Antonio Luiz 15/03/2010
Uma autobiografia não autorizada
Uma autobiografia não autorizada: isto seria um contra-senso até para Franz Kafka, mas o livro chega tão perto disso quanto se pode desejar. O escritor de origem judia nasceu na Praga de 1883 e o quadrinista de origem católica, na Filadélfia de 1943, mas não se precisa saber muito da vida e obra de ambos para se suspeitar de que Robert Crumb foi motivado por mais que uma afinidade superficial.
O Kafka de Crumb, em parceria com o escritor David Zane Mairowitz, não é uma mera quadrinização, nem um desses manuais para dummies ansiosos por ter algo a dizer sobre literatura em reuniões sociais sem se dar ao trabalho de ler. É uma obra-prima dos quadrinhos, na qual se encontram a história de Praga, a vida de seu maior escritor e espiadas rápidas, mas originais e impressionantes, em algumas de suas obras – O Veredicto, A Metamorfose, A Toca, Na Colônia Penal, O Processo, O Castelo, Um Artista da Fome e Amerika.
Com ajuda de um bom adaptador, o pai dos quadrinhos underground comenta sem complacência, mas com sensibilidade, a vida, a individualidade e o trabalho do inventor da fábula metafísica – um artista maior e mais admirável, mas comparável nas neuras, no humor, na ironia e na amargura. No mínimo, o leitor não voltará a usar o termo “kafkiano” à toa. Se mesmo isto não conseguir motivá-lo a ir à fonte, poucas coisas o farão.