Che 24/09/2017
BICHARADA VIOLENTA
Já é o terceiro trabalho da dupla Grant Morrison e Frank Quitely que leio, após "Grandes Astros Superman" e a fase de ambos em "X-Men". A proposta inicial me fez torcer o nariz, afinal, se tratava de uma HQ aventuresca sobre três 'pets' tornados armas de guerra do exército. Mas a curta extensão da HQ e as boas lembranças dos trabalhos anteriores da dupla me fizeram encarar a curiosidade.
Pra ser bem sincero, boa parte da minha suspeita preconceituosa se confirmou. Por mais que os fãs mais exaltados do autor digam que não, há sim algo de limitante e invariavelmente pueril nas figuras dos três animais de estimação colocados em couraças metálicas e com equipamentos que permitem a fala. O coelho, em particular, é "cute" ao extremo, por mais que Quitely se esforce em tentar pintá-lo como 'máquina assassina'. Acaba até ficando engraçado, algumas vezes, quando o roteiro pretendia o oposto.
Todavia, esse problema é menor do que eu pensava, embora exista. Os trechos de ação são convincentes e bastante sangrentos, com tripas e ossos expostos aos montes, começando pela ótima página das 'balas em 3D' logo no primeiro assassinato realizado pelos três 'soldados'. A coisa fica ainda melhor quando entra na série, já no capítulo final, um quarto animal, que é posto ali justamente pra tentar acabar com os outros três, com alguns quadros de pura violência.
Morrison fez um roteiro simples até demais, talvez coubesse versar mais sobre o passado dos protagonistas e como foram virar armas de guerra. Não há muito espaço para desenvolvê-los em coisa de cem páginas da série, embora o roteiro consiga deixar pistas e traços suficientes para diferenciá-los em personalidade, especialmente o cão líder e o gato rebelde. O recurso da fala foi usado de modo original e surpreendentemente verossímil, colocando os animais para articular com sintaxe minimalista e até propositalmente confusa de algumas poucas palavras, ao invés de longas falas bem articuladas (logo no começo, um dos personagens nos sugere não esperar sonetos de Shakespeare da bicharada).
Mas o melhor é mesmo Frank Quitely. Poderia soar um roteiro simples, bobo e francamente absurdo se não fosse a arte detalhista e cuidadosa do autor, que conseguiu a façanha de tornar aquele conceito dos animais-soldados aceitável no jeito como os colocou em couraças robóticas quadrúpedes (cogitaram colocá-los como bípedes, mas felizmente descartaram) e tornou as habilidades e ações deles contra os perseguidores humanos esteticamente primorosa, além de toda a passagem de várias páginas sem palavras com as câmeras de segurança. Sem Quitely, teria sido uma HQ apenas medíocre. Com ele, é bem acima da média.
Por fim, é de se ressaltar que "WE3" não é nada de revolucionário e não vai reinventar a roda da nona arte. Mas tem méritos, especialmente no desenho, além de instantes de tensão e emoção genuínas.