Vasto mar de Sargaços

Vasto mar de Sargaços Jean Rhys




Resenhas - Vasto Mar de Sargaços


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Tamires 02/02/2017

Vasto mar de sargaços ou a história de (Bertha) Antoinette Mason
ATENÇÃO: A resenha contém spoiler para quem não leu ou não conhece o romance “Jane Eyre”, de Charlotte Brontë.

Sinopse: "Publicado em 1966 e inédito até então no Brasil, Vasto mar de sargaços é a obra-prima de Jean Rhys. Nascida na Dominica, em 1890, e radicada na Inglaterra desde os 17 anos, Rhys foi uma das primeiras escritoras a falar da questão feminina e da colonização em sua obra, precursora das chamadas narrativas pós-coloniais. Inspirado na personagem Bertha Antoinette Mason, a 'louca do sótão' do clássico vitoriano Jane Eyre, de Charlotte Brontë, o romance dá voz à caribenha vivendo na Inglaterra que, assim como a própria autora, sofria com as dificuldades originadas do choque entre culturas."

Jane Eyre é um dos meus romances favoritos! A protagonista, que dá nome ao livro e a várias adaptações cinematográficas e para televisão, é uma mulher de espírito livre, em uma época em que as mulheres não podiam ser muita coisa, sobretudo as mulheres pobres. A jovem encontra o amor nos braços de Edward Rochester, dono do castelo de Thornfield, em um amor que seria impossível do ponto de vista social e econômico, mas aconteceu graças à união das mentes tidas como iguais. Entretanto, como nem tudo são flores, principalmente na vida de Miss Eyre, no dia de seu casamento com Mr. Rochester, quase ao final da cerimônia, uma pessoa aparece e interrompe o sonho romântico da jovem. Mr. Mason informa aos presentes que Rochester é um homem casado e que sua esposa está viva. Portanto, a cerimônia ali realizada era ilegal. Parecendo pouco surpreso, Rochester volta para casa e mostra a todos, incluindo a sua noiva Jane, o estado deplorável da mulher a qual ele está preso pelo laço sagrado do matrimônio. Ninguém a não ser Mr. Rochester e a funcionária que cuidava de Bertha Mason, Grace Poole, sabia que havia alguém vivendo no sótão de Thornfield Hall. Os gritos ocasionais da mulher eram tidos como o de algum fantasma ou da própria Grace Poole. A partir daí, com o coração partido, Jane Eyre muito corajosamente abandona o seu posto em Thornfield Hall, embora o seu ex-patrão e ex-noivo tenha lhe proposto uma vida clandestina a seu lado. Jane Eyre não tinha família, mas tinha princípios, então fez o que era o mais correto naquele momento. Partiu sem olhar para trás.

No entanto, havia mais ali e nem sempre prestamos muita atenção. Havia uma mulher que, diziam, era louca, e vivia em cárcere. Nos idos de 1847, quando o livro de Charlotte Brontë foi lançado, as instituições que se propunham a cuidar dos deficientes mentais utilizavam métodos semelhantes a tortura, ocasionando a morte de seus internos. Rochester tenta se justificar, dizendo que as condições para Bertha fora dali seriam as piores possíveis, mas será que ele realmente não teria condições de manter a esposa em uma habitação mais digna? Pensando nisso e em como a mulher caribenha foi retratada em Jane Eyre, Jean Rhys escreveu, por longos vinte anos, o livro Vasto mar de Sargaços, com o intuito de dar voz à mulher silenciada pelo choque cultural e também pelo marido.

“As irmãs Brontë tinham, é claro, o toque de genialidade (ou muito mais), especialmente Emily. Então, lendo ‘Jane Eyre’ não se pode evitar a leitura fluente, em maiores considerações. Mas, eu, lendo mais tarde, e muitas vezes, fiquei chocada com o retrato de lunática que ela traça, as cenas crioulas erradas, e sobretudo a crueldade real do Sr. Rochester. Afinal de contas, ele era um homem abastado e haveria maneiras mais gentis de dispor (ou esconder) uma mulher indesejada – ouvi a história de uma – e o marido se comportou de forma bem diferente. (Outra pista).
Mesmo quando eu sabia que tinha que escrever o livro – ainda assim não parecia tocar no ponto certo – e essa é uma razão (embora não a única) por que demorou tanto. Não tinha havido o clique. Não estava lá. Por mais que eu tentasse.
Foi só quando eu escrevi este poema – aí o clique aconteceu – e tudo estava lá e sempre tinha estado.” (Trecho de carta escrita em 14 de abril de 1964 por Jean Rhys para seu amigo Francis Wydham, a respeito de “Vasto mar de sargaços”.)

“O mar de Sargaços é uma vasta região do oceano Atlântico, próxima ao Caribe, que compreende mais de três milhões de quilômetros quadrados. Nesta área proliferam algas (conhecidas como ‘sargaços’, daí o nome que se dá ao mar), que cobrem sua superfície como um tapete, dificultando a navegação. (...) Trata-se de uma região polvilhada de belas ilhas, dentre as quais está a Jamaica, escolhida pela escritora antilhana Jean Rhys como cenário para o seu romance ‘Vasto mar de Sargaços’, publicado originalmente em 1966. (...)” (Prefácio de Carla Portilho, Profesora de Literaturas de Língua Inglesa na Universidade Federal Fluminense.)

A Inglaterra da era vitoriana podia ser bastante cruel para uma mulher de sangue quente, que não estivesse acostumada a tantos códigos que cerceavam a conduta. Por mais que alguns homens, como Mr. Rochester aparentava ser, permitissem uma maior liberdade de pensamento em suas companheiras, haviam limites para a vida em sociedade, sobretudo inglesa. A partir daí, começamos a perceber que a loucura de Antoinette Cosway poderia não ser, exatamente, uma deficiência mental. Antes de prosseguirmos, é bom deixar claro que o nome Bertha foi inventado por Rochester, que decidiu rebatizar a esposa, pois o nome Bertha parecia-lhe mais agradável. Anteriormente ela já havia ganhado um novo sobrenome, o do padastro, tornando-se Antoinette Mason.

Vasto mar de Sargaços é dividido em três partes: na parte 1, conhecemos as origens de Antoinette, sua família e as marcas deixadas pela colonização em sua região. Na parte 2, ora Antoinette, ora Rochester narram a história; os dois já estão casados. A parte 3 contempla o finalzinho da trágica história da nossa protagonista.

Antoinette não teve uma vida fácil. Vivendo entre aqueles que carregavam as marcas da escravidão, ela era uma mistura que estava perdida em algum lugar dos opostos: não era considerada negra, mas também não tinha o refinamento necessário para ser considerada educada, como os antigos colonos. Filha e neta de senhores de escravos, viu de perto toda a podridão do sistema escravista. Sua mãe, Annete, tendo ficado viúva, casa-se com Mr. Mason, que a tira, de certa forma, da miséria a qual estava vivendo com sua filha. Mr. Mason também tinha um filho do primeiro casamento, Richard, que anos mais tarde chegaria a tempo de interromper a cerimônia de casamento de Mr. Rochester e Jane Eyre.

“Então eu desviei os olhos dela e olhei para o meu quadro favorito, ‘A Filha de Miller’, uma linda moça inglesa de cachos castanhos e olhos azuis e um vestido decotado. Depois olhei por cima da toalha branca e do vaso de flores amarelas para o Sr. Mason, tão seguro de si, tão indubitavelmente inglês. E para a minha mãe, tão indubitavelmente não inglesa, mas também não negra branca. Não a minha mãe. Nunca tinha sido. Nunca poderia ser. Sim, ela teria morrido, eu pensei, se não o tivesse conhecido. E pela primeira vez eu me senti grata e gostei dele. Há mais de uma maneira de ser feliz, talvez seja melhor ter paz, sentir-se satisfeita e protegida, como eu me sinto, viver muitos e muitos anos em paz, e depois talvez eu me salve, apesar do que Myra diz.” (p. 31)

Annete tinha plena consciência do ódio que os negros sentiam dela e de sua família e temia que algo de ruim acontecesse. Mr. Mason, por outro lado, não acreditava que os negros pudessem fazer algo em represália pelos anos de escravidão. Ele gostava de Coulibri e não queria ir embora do lugar tão cedo. Annete temia por seu filho mais novo, o bebê Pierre. De certa forma, ela não queria que ele crescesse ali, tendo as marcas da colonização refletidas em sua personalidade, como Antoinette.

Um tempo depois os temores de Annete se confirmam verdadeiros. Um grupo de ex-escravos, incluindo empregados da casa, puseram fogo em sua propriedade, o que acabou resultando na morte do pequeno Pierre. Annete surtou com a tragédia, mas ao invés de ter o apoio da família, sobretudo do marido, foi posta em uma casa sob os cuidados de um casal de negros e era abusada sexualmente por eles. Torna-se louca, vítima das fatalidades que culminaram na morte de seu filho. Ataca Antoinette quando a menina a visita, pouco depois do incêndio, e também ao marido. Depois disso Antoinette é educada em um internato de freiras, até completar a idade matrimonial de 17 anos.

“- Eu convidei uns amigos ingleses para virem passar o próximo inverno aqui. Você não ficará entediada.
- O senhor acha que eles virão? – eu disse, meio em dúvida.
- Um deles virá. Eu tenho certeza.” (p. 55)

Edward Rochester, o filho mais novo, portanto, sem direito a uma farta herança ou a grandes propriedades, é o referido inglês que Mr. Mason tem absoluta certeza que conhecerá a sua filha. Antoinette carrega o estigma de ser filha de uma mulher louca, mas também tem um grande dote. É a pretendente ideal para um cavalheiro empobrecido como Rochester. Com a leitura de Jane Eyre, sabemos que o pai de Mr. Rochester tinha apenas o primogênito como favorito e grande herdeiro de suas propriedades. Desta forma, ao filho mais novo restava fazer um casamento vantajoso. Não sendo tão chegado a Edward, planeja casá-lo com Antoinette sem que o jovem saiba absolutamente nada sobre as origens da moça. Tudo fora combinado anteriormente entre o pai do rapaz e o irmão da moça, sendo o casal mero fantoche em um casamento de conveniência.

Mr. Rochester, ao chegar a Spanish Town, é acometido de uma febre muito forte, que o faz perder os sentidos. Seu noivado fora acertado quando ele estava ainda em recuperação, por indicação de seu pai. Quando recuperou-se, já estava comprometido. Ele achava tudo muito primitivo, não amou verdadeiramente sua esposa nem por um momento. Houve, de fato, um pequeno esforço para que eles pudessem viver tranquilamente, mas tudo naquelas Índias Ocidentais espantava Rochester. Quando aos poucos ele foi descobrindo a verdade por trás de seu casamento e as origens de sua esposa, tudo começou a desmoronar.

“Ela usava um chapéu de três bicos que lhe caía muito bem. Pelo menos sombreava seus olhos, que são grandes demais e podem ser desconcertantes. Tenho a impressão de que ela nunca pisca. Olhos oblíquos, tristes, escuros e estrangeiros. Ela pode ser crioula de pura descendência inglesa, mas eles não são ingleses nem europeus. E quando foi que eu comecei a notar tudo isso a respeito da minha esposa Antoinette? Acho que foi depois que saímos de Spanish Town. Ou notei antes, mas me recusei a admitir o que estava vendo? Não que eu tenha tido muito tempo para notar alguma coisa. Casei-me um mês depois de ter chegado à Jamaica, e nesse período passei três semanas de cama, com febre.” (p. 63)

“Tudo é demais, eu senti enquanto cavalgava cansadamente atrás dela. Azul demais, roxo demais, verde demais. As flores vermelhas demais, as montanhas altas demais, as colinas próximas demais. E a mulher é uma estranha. Sua expressão suplicante me aborrece. Eu não a comprei, ela é que me comprou, ou pensa que comprou. Eu olhei para a crina grossa do cavalo. Querido pai. As 30 mil libras me foram pagas sem discussão ou restrição. Não foi feita nenhuma provisão para ela (isso tem de ser providenciado). Agora eu tenho uma renda modesta. Nunca envergonharei o senhor nem o meu querido irmão, o filho que o senhor ama. Nem cartas suplicantes nem pedidos sórdidos. Nenhuma das manobras furtivas de um filho mais moço. Eu vendi a minha alma, ou o senhor a vendeu, e, afinal de contas, será que foi um mal negócio? A moça é considerada linda, ela é linda. E no entanto...” (p. 66)

Antoinette, embora com medo do que pudesse acontecer, uma premonição, talvez, aceita casar-se com Rochester. Aqui cabe informar que, com o casamento, ela torna-se uma mulher pobre, pois todo o seu dinheiro, o seu dote, é de propriedade de seu marido, de acordo com as leis inglesas. Ela dá mostras de que realmente ama o marido, ou tentará amar como for possível. Antoinette é uma mulher marcada por muitos acontecimentos ruins e desejava ter uma vida tranquila, com amor, e se possível no lugar que ela tanto amava. Ela viu em Rochester a oportunidade de ser feliz, mas alguma coisa sempre fazia com que ela tivesse medo. Medo de ser feliz. Ele a fez apaixonar-se, mas não se apaixonou de volta, e pior, acionou o gatilho que destruiu o breve instante de felicidade que ela teve no matrimônio, deixando-a transtornada, presumidamente louca. Daí para o sótão do castelo de Thornfield, que tornou-se propriedade de Rochester com a morte de seu pai e também de seu irmão, foi apenas uma viagem.

“- Eu nunca desejei viver antes de conhecê-lo. Sempre achei que seria melhor se eu morresse. Tanto tempo de espera antes que tudo se acabe.
- E você alguma vez contou isso a alguém?
- Não havia ninguém para contar, ninguém para ouvir.
(...)
- Por que você me fez desejar viver? Por que fez isso comigo?
- Por que eu quis. Não é o bastante?
- Sim, é o bastante. Mas se um dia você não quiser. O que eu faço então? Suponhamos que você leve embora essa felicidade quando eu não estiver olhando...” (p. 88)

Confesso que quando eu vi o tamanho do livro Vasto mar de Sargaços (191 páginas), fiquei um pouco decepcionada. Imaginei que seria um livro com muitas páginas e embarquei na leitura temendo que ela fosse ruim. Estava completamente enganada! Nos 20 anos que Jean Rhys levou para dar voz a Antoinette ela conseguiu fazer de sua história um rico panorama da colonização, da questão escravista, da questão da mulher neste contexto e tanta coisa, com tanta clareza e concisão, que não é à toa que esta obra seja referência nos estudos de literatura inglesa no mundo todo. Vasto mar de Sargaços é um super livro e, apesar de usar uma personagem quase apagada de um clássico da literatura inglesa, não é, nem por um momento, uma cópia ou mais um livro que pega carona nos clássicos. Antoinette é mais que a esposa louca de um nobre cavalheiro inglês. Ela é um pouquinho de cada mulher silenciada e usada como instrumento sexual ou barganha financeira daquela época. Ela teve o azar de ser as duas coisas e não receber nada em troca. Apenas mais combustível para justificar e alimentar a sua suposta loucura.


SOBRE A AUTORA: Jean Rhys nasceu em Dominica, nas Índias Ocidentais (Caribe). Mudou-se para Londres aos 16 anos e começou a escrever em Paris, na década de 1920, incentivada pelo escritor Ford Madox Ford. Seu primeiro livro publicado foi a coletânea de contos The Left Bank (1927). A obra que deflagrou sua carreira foi Voyage in the Dark (1934), assumidamente autobiográfica, escrita no calor dos acontecimentos de sua juventude e burilada mais tarde. Entre seus maiores sucessos estão Quartet (1929), romance transposto por James Ivory para o cinema em 1981, com Isabelle Adjani, Alan Bates e Maggie Smith. Vasto mar de sargaços (1966), escrito ao longo de 20 anos, é hoje referência nos estudos de literatura de língua inglesa em todo o mundo.

site: http://www.tamiresdecarvalho.com/resenha-vasto-mar-de-sargacos-ou-historia-de-bertha-antoinette-mason/
Nilva 26/04/2017minha estante
Ótima resenha. Vasto Mar de Sargaços é o lado escuro de Jane Eyre.


Tamires 26/04/2017minha estante
Obrigada?, Nilva!


Nilda Lins 24/11/2017minha estante
Acabei de ler Jane Eyre e fiquei apaixonada por este livro maravilhoso. Então me indicaram O Vasto Mar de Sargaços, resolvi comprar para conhecer um pouco mais de Bertha Mason esta personagem tão emblemática.


Tamires 19/10/2018minha estante
Nilda, você vai gostar! Esse livro é incrível!


Rebeca 20/11/2023minha estante
que massa! lembro que li sua resenha sobre esse livro no finado blog "escritoras inglesas"!




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Karen 17/10/2022

Dá pra dizer que houve um exposed do Rochester aqui
"Eu vi o ódio abandonar os olhos dela. Eu o forcei a sair. E, junto com o ódio, a beleza dela. Ela era apenas um fantasma. Um fantasma no dia cinzento. Nada mais restava além de desesperança,
- Diga morra e eu morrerei. Diga morra e me veja morrer".

Esse livro só serviu pra aumentar a raiva que eu sentia do Rochester e também para gostar um pouco menos da narrativa de Jane Eyre. Duzentos anos antes e já existia o discurso sexista de que louca é a ex. Pobre, Antoinette.
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Mari Moraes 22/07/2020

Surto coletivo
Esse livro foi recomendado pela minha melhor amiga, a quem que eu valorizo muito a opinião, e ela disse que foi o melhor livro que ela leu esse ano, mas que talvez eu devesse ler Jane Eyre antes para entender.

Não dei muito valor à segunda dica, rs, até porque Jane Eyre estava um pouco mais caro, então comprei apenas Vasto Mar de Sargaços. Talvez esse tenha sido meu erro. Não consegui me conectar com a história, o livro não é ruim e é uma leitura rápida, porém tive a sensação de que eu estava muito distante de tudo. Fiquei completamente perdida na obra, que traz poucos personagens e mesmo assim algumas vezes me peguei voltando as páginas do livro com a pergunta “quem é esse aí mesmo?”

Acho que foi escrito para desconstruir algumas ideias e fazer justiça a alguns personagens, mas, lendo em primeira mão tudo me pareceu apenas um surto coletivo, rs.
Então a dica que deixo é: não queime etapas.
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Ivan de Melo 20/01/2021

Um vasto mar de sargaços: Jean Rhys e o outro lado da moeda de "Jane Eyre"
2020 foi o ano em que tomei vergonha e fui ler “Jane Eyre”, um dos marcos da literatura mundial escrito em 1847 por Charlotte Brontë e que continua até hoje surpreendendo leitores do mundo inteiro com a história de sua complexa protagonista. Não pude deixar de vibrar com a inquietude da alma de Jane e de alimentar o ranço por Rochester, o heroi byroniano mais canalha da literatura inglesa. Também foi impossível não me comover com a história de Bertha Mason, a esposa louca trancafiada na mansão de seu captor.

Também Jean Rhys, escritora dominiquesa, se incomodou com o espaço dado por Brontë a esta personagem cuja história conhecemos apenas por meio do relato do homem que a aprisionou, uma história que tem raízes no passado colonial inglesa e que revela os piores retratos de toda uma época. Em “Vasto Mar de Sargaços” a autora tomou então a liberdade de construir uma espécie de prequela para o clássico vitoriano, dando voz à Antoinette (cruelmente chamada mais tarde de Bertha) Mason e a um jovem e imaturo Rochester no início de um desastroso casamento em meio ao calor de uma Jamaica colonizada. Rhys apresenta neste cenário toda uma gama de questões que denotam a mentalidade colonizadora, o espaço ocupado pela mulher numa sociedade patriarcal, o preconceito e o choque cultural dos quais também foi vítima durante sua infância, inaugurando com a publicação do romance em 1966 uma vertente de narrativas literárias pós-coloniais ou mesmo decoloniais das quas já é referência de estudos acadêmicos no campo.

Confesso que tive algumas dificuldades com este livro no que diz respeito as escolhas narrativas da autora que prefere contar esta história alternando as vozes de seus protagonistas. De um lado temos Antoinette contando sobre sua vida na colônia, sua crise de pertencimento em meio aos preconceitos culturais sofridos pela população crioula e seus receios quanto ao casamento arranjado com o tal homem inglês; e do outro Rochester, alucinado em meios às paisagens tropicais e a criadagem escravizada que irremediavelmente o dobra. As duas narrativas desembocam no final que já conhecemos de outro livro: Rochester declara Antoinette louca, a leva para a Inglaterra e lá a aprisiona até o fim de seus dias. O meu problema aqui é exatamente na transição entre as vozes que em alguns momentos me deixou com a sensação de ter perdido algo da história. Apesar de notar uma certa intencionalidade nesta inconsistência de dois narradores que não se mostram exatamente confiáveis, senti que em alguns momentos o livro me deixou alheio ao que circulava as personagens. Destaco, por outro lado, a habilidade da autora de construir tão detalhadamente os ambientes em que sua história é situada, ou seja, este é um livro que te fará sentir calor e sede.

No mais, acredito que a experiência de leitura de “Vasto Mar de Sargaços” amplia e é ampliada pela leitura de “Jane Eyre”, então eu indicaria que as duas leituras fossem feitas em conjunto como eu a fiz. Isso porque a obra de Jean Rhys se mostra uma resposta engenhosa ao romance de Brontë ao salientar temas que criam e enriquecem o “outro lado da moeda” de uma história tão conhecida, nos lembrando da importância de se ouvir outras versões de um mesmo discurso, sobretudo as versões dos personagens marginalizados e silenciados nas narrativas mais disseminadas, as ditas oficiais. Tudo isso me deixou com vontade de ir atrás de mais “livros-resposta” e estou pensando seriamente em partir para a leitura de “O Caso Meursault” do argelino Kamel Daoud, uma resposta a outro clássico, “O Estrangeiro” de Albert Camus. Que outros livros do gênero vocês conhecem?
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Rittes 26/06/2020

Um mar agitado
Considerado a obra-prima de sua autora, esse livro publicado pela primeira vez em 1966 levou 20 anos para ser escrito. Baseado numa personagem de "Jane Eyre", livro mais conhecido de Charlotte Bronte, é um livro estranho, para dizer o mínimo! Suas várias camadas servem para muitas reflexões. Sem falar que, para a época, pode se diser que é bem avançado ao tocar em questões como racismo e o papel da mulher. Interessante. Recomendo.
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Andreia Santana 13/06/2021

Um outro olhar sobre os bastidores de Jane Eire
Vasto mar de sargaços conta a história da ‘louca do sótão’, a infeliz primeira mulher do abusivo senhor Rochester. Os acontecimentos são anteriores aos narrados em Jane Eire e dão outra perspectiva para a história de Charlotte, uma inclusive que os leitores do século XXI entendem muito melhor do que aqueles dos tempos das irmãs Brontë.

Hoje, embora ainda ocorram muitos casos, as relações abusivas, os maridos tóxicos e o estupro marital já não são tolerados socialmente como eram no século XIX e nem estão mais encobertos por um véu de normalidade ditado por costumes machistas e puritanos e pelos tabus religiosos que pregam a submissão da mulher. Os tabus ainda existem, mas felizmente caem em descrédito geração após geração.

Jean Rhys parte da própria realidade como mulher caribenha nascida no final do século XIX (1890, precisamente), nas Antilhas, para criar uma vida anterior que, de certa forma explica – mas não justifica – os infortúnios sofridos por Antoinette, a prisioneira de Rochester, a quem ele destitui dos bens e até do próprio nome, chamando-a contra sua vontade de Bertha.

Vale lembrar que uma das estratégias de apagamento da personalidade de alguém, uma das formas de desumanizar uma pessoa, é privá-la de sua identidade e de suas origens. Era o que os antigos senhores de escravos faziam ao capturar os moradores dos reinos africanos para serem explorados nas lavouras das Antilhas ou das Américas.

Além da dor do próprio processo de escravização, os brancos que exploravam a mão de obra dessas pessoas não entendiam e nem aceitavam suas línguas, costumes, crenças. O escravizado, ex-escravizado e seus descendentes eram sempre os ‘selvagens’, ‘incultos e bárbaros’ que precisavam ser ‘civilizados’ pelo europeu cristão.

Antoinette nasce no seio dessa cultura cheia de tensões e fraturas, o que ela têm em comum com a própria Jean Rhys, considerada na juventude ‘a bela imigrante exótica’ do Caribe que se muda para a Inglaterra e precisa se encaixar na cultura britânica que rejeitava até o seu ‘sotaque das ilhas’.

Nesse pequeno livro de menos de 200 páginas, mas um grandioso romance (é considerado a obra-prima da autora), Rhys – que o publicou em 1966, mas trabalhava na ideia desde os anos 20, quando leu Jane Eire e ficou perplexa e fascinada pela mulher confinada na mansão de Rochester – descreve tanto os bastidores de um casamento abusivo e tóxico, com um marido machista, obcecado, ciumento e racista; quanto fala das conflituosas relações entre as antigas colônias e suas metrópoles, ou melhor, dos países invadidos com os seus exploradores de outrora.

O cenário se alterna entre a Jamaica, a Martinica e as ilhas vizinhas e uma Inglaterra tanto assustadora (o período é a Era Vitoriana e, nas ilhas, pouco anos depois do fim da escravidão) quanto idealizada.

Todas as mazelas herdadas do período colonial costuram as entrelinhas de Vasto mar de sargaços. Das dificuldades econômicas das antigas colônias, que por séculos foram expropriadas de suas riquezas naturais, aos problemas de formação social e política de países que nasceram a partir da exploração da mão de obra escrava.

Corrupção, revolta, perversidade, loucura e abandono são algumas das nefastas heranças do colonialismo estampadas nas páginas do livro de Jean Rhys.

Esse não é um daqueles romances de final edificante como o próprio Jane Eire, mas um relato contundente, doloroso e triste da condição da mulher na sociedade patriarcal, da situação precária dos pretos e pretas no pós-abolição, das cicatrizes eternamente abertas do colonialismo e da diáspora africana; e do não-lugar das crianças mestiças, muitas delas filhas ao mesmo tempo da resistência e da opressão de suas mães e avós…

O exemplar que eu li:

Um amigo jornalista e editor de livros me falou deste romance depois que postei a resenha de Jane Eire. Confiando na dica preciosa de um leitor sensível, comprei o livro em janeiro deste ano, pela internet. Foi uma das melhores aquisições literárias de 2021 até agora.

Ficha Técnica:

Vasto mar de sargaços

Título original: Wide Sargasso Sea

Autora: Jean Rhys

Tradução: Lea Viveiros de Castro

Editora: Rocco

192 páginas

Preço: de R$ 11,00 a R$ 20,90*

*Pesquisado na Estante Virtual, Amazon e Americanas em 13/06/2021

P.S.: Para saber mais sobre a autora e o livro, leia artigo do crítico e roteirista Leonardo Peterson Lamba no site da Rocco: encurtador.com.br/hosJP

P.S2.: Postei esse pequeno comentário sobre o livro também no perfil do Instagram (@blogmardehistorias).

P.S3.: De certa forma, foi uma leitura complementar não apenas ao clássico Jane Eire, como também a Um defeito de cor, de Ana Maria Gonçalves. Os três livros protagonizados por mulheres e ambientados na mesma época, o século XIX, dão um panorama rico da condição feminina na sociedade do período. Seja na Inglaterra, nas Antilhas ou no Brasil, a dor das mulheres tem muitos pontos de contato…

P.S4.: Existem ao menos duas adaptações para o audiovisual de Vasto mar de sargaços, uma para o cinema, de 1993, que no Brasil recebeu o cafona e piegas nome de Mar de desejos; e uma para a TV, de 2006, da BBC britânica. Nessa minissérie, Antoinette é vivida pela ótima Rebecca Hall.

site: https://mardehistorias.wordpress.com/
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Gisele 28/03/2021

Vasto Mar de Sargaços - Jean Rhys
O livro narra a história da personagem de outro livro (Jane Eyre - Charlotte Brontë) e traz reflexões sobre silenciamento das mulheres e o rótulo de "louca".

Escolhi esse livro para minha meta de leitura para 2021, que é ler um livro de cada país do continente americano. Foi a escolha para Dominica.
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Vinder 08/10/2022

Bom livro, que fica melhor se for lido em sequência ao Jane Eyre, da Charlotte Brontë, já que « vasto mar de sargaços » conta a história de uma personagem secundária de Jane Eyre, mas com olhar crítico, principalmente em relação a preconceito e colonialismo.
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Mary 01/05/2021

Um vasto mar e um coração em pedaços...
Este é um ótimo livro, se você ler de forma avulsa... Agora, se você pegá-lo depois de já ter lido Jane Eyre, ele se torna um livro especial.

É um livro bonito e cuidadoso. Enquanto está lendo, você percebe porque a autora demorou quase duas décadas pra escrever: foi o projeto de vida de uma fã indignada.

A figura da Bertha em Jane Eyre me causava fascinação e o Vasto Mar de Sargaços me levou pra além disso. É de uma beleza delicada envolta de uma inocência embaçada: Aintonette perde tudo, inclusive a própria identidade, quando perde o nome. Uma vida lhe foi imposta enquanto a sua foi roubada de forma abrupta e cruel (eu consegui odiar ainda mais o Mr. Rochester aqui).

Este livro torna um final trágico já conhecido em um final fisicamente doloroso. Ele fez jus à personagem de Jane Eyre que parecia apenas um elemento para alavancar a narrativa. Aqui, ela tem sentimentos, ela tem um passado, ela tem uma história.

Um livro imprescindível para quem gostou de Jane Eyre. Ele se sustenta sozinho, apesar de brilhar mais ainda na sombra da Charlotte Bronte.
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Caroline Vital 30/10/2023

Lido em 2019
Simplesmente incrível. Talvez melhor do que Jane Eyre!? Muito incômodo, faz tudo fazer sentido em Jane Eyre.
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Ana Lícia 14/02/2021

A Louca Do Sótão
Maravilhoso!

Eu amei Jane Eyre, mas a personagem Bertha me chamou muita atenção e, quando soube que havia um livro sobre ela, claro que corri para ler. Que maravilhosa surpresa, pois simplesmente adorei o enredo, personagens, menos Rochester, claro. Esse eu não consigo gostar em versão nenhuma.?

Mas fiquei completamente envolvida nos dramas da Antoinette. Iremos acompanhar sua vida desde a infância. Uma jornada de infortúnios, doloroso. Mas que personagem forte, ativa. Nos traz várias reflexões sobre o amor, identidade, questões raciais, seu lugar no mundo. É desesperador alguns acontecimentos. Vamos acompanhando seu enclausuramento e é sufocante.

Para quem ama as irmãs Brontë e está sempre atrás de obras relacionado a suas histórias fica a dica de um livro focado em uma personagem de Jane Eyre.

Curto, bem escrito e cativante. Ótima leitura.
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Valéria Cristina 22/03/2024

Colonização
Vasto mar de sargaços se inspira na história da ‘louca do sótão’ – Bertha -, a infeliz primeira mulher do senhor Rochester, personagem de Jane Eire. Aqui, a narrativa se alterna entre a Jamaica e a Martinica, apresentando ao leitor Antoinette que nasce no seio de uma cultura cheia de tensões e fraturas que evidencia o choque entre colonizador e colonizado.

Em uma paisagem deslumbrante, observa-se essa cultura na qual imperam as mazelas deixadas pelo processo de escravização e onde predomina a exploração da mão de obra das pessoas locais e a não-aceitação de suas línguas, costumes, crenças. O caribenho (escravizado ou ex-escravizado) e seus descendentes foram sempre considerados ‘selvagens’, ‘incultos e bárbaros’, aqueles que precisavam de ser ‘civilizados’ pelo europeu cristão.

O choque cultural se intensifica quando a protagonista, após situações traumáticas, se casa com um inglês. As diferentes visões de mundo entre o casal fazem com que a relação se deteriore. Tristeza e decepção levam Antoinette um processo de derrocada física e emocional que se intensifica com a partida para a Inglaterra.

Essa é uma leitura que incomoda, uma vez que evidencia a posição da mulher em uma sociedade patriarcal, na qual o homem branco é quem decide a vida de todos.

Jean Rhys é o pseudônimo literário de Ella Gwendolen Rees Williams Roseau, romancista e novelista dominiquesa, de Dominica uma ilha caraibenha da primeira metade do século XIX.
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Livros trechos e trecos 20/02/2021

Eu já tinha uns sentimentos conflitantes em relação ao Sr Rochester e a própria Jane, e toda a situação da Bertha já era bem incomoda mesmo com todos os argumentos que ele usou para se justificar.
Agora, depois de ler a história (não oficial) de Antoinette, ah! agora eu preciso virar a lombada de Jane Eyre ao contrário, pois estou bem irritada com você Sr Rochester!!!!!

Vasto mar de sargaços pode ter sido escrito pela Rhys e não pela Charlotte, mas esse Sr Rochester sem nome me convenceu. Para mim, ele passa bem como um jovem Sr Rochester!

Essa personagem merecia uma história própria e acho que a Rhys fez um bom trabalho ao nos dar um passado, uma vida para "Bertha". A esposa "louca", que como muitas esposas loucas do passado, não eram tão insanas assim..
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"odiava sua beleza e sua magia e o segredo que eu jamais iria desvendar. Odiava sua indiferença e sua crueldade que fazia parte de sua beleza. Acima de tudo, eu a odiava. Porque ela pertencia à magia e à beleza. Ela me deixara com sede, e toda minha vida eu teria sede e sentiria saudade do que tinha perdido antes mesmo de encontrar."
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Stefânea 06/03/2021

Eu não estou acostumada a ser feliz.
Acho que alguns livros simplesmente já nascem geniais. O que Jean Rhys entregou nesse enredo foi de tanta qualidade que é até difícil falar.

Com certeza é uma história meio sem sentido para quem não leu Jane Eyre e não conhece a louca do sótão, porém não acho que esse livrinho deva ser reduzido apenas a isso.

Aqui encontrei uma história de dor. Uma dor quase palpável. A dor de uma garota que viu sua vida ser destruída por consequência de erros cometidos por muitos antes dela.

Apesar de amar a escrita, demorei um pouco para engatar, mas quando vi já estava presa nessa escrita triste mas envolvente.
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