Desonra

Desonra J. M. Coetzee




Resenhas - Desonra


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Daniel Moraes (Irmãos Livreiros) 27/04/2021

Desonra
Desonra, premiada obra de J.M. Coetzee, publicado pela Companhia das Letras, em edição comemorativa dos 25 anos do Prêmio Nobel de Literatura, traz em sua narrativa um tanto quanto sensível ao tratar de assuntos pesados que envolve abuso e estupro, e seus desdobramentos.

O romance abre com um impacto em sua narrativa: o retrato da vida medíocre de David Lurie, um professor sem grandes perspectivas, porém, sente-se feliz por se encontrar semanalmente com uma prostituta. No entanto, quando ela não lhe serve mais para acalentar seus desejos, o professor inicia um relacionamento brutal que é visto como práticas de assédio com uma aluna trinta anos mais jovem, ele com 52 anos, ela 20, vindo a desencadear um processo moral na universidade onde ele leciona.

A leitura forte e impactante por suas nuances que vão do romance entre um professor e uma aluna às práticas de estupro, mesmo que, autorizados por sua aluna, por se tratar de uma jovem que não conhece de fato a arte do sexo, e se vê apegada ao mestre que lhe ensina em sala de aula ao homem que lhe tem na cama, mesmo que na forma mais brutal.

O que impacta na obra, não é apenas a forma a prática do sexo, mas sim, a forma como ela era forçada a fazer em muitas das vezes, entender que isso é natural, pois não se enxerga com o direito de denunciar. Sem dúvidas, há muitas mulheres que sentem assim da mesma forma: com medo de denunciar.

Exonerado do cargo, o professor David Lurie decide ir morar no campo com a filha, quer por sinal é lésbica e ironicamente, em um assalto à casa, sua filha é estuprada pelos assaltantes.

Inegavelmente, é um livro que traz desconforto em sua narrativa, por tratar de temas tão profundos e machistas a ponto de incomodar os leitores e, acredito que as mulheres também sentiram-se totalmente ofendidas pelo olhar do professor que viu na figura desse homem, uma pessoa que pratica esses atos sem ao menos valorizar a figura feminina.

Desonra é um livro delicado e nem todos irão se identificar com a narrativa que descreve o poder exacerbado que os homens exercem sobre mulheres, embora, tem um desfecho louvável, senão, reflexivo, pois o autor J.M. Coetzee, fala de machismo na sua forma mais cruel e dolorosa.

A seguir um parágrafo que define o estupro e o autoritarismo masculino sobre as mulheres. É pesado, ressalto, mas é necessário entender a tratativa:

“Quando se trata de homem e sexo, David, nada mais me surpreende. Talvez, para os homens, odiar uma mulher faça o sexo ficar mais excitante. Você é homem, deve saber. Quando faz sexo com uma estranha, quando encurrala, prende, submete, coloca todo seu peso em cima dela, não é um pouco como assassinar? Enviar uma faca; excitante depois, deixar o corpo coberto de sangue, não dá a sensação de assassinato, de conseguir se safar de um assassinato?”

Leia a resenha na íntegra, no blog Irmãos Livreiros.

site: bit.ly/iLPost1404
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Alê | @alexandrejjr 30/06/2020

O áspero pode ser necessário

Quando foi a última vez que vocês saíram atordoados de uma leitura? Pois é. No meu caso faz alguns anos e foi com esta obra-prima moderna do senhor John Maxwell Coetzee ou, para fins estilísticos, J. M. Coetzee.

Este "Desonra" é uma narrativa que pulsa, que vibra a cada linha vencida. Acompanhar a história seca, cortante de Coetzee pode ser desconcertante. Sua personagem espelho, David Lurie, é complexa, mas esse livro trata dimensões da questão humana de uma maneira muito peculiar. A persona de Lurie, homem branco na África do Sul pós-apartheid, sua relação com a filha, sua crise de identidade, sua moralidade suja e deturpada, sua relação com os animais, tudo, tudo aqui é intenso.

O livro é uma pancada, mexe conosco. É o tipo de ficção que acaba com a visão turva da realidade. E é por isso que eu concordo com a afirmação do professor André Correia quando ele participou da série "Literatura fundamental" da Univesp: um título mais fiel seria "Desgraça". Coetzee vale o seu tempo.
Vitória Marcone 30/06/2020minha estante
Gostei da resenha. Deu até vontade de ler!


Manuella_3 30/06/2020minha estante
Alê! Sem fôlego! Eu pego e solto esse livro, hahaha, ainda não encarei por conta das resenhas que recomendam cautela. Qualquer hora dessas, mais corajosa, lerei. Gostei muito de Infância, a escrita dele é muito envolvente.


Alê | @alexandrejjr 30/06/2020minha estante
Vitória, "Desonra" é uma leitura incrível, vai pronta pra ser surpreendida (positiva e negativamente). E Manuella, depois desse livro eu fiquei com vontade de ler os títulos mais antigos dele, porém não foram reeditados e é bem difícil de encontrar, só em sebos aqui em Porto Alegre. Obrigado a vocês duas pela atenção!


Vitória Marcone 30/06/2020minha estante
Alê, já coloquei na lista infinita ?




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Joao 22/08/2022minha estante
Apesar da temática parecer ser bem pesada, graças ao seu texto fiquei bem curioso para ler.


Jorlaíne 22/08/2022minha estante
A escrita dele é fantástica, João. Recomendo muitíssimo!


Alê | @alexandrejjr 26/08/2022minha estante
É um dos meus livros favoritos. Até hoje sigo em dívida com o Coetzee, pois só li esse dele. Vou ver se reparo isso em 2023...




Bookster Pedro Pacifico 01/03/2020

Desonra, J. M. Coetzee - Nota 9,5/10
Vencedor do Man Booker Prize, Desonra narra a história de David Lurie, um professor universitário cinquentão e divorciado. O protagonista tem dificuldades em se envolver afetivamente e sua relação mais profunda é com uma prostituta. No entanto, após iniciar um romance com uma de suas alunas, é acusado de estupro e expulso da universidade em que dá aula. Diante disso, resplve passar um tempo na casa de sua filha, Lucy, na África do Sul pós-apartheid.

Lá, Lurie entra em contato com um país ressentido e ainda sofrendo pelos conflitos raciais. É uma completa mudança de cenário: da grande cidade para o campo em um país ainda em desenvolvimento. E também uma mudança do cenário mais interior: do individual para o coletivo. O que aparenta ser um romance sobre uma relação perturbada entre um homem mais velho e uma jovem, se mostra, na verdade, uma análise de uma sociedade brutalizada e oprimida.

Apesar de Coetzee criar uma narrativa com personagens comuns, aborda inúmeros temas sensíveis e polêmicos, como abuso sexual, racismo, violência, submissão, maus-tratos contra animais... A escrita é econômica, o autor não se vale de descrições minuciosas ou frases longas.

Com um final perturbador, “Desonra” é um livro real, seco, com cenas fortes e que prende muito o leitor! .

“A história percorre o distrito como uma mancha. Não é a história dela que se espalha, mas a deles: eles são os donos. Como eles a puseram em seu lugar, como lhe mostraram para que ser e uma mulher.”

site: https://www.instagram.com/book.ster
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cris.leal 10/10/2020

Provoca impacto e faz refletir...
David Lurie é um professor branco, de 52 anos, que leciona poesia romântica numa Universidade da Cidade do Cabo, na África do Sul. Ele é divorciado duas vezes, tem uma filha, três livros publicados e cogita escrever uma ópera sobre Lorde Byron. Após o fim do apartheid, o novo regime aplicou diversas ações visando beneficiar as vítimas do regime discriminatório. Uma das ações desagradou e deixou Lurie deslocado: o fechamento, na Universidade, do seu Departamento de Línguas Clássicas e Modernas. Ele continuou lecionando porque é assim que ganha a vida, mas não tem respeito pela matéria que ensina e percebe que os alunos não lhe dão a menor importância. No geral, David Lurie adota um estilo de vida do tipo “não estou nem aí pra nada”. É dono de um cinismo exagerado e não se aprofunda em nenhum tipo de relação, seja pessoal, afetiva ou profissional.

Muito mulherengo, o professor, mesmo sabendo do perigo, inicia um caso com uma aluna de 20 anos, chamada Melanie. Quando Melanie e seu pai apresentam uma queixa de assédio sexual contra ele, Lurie é levado perante um comitê acadêmico, onde admite a culpa, mas não reconhece o erro. Ele tem a oportunidade de se desculpar e salvar sua carreira, mas recusa tudo. Com o nome jogado na lama, deixa a universidade, a cidade e vai passar um tempo com a filha que mora em uma fazenda.

No campo, David e a filha Lucy sentem na pele o resultado da longa história de opressão racial da África do Sul. A fazenda é invadida e ambos são barbaramente atacados por três homens negros. A explosão de violência que vivenciou marca o início da transformação de Lurie, porque rompe a bolha de indiferença e arrogância em que vivia, levando-o a reavaliar seu próprio comportamento e a enxergar o mundo por outra perspectiva.

Meus amigos, termino esta resenha com a sensação de que deixei a desejar, porque esta história é muito maior do que eu consigo descrever aqui e mais profunda do que se possa imaginar. A escrita do autor é repleta de simbolismo e transborda sentimento, apesar de ser seca e direta, e, por isso, impressiona, incomoda e provoca reflexões. Não é uma leitura fácil, mas espero que se sintam incentivados a conferir, porque vale a pena.

site: https://www.newsdacris.com.br/2020/10/resenha-desonra-de-j-m-coetzee.html
Aninha.Costa 10/10/2020minha estante
Nossa Cris, sua resenha ficou ótima, já quero ler esse livro!


cris.leal 10/10/2020minha estante
Leia sim, Aninha! Bom livro é aquele q mexe com a gente e esse mexe, viu ;))


Aninha.Costa 10/10/2020minha estante
Posso imaginar, já aguçou a vontade ??????




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Thiago 06/11/2022

Denso, cru, apático.
A narrativa contém temas pesados como morte, abuso, divisão de classes e hierarquia. Te faz questionar sobre empatia, perspectivas de vida diferentes e até que idade estamos abertos à mudanças?
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Krishna.Nunes 10/10/2021

De causar arrepios.
Desonra, cujo título original é "Disgrace", narra o declínio de David Lurie, professor universitário na Cidade do Cabo, depois de ter tido um caso com uma de suas alunas de literatura. Ao ser acusado de assédio sexual, o professor de cinquenta e poucos anos não nega nenhuma das alegações, entretanto seu orgulho impede que ele peça desculpas sinceras ou demonstre arrependimento, o que poderia ter salvado sua carreira. Diante dessa posição inabalável, o inquérito é concluído com a demissão do professor, que acaba perdendo mais que seu emprego: sua reputação, sua paz de espírito e suas esperanças de sucesso artístico como escritor.

Apesar de não haver forçado sua aluna a fazer sexo e de ela ter idade para consentir, David parece não enxergar que a posição de superioridade de um professor é algo quase sagrado do ponto de vista de um estudante. Enquanto está encantado pela jovem, não se dá conta que ela pode ter cedido à sua sedução apenas com esperança de ser aprovada na disciplina, que ela poderia estar sobrecarregada ou deprimida, que a apatia dela durante o sexo poderia não se dever à inexperiência como ele pensava, mas à falta de desejo. Assim, ele nunca enxerga o que fez como estupro e acha que ela só o denunciou por pressão de um ex-namorado e uma colega de quarto que teriam levado o caso aos pais da moça.

O romance Desonra se passa numa África do Sul que vê o equilíbrio de poder mudar, ao mesmo tempo em que a violência é desencadeada na disputa de terras no interior do país. O romance se inspira no conflito social e político contemporâneo no país e apresenta uma visão sombria de uma nação em transição. Essa transição é representada de várias formas ao longo do livro, como na perda da autoridade, na perda da sexualidade, na mudança da dinâmica entre os grupos que antes eram dominantes ou subordinados e na transferência da riqueza.

Ainda que nunca tenha se demonstrado abertamente racista ou preconceituoso, David é um representante do machismo, dos antigos costumes e tradições ultrapassadas daquela geração que viu a ascensão de um novo modo de vida com o fim do Apartheid. Dessa forma, ele não consegue se situar diante da nova realidade, do politicamente correto, da crise da valores e especialmente diante de sua única filha, Lucy, cujo comportamento após ser vítima de uma bárbara agressão ele não consegue compreender.

De uma hora para outra, David se vê sem a beleza, o frescor e a paixão dos jovens, ao mesmo tempo que também não possui a serenidade, a gentileza e a paciência dos velhos. Passa a viver "apenas como um velho prisioneiro cumprindo pena".

Mesmo que todo romance ambientado no pós-apartheid possa ser lido como um retrato político, Desonra simultaneamente incentiva e contesta essa interpretação, mantendo uma constante tensão entre duas alternativas extremas: salvação e ruína.Trata-se de uma prosa sóbria e visceral, sem rodeios nem floreios, que não tenta amenizar nem embelezar nada, causando no leitor revolta, comiseração e até arrepios.
Lindenberg 11/10/2021minha estante
??????




Gabriela3420 05/10/2021

Desonra
David Lurie é um professor universitário de 52 anos, que mora na Cidade do Cabo, e tem sua vida completamente mudada após ter um caso com uma de suas alunas, 30 anos mais jovem. Ele perde o emprego e decide ir para o interior do país, morar na fazenda de sua filha, Lucy. Neste local ele entra em contato com a África do Sul profunda, ainda muito ferida pelo Apartheid, que aparentemente tem suas próprias regras e costumes.

PONTOS POSITIVOS: a escrita desse autor é magistral ! O livro é bem curto e flui muito bem, eu me peguei passando as páginas sem nem perceber.

PONTOS NEGATIVOS : eu não tive uma boa experiência de leitura porque não me apeguei aos personagens, faltou da minha parte a capacidade de sentir empatia por eles... em outras palavras: peguei ranço de David e Lucy.

Recomendo a leitura pra quem gosta de livros que abordam moral, ética e a hipocrisia da sociedade.
Krishna.Nunes 10/10/2021minha estante
Se você considera a falta de empatia com David e Lucy um ponto negativo, então não entendeu bem o livro. Pois esse era precisamente o objetivo do autor, um homem detestável e uma mulher incompreensível. Se seu sentimento por eles foi "ranço", então o texto provocou exatamente a emoção que buscava.




Otavio.Guassu 07/10/2023

?Seu humor está ficando cinzento. Não só porque não sabe o que fazer consigo mesmo. Os acontecimentos da véspera o deixaram profundamente chocado. O tremor, a fraqueza, são só os primeiros indícios, mais superficiais, do estado de choque. Ele tem a sensação de que, dentro dele, um órgão vital foi ferido, comprometido, talvez seu coração. Pela primeira vez, tem uma amostra de como será ser velho, cansado até os ossos, sem esperança, sem desejos, indiferente ao futuro. Largado numa cadeira de plástico, em meio ao fedor das penas de galinha e maçãs podres, ele sente o seu interesse pelo mundo escoando de dentro dele, gota a gota. Pode levar semanas, pode levar meses até secar inteiramente, mas está secando. Quando isso terminar, ele será como uma casca de mosca numa teia de aranha, quebradiço ao contato, mais leve que uma casca de arroz, pronto para sair flutuando.?
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Alexandre Kovacs / Mundo de K 28/05/2010

J.M. Coetzee - Desonra
Editora Companhia das Letras - 246 páginas - Publicação 2007 - Tradução de José Rubens Siqueira.

John Maxwell Coetzee é um dos mais conceituados autores contemporâneos em língua inglesa, nascido em 1940 na África do Sul e ganhador do Nobel de literatura de 2003, único escritor a ser premiado por duas vezes com o Booker Prize, primeiramente em 1984 com "Vida e Época de Michael K" e depois em 1999 com "Desonra", ambos os romances retratando a dura realidade social na África do Sul pós-apartheid. Para o público brasileiro é certamente mais fácil do que para os leitores norte-americanos ou europeus entender e contextualizar a vivência com a brutalidade, decorrente da pobreza em uma sociedade massacrada pela exclusão econômica.

O ritmo narrativo de Coetzee em Desonra é rápido e preciso, diria essencial, não encontramos uma palavra a mais ou a menos, cortante e direto ao ponto. O intelectual e irônico David Lurie, professor universitário de poesia de 52 anos e divorciado por duas vezes é um homem inadaptado ao seu meio. Logo no parágrafo de abertura do romance Coetzee apresenta o personagem em sua solidão: "Para um homem de sua idade, cinquenta e dois, divorciado, ele tinha em sua opinião, resolvido muito bem o problema de sexo. Nas tardes de quinta-feira, vai de carro até Green Point. Pontualmente às duas da tarde, toca a campanhia da portaria do edifício Windsor Mansions, diz seu nome e entra. Soraya está esperando na porta do 113. Ele vai direto até o quarto, que cheira bem e tem luz suave, e tira a roupa. Soraya surge do banheiro, despe o roupão, escorrega para a cama ao lado dele. "Sentiu saudade de mim?", ela pergunta. "Sinto saudade o tempo todo", ele responde. Acaricia seu corpo marrom cor-de-mel, sem marcas de sol, deita-a, beija-lhe os seios, fazem amor.".

Os problemas de David Lurie começam quando a prostituta Soraya resolve abandoná-lo, destruindo a organização racional com que ele havia equacionado sua vida. Este ponto de inflexão da narrativa fica claro na seguinte passagem: "Sem os interlúdios das quintas-feiras, a semana fica tão sem forma como um deserto. Há dias em que ele não sabe o que fazer consigo mesmo". Ele passa a ter um caso com uma de suas alunas e este relacionamento acaba em um processo de abuso contra Lurie que é isolado e expulso da Universidade, após se recusar a redigir uma declaração atenuante.

Ao se concluir o processo de exoneração, David Lurie, pressionado pela condição de homem que caiu em desgraça na sociedade local, decide se refugiar na fazenda de sua filha no interior. Coetzee tem a oportunidade de confrontar vários aspectos da formação humanista de Lurie com a violência gerada pela pobreza dos excluídos em um país onde, assim como no Brasil, o fato de pertencer a uma classe social mais privilegiada pode ser uma ameaça: "Um risco possuir coisas: um carro, um par de sapatos, um maço de cigarros. Coisas insuficientes em circulação, carros, sapatos, cigarros insuficientes. Gente demais, coisas de menos. O que existe tem de estar em circulação, de forma que as pessoas possam ter a chance de ser felizes por um dia.".

David Lurie descobre então que suas angústias existenciais e desonra social são insignificantes quando, juntamente com a filha, passa por uma situação limite ao ser atacado na própria fazenda por três negros. Este trecho brilhante de Coetzee ilustra bem a situação de abandono e impotência de Lurie: "Ele fala italiano, fala francês, mas italiano e francês de nada lhe valem na África negra. Está desamparado, um alvo fácil, um personagem de cartoon, um missionário de batina e capacete esperando de mãos juntas e olhos virados para o céu enquanto os selvagens combinam lá na língua deles como jogá-lo dentro do caldeirão de água fervendo. O trabalho missionário: que herança deixou esse imenso empreendimento enaltecedor? Nada visível.".

Coetzee conseguiu criar uma obra em que os personagens são imprevisíveis e de uma fragilidade intensamente verdadeira. A inadaptação de David Lurie às convenções do meio acadêmico e ao destino implacável, seja pela própria velhice que se aproxima rapidamente ou pelas agressões sofridas por ele e a filha, constituem um estado de desonra permanente do qual ele não consegue escapar.
Luhhh ^___^ 15/09/2013minha estante
Muito bom esse livro!
Spoiler!!!!!!
Eu não consegui entender de como a Lucy podia conviver com o negro que a estuprou como vizinho!!!
Parece que os personagens do livro cansam de viver e desistem da vida...




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Heloísa 18/10/2020

Várias desonras
Um livro difícil, com um personagem indigesto, que aos poucos vai se modificando. Difícil falar sem dar spoiler. Toca muito de leve na vida da África do Sul e em boa parte do livro, a sensação é de que a história poderia ser no interior do Brasil, especialmente na relação com a terra, quando David vai para a fazenda para ficar com sua filha, Lucy. No entanto, a partir de um segundo momento de sua relação com sua filha Lucy que os costumes, a cultura, o pós-apartheid vão ganhando destaque. Um livro em que o narrador nos confronta com diversas desonras, com desfechos inesperados. Não é um livro de finais felizes, de personagens perfeitos. Este é o seu grande mérito.
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Thalita 26/06/2015

"Desonra", de J. M. Coetzee
1. John Maxwell Coetzee nasceu na África do Sul, em 1940, e desde 2006 vive em Adelaide, na Austrália, adotando nacionalidade australiana. Um homem recluso, que se move nas margens da esquerda e que combate a crueldade contra os animais. Ele é o tipo de pessoa que saiu de seu país, no entanto, o país não saiu dele. Preocupado com os problemas sociais da África do Sul, ele sempre tenta passar a realidade desse país em seus livros. Sim, este é Coetzee. Dentre tantos prêmios, foi consagrado com o Nobel de Literatura em 2003. "Desonra" é considerado o ápice da sua carreira, embora há críticos que consideram toda a sua produção literária uma grande obra prima.

2. Não é para menos. "Desonra" é um livro sublime, no entanto, me incomodou profundamente. Aliás, uma sensação desagradável me acompanhou por um bom tempo mesmo após o término do livro. "Desonra" nos apresenta o professor da Universidade da Cidade do Cabo (África do Sul), David Lurie, um homem de 52 anos, autor de três livros , todos lançados sem sucesso. David passou por dois casamentos e se divorciou nos dois, sendo que do primeiro casamento nasceu sua única filha, Lucy. É um homem mulherengo, promíscuo e cínico, que se considera mais velho do que realmente é e que se envolve com uma de suas alunas, Melanie Isaacs, de 20 anos. Melanie é o seu céu e o seu inferno.

3. Tive a sensação que a relação entre Melanie e David é muito forçada por este último. Aliás, com a justificativa de que "a beleza de uma mulher não é só dela. É parte do dote que ela traz ao mundo. Ela tem o dever de repartir com os outros", ele força uma relação sexual com a jovem, que a nossa ver seria considerado um estupro, mas na opinião de David "estupro não, não exatamente, mas indesejado mesmo assim, profundamente indesejado" (p. 33). E aí nos indagamos: será que esse "ponto de vista" seria resultante do fato de ele ser branco e ela, negra? Quando os pais da jovem descobrem a relação, um processo administrativo é instaurado, David é "julgado" por um conselho nada imparcial e então o protagonista opta por deixar a Universidade e se refugiar na casa - ou, como ele chama, na fazenda - da filha, em Salem, no interior do país.

4. A partir desse momento, passamos a ter contato com os problemas sociais que a África do Sul ainda enfrenta no pós-apartheid. Infelizmente, o fim do regime de apartheid não representou o fim da pobreza, violência do país e segregação racial e econômica do país. Ou seja, os brancos continuam sendo economicamente mais poderosos que os negros. Sabemos que aos poucos, uma classe negra de "novos ricos" está emergindo no país, mas num ritmo muito lento. Portanto, o país conseguiu derrubar as barreiras legais de segregação racial, porém, não derrubou a barreira social.

5. David, ao se refugiar no interior da África do Sul, tem contato com o que há de pior no país: disputa de terras, violência contra as mulheres e o descaso do poder público com os animais. Como bem disse no início dessa resenha, Coetzee tem uma grande preocupação com os animais e tal preocupação se reflete muito nos seus escritos. Isso é bem evidente em "Desonra": "Os cachorros são levados à clínica porque são indesejados: porque somos demais. É aí que ele entra em suas vidas. Pode não ser seu salvador, aquele para quem não são excessivos, mas está preparado para cuidar deles, uma vez que são incapazes de cuidar de si mesmos, uma vez que até Bev Shaw lavou as mãos do destino deles" (p. 166). Além disso, percebemos que os animais são utilizados muitas vezes como metáforas, para descrever a vida de muitos seres humanos que sofrem naquele país.

6. Percebemos que toda a vida de David entra em desgraça após seu fatídico envolvimento com sua aluna. É como se ele tivesse "pagando por seus pecados". Na verdade, frise-se neste ponto que a tradução do título do livro seria "Desgraça" (título original "Disgrace"), porém o tradutor José Rubens Siqueira preferiu "Desonra" a fim de evitar conotações religiosas. Mas, observamos no decorrer da leitura que a palavra "desgraça" se faz muito presente no enredo.

7. Em que pese a violência sofrida por Lucy ter sido descrita de uma forma muito sutil, onde percebemos nas entrelinhas o que ocorreu, para mim foi algo muito forte. Aqui, mais uma vez, o escritor retrata uma triste realidade social: a África do Sul é recordista mundial de casos de estupro (a cada 34 segundos, faz-se uma vítima). E essa realidade era e continua sendo silenciada pela própria sociedade e o poder público. Por mais que o quadro esteja mudando, constatamos que ainda é vergonhoso para uma mulher sul-africana denunciar às autoridades policias tal violência. Há vários e vários momentos que eu fiquei indignada com a filha de David, por ela aceitar a violência sofrida e suas consequências. Mas, para que a gente entenda tal atitude, é essencial que deixemos o nosso olhar e nos familiarizemos com o contexto daquele país. "Você quer saber por que eu não fiz uma determinada queixa na polícia. Vou contar por quê, contanto que você prometa não puxar o assunto outra vez. O motivo é que, de minha parte, o que aconteceu comigo é uma questão absolutamente particular. Em outro tempo, outro lugar, poderia ser considerado uma questão pública. Mas, aqui, agora, não é. É coisa minha, só minha" (p. 129).

8. O livro de Coetzee toca diretamente nos sérios problemas sociais vivenciados - ainda - na África do Sul. É uma espécie de denúncia literária. O casamento de Lucy com o seu vizinho negro, Petrus, é uma espécie da tapa na cara de David e do leitor. Desde 1998, a justiça daquele país passou a reconhecer os casamentos poligâmicos realizados de acordo com as tradições africanas, com o único objetivo de proteger o direito das mulheres e crianças em relação à propriedade. Lucy esclarece bem esse contexto na narrativa: "Não acho que você vá entender, David. Petruz não está me oferecendo um casamento da igreja e depois uma lua de mel na Wild Coast. Está me oferecendo uma aliança, um acordo. Eu contribuo com a terra, em troca ele me deixa ficar debaixo da asa dele. Senão, e é isso que ele quer que eu entenda, vou estar sem proteção; é um jogo limpo" (p. 229).

9. O interessante é observarmos, no decorrer da narrativa, a dificuldade de David de entender essa realidade social. Talvez, por ter vivido em outros países e por ter presenciado realidades mais democráticas, ele não vê o que ocorre com ele como sendo um problema social, mas como uma consequência negativa fruto de seu envolvimento com sua aluna, como se ele estivesse "pagando por seus pecados". E no fim, ele simplesmente desiste. Desiste do cachorro que tinha sido seu companheiro por um tempo, desiste de convencer sua filha das suas opiniões, desiste de mudar a realidade de quem convive, desiste de sua ex aluna, desiste de dar aulas... "Ele tem a sensação de que, dentro dele, um órgão vital foi ferido, comprometido, talvez seu coração. Pela primeira vez, tem uma amostra de como será ser velho, cansado até os ossos, sem esperança, sem desejos, indiferente ao futuro. Largado numa cadeira de plástico, em meio ao fedor das penas de galinha e maças podres, ele sente seu interesse pelo mundo escoando de dentro dele, gota a gota. Pode levar semanas, pode levar meses até secar inteiramente, mas está secando. Quando isso terminar, ele será como uma casca de mosca numa teia de aranha, quebradiço ao contato, mais leve que uma casca de arroz, pronto para sair flutuando" (p. 124).

10. Coetzee é direto, claro, objetivo. Não mede esforços, não enfeita situações. Vai direto ao ponto. Sou da opinião de que seria um grande erro interpretarmos "Desonra" com um cunho religioso, moralista, por mais que percebamos que o próprio David interpreta dessa forma. Aliás, o próprio tradutor teve essa preocupação ao traduzir o título. Não, aqui trata essencialmente de uma narrativa que denuncia os problemas sociais de um país. Coetzee foi extremamente feliz com essa obra.

site: http://thalitalindoso.blogspot.com.br/2015/05/resenha-desonra-de-j-m-coetzee.html
C. 01/08/2015minha estante
Muito bom!
Bem esclarecedor alguns pontos após a leitura do livro.


Larissa Oliveira 26/06/2016minha estante
Resenha maravilhosa!




otxjunior 25/12/2021

Desonra, J. M. Coetzee
Que deprimente! Antes desgraça que desonra, e desgraça pouca é bobagem. Feliz Natal pra você também, Coetzee! Talvez o livro mais miserável que já li. Sua avaliação poderia ser qualquer coisa entre duas e cinco estrelas, mas resolvi priorizar minha experiência como leitor, ou minha sanidade mental, principalmente nesta época do ano. Gosto ruim na boca ainda e não estou falando do almoço tradicional e residual da ceia da véspera.
Não sei se pela pouca vontade de lê-lo, e nesse sentido preferia escrever, enchi meu ebook com notas. Ou provavelmente por sua natureza incomodativa e de relações humanas - e animais - bastante complexas. De qualquer forma, é difícil de acreditar que este romance, que não é ruim, em absoluto, mas que não fui capaz de aproveitá-lo e dispenso releituras, tenha pouco mais de 200 páginas. Se era o objetivo do autor destilar desesperança, ele não mediu esforços para alcançar o seu intento.
Desonra é sobretudo um estudo de personagem de uma figura pouco agradável para dizer o mínimo. Em sua resistência à velhice (e consequentemente à mortalidade) como fase de escassez da materialização de seus desejos mais íntimos, o protagonista comete atos reprováveis, para os quais não parece mostrar-se particularmente arrependido. E é perverso do autor conduzir seu leitor pelos pensamentos deste problemático personagem, por suas justificativas não pronunciadas, sua moral distorcida e contraditória. Por outro lado, a autocrítica apreciada é presente. Por vezes disfarçada de autopiedade; outras, dotada de defesa para o que ele considera ser seu único crime: ser um velho patético num país que não os tolera.
A África do Sul pós-apartheid é cenário da história e estabelece de pronto palco para as violências mais extremas. Cada personagem, representando várias facetas da desonra, age em algum momento como animal, no sentido mais impuro da palavra, e a figura do cachorro aqui é recorrente, ao ceder aos seus mais bestiais instintos ou se submeter às piores indignações. Uma presença, em especial, revelou-se muito perturbadora. Não mais desconcertante do que perceber que esta reação se afinava com os preconceitos "ocidentais" do protagonista em oposição aos "selvagens", culminando num momento final de catarse agressiva que estranhamente me fez vibrar.
A escrita dura e também irônica é entrecortada por referências intelectuais em um fluxo de consciência às vezes impenetrável. Algumas falas foram difíceis de acreditar, especialmente as saídas de bocas femininas. A autodestrutiva e insensível filha do protagonista, por exemplo, desenvolve comportamentos inexplicáveis e parece odiar o pai essencialmente por sua impotência e falta de compreensão sobre a cultura em que está inserido. Esta, no alvorecer de um novo século, também não se esforça em entendê-lo, seguindo a lei cruel da natureza; dobrando-o, o que neste triste contexto não é o pior cenário, ainda que muito além da tragédia que achei ter previsto.
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