncio na esperança de encontrar Manech, vivo ou morto.
O autor, Sébastien Japrisot publicou seu primeiro romance aos dezessete anos. Ganhou diversos prêmios. Em 1988, o Grande Prêmio de Literatura Policial com "Armadilha para Cinderela". Em 1978, o Prêmio de Deux-Magots e o Prêmio César de Melhor adaptação cinematográfica, ambos por "O verão assassino". A maioria dos seus livros foi levado às telas de cinema.
O que mais me chamou a atenção em UM DOMINGO PARA SEMPRE (que também virou filme com o título "Eterno Amor") nem foi a característica "cinematográfica" em sucessão de cenas completamente possíveis de serem acompanhadas pela imaginação, como as de ação, de interpelação, de tristeza e de teimosia. O que me chamou a atenção foi a impressionante caracterização dos personagens. Todos, sem exceção, se transformam em palpáveis seres humanos carregando as características para o bem e para o mal, verossímeis e fortes.
Trecho Predileto, primeira página:
"Era uma vez cinco soldados franceses que faziam a guerra porque as coisas são assim.
O primeiro, outrora aventureiro e alegre, levava no pescoço a matrícula 2124 de uma Junta de Recrutamento do Departamento do Seine. Nos pés tinha botas, tiradas de um alemão, e essas botas afundavam na lama, de trincheira em trincheira, pelo labirinto esquecido por Deus que levava às primeiras linhas.
Um seguindo o outro e penando a cada passo, iam os cinco para as primeiras linhas, com os braços amarrados nas costas. Homens com fuzis os conduziam, de trincheira em trincheira -- plof e plof na lama fazem as botas tiradas de um alemão --, rumo aos grandes reflexos frios da noite para além das primeiras linhas, do cavalo morto e das caixas de munições perdidas e todas aquelas coisas sepultadas na neve.
Havia muita neve, era o primeiro mês de 1917, nos primeiros dias."
site: http://trechoprediletoliteratura.blogspot.com.br/