Daniel.Simoes 16/01/2019
No livro “Carta de uma Orientadora”, a autora Débora Diniz dá dicas para quem está iniciando no desafio de escrever uma monografia, falando um pouco de sua experiência. Ela se descobriu orientadora e percebeu que as inquietações de suas orientandas eram parecidas com as dela quando estudante. Assim começou uma troca de ideias que acarretou nessa carta, onde ela não escreve “sobre como fazer uma pesquisa, mas sobre como se preparar para a fascinante experiência da criação e da autoria acadêmicas”. Ela então realiza com essa carta uma atividade artesanal, mesclando as receitas de “cozinha” sobre métodos de pesquisa com a tarefa de “costura” da orientadora.
Antes do primeiro encontro, ela sugere que a orientanda:
• Leia esta carta
• Responda: que tema deseja estudar?
- Temas de interesse ou desejo
- Seja o mais específica possível
- Faça uma pequena grade com temas de pesquisa que te chamarem a atenção e os respectivos problemas de pesquisa
• Responda: sobre esse tema, por onde não deseja seguir?
• Veja sobre o que a orientadora já escreveu
• Veja o que seus colegas de curso já escreveram sobre o tema
Em seguida, ela fala sobre como deve ser o primeiro encontro de orientação, cujo sentido será os “interesses e desejos de investigação” da orientanda, que já deverá levar um título funcional escolhido, que, apesar de ainda poder ser futuramente modificado, precisa ter clareza e objetividade, não ultrapassando o limite de 15 palavras. A partir do título funcional, o problema de pesquisa deve ser elaborado, a fim de manter uma “estreita conexão e harmonia” entre ambos. Ela ainda chama a atenção para a importância das palavras-chaves, que devem ser ainda mais precisas (os tesouros podem auxiliar essa escolha). Assim, título funcional, problema de pesquisa e palavras-chaves serão o “coração pulsante” do projeto.
Com relação à tão necessária organização do tempo, da qual dependerá a criação, a autora destaca o planejamento e o respeito aos prazos e acordos. A orientanda deve então ajustar sua agenda para conseguir dedicar tempo suficiente para sua monografia, que pode ser dividida em quatro ciclos básicos: pesquisa bibliográfica ou de campo, leitura, escrita e revisão. É sugerido que no início se cronometre o tempo de cada atividade, para que a orientanda conheça melhor seu ritmo.
Já no capítulo sobre a leitura (“atividade mais básica de pesquisa”), a autora começa classificando as leitoras em quatro tipos:
a) Leitora burocrata: aquela que, muito organizada e dedicada, “repete com precisão o que muitas autoras disseram”, mas dificilmente cria;
b) Leitora atriz: aquela que, preguiçosa e fingidora, “sucumbe ao planejamento” e “fracassa na pesquisa acadêmica séria”;
c) Leitora desnorteada: aquela que tem dificuldade de encontrar o rumo e “perde-se em detalhes periféricos de um argumento”;
d) Leitora criativa: aquela que é “capaz de ouvir com honestidade e paciência, (...) cultiva sabedoria sem pressa pelo acúmulo arquivista, (...) não acredita em teses prontas, (...) é cautelosa no que lê, é seletiva em suas autoras, e tem calma para avançar”.
A autora assume sua preferência pela autora criativa e rejeita com todas as forças a atriz, mas se compromete “a ter paciência com surtos burocratas ou desnorteados”. Para ela, “ler é ter prazer na solidão”, é nos mover “rumo ao desconhecido de onde nascerá a criação genuína”. Refletindo sobre hábitos de leitura, ela primeiramente suplica que as leituras não sejam abandonadas, por mais densas e impenetráveis que pareçam à primeira vista (exemplificou com Arendt e Kant), e em seguida abordou a necessidade de que tais hábitos sejam conhecidos, e sugeriu a utilização de um programa de bibliografia para registro de fichamentos e de um mapa visual de autoras para ajudar na organização dos textos e determinação da agenda de leitura.
No capítulo seguinte, a autora escreve sobre a escrita, que “pode ser uma experiência fascinante de descoberta e superação”. Ela fala da importância de se criar uma comunidade de leitoras, para que se faça a revisão dos escritos, a fim de filtrar e densificar os textos, através de críticas e correções. Em seguida ela alerta para o risco de plágio, dizendo que “jovens pesquisadoras não plagiam por desonestidade, mas por inocência, descuido ou pressa”, e recomendando que elas não corram riscos desnecessários (pois “o plágio será uma infração ética”) e evite o apud. Ela acredita que a precisão acadêmica é mais importante que a beleza no texto acadêmico, mas ainda assim reconhece que a motivação é de uma ordem existencial e explana, numa das passagens mais belas do livro: “só assuma como seu o que sair de suas entranhas e se expressar por seus dedos, só anuncie o que conseguirá sustentar por toda a eternidade de sua vida”. Ela encerra o capítulo com algumas dicas gerais:
• “Seja relativista com as culturas e as sociedades, mas também com a história”;
• O parágrafo deve ter “entre nove e dezesseis linhas”;
• “Evite as metáforas pela insuficiência do argumento”;
• “Esqueça os adjetivos e os advérbios totalizantes”;
• Só com o “pleno domínio das regras do jogo é que você estará preparada para violá-las e descobrir-se como uma criadora”, pois “o aprendizado inicial é fundamental para a subversão no futuro”;
• “Só deve ser mencionada nos agradecimentos quem diretamente contribuiu para o seu texto”.
A carta de Débora Diniz termina se anunciando como uma “proposta de rumo” para uma orientanda prestes a escrever sua primeira monografia acadêmica. É um livro útil, no sentido de posicionar e sublinhar as principais etapas do processo de produção de um texto acadêmico, e também ousado, ao apresentar um conteúdo de um guia num formato mais próximo da leitora. As generalizações utilizadas todas no gênero feminino (“orientadoras”, “leitoras”, “autoras” etc.) alcança seus méritos, ao formar um imaginário de um mundo com mais características feministas, notadamente mais progressista e humano.