Michele Duchamp 11/11/2023Nós, que ficamos anos e anos somente com a trilogia clássica de Star Wars, tínhamos expectativa de que algum dia veríamos o prequel. Era uma ideia nebulosa, bem distante, mais fruto de um pensamento utópico do que por acreditarmos que a história seria DE FATO filmada. Até que finalmente o desejo se transformou em boatos que se transformaram em pequenos passos de ação que, por sua vez, se transformaram em George Lucas anunciando oficialmente o início das filmagens.
Em 1999 veio então Episódio I. E com ele, os midichlorians. As pessoas ficaram furiosas. A tentativa de explicação biológica colocava por terra tudo o que era o coração de SW. De uma narrativa transcendente, elevada, filosófico-espiritual, ficamos reduzidos à mera racionalização científica que beirava à eugenia. Ok, estou exagerando um pouco. O que quero dizer é que vi isso na extensão da Saga de Fundação. O Plano Seldon e a psico-história foram a razão da primeira trilogia vir ao mundo. E, nesse livro, vemos Asimov demolir os fundamentos dela, com raiva e amargura. Escolheu um personagem detestável, que, na sua arrogância de estar sempre certo, resolve decidir sozinho o destino de toda uma galáxia. Porque se Hari Seldon fez o seu plano, foi reativo: para evitar uma catástrofe que ia acontecer; além disso, o plano era participativo: exigia as ações dos humanos, de uma grande massa deles, para ser analisada e dar certo; e podia ser monitorado ao longo do milênio. Não é o que vemos com Trevize. E o plot twist no final me fez perceber ainda mais a manipulação simples e cristalina.O fim não foi feliz. Foi involuntariamente aterrorizante, ao contrário do que o autor quis passar.
Caso você tenha dúvidas se Asimov cometeu mesmo os abusos sexuais de que está sendo acusado - e que ele mesmo admitiu ter cometido, por escrito, em um de seus livros - leia Fundação e Terra. Finalmente entendi como uma mente brilhante poderia conviver com a de um abusador. Não estou advogando pelo cancelamento - sou contra cancelar obras literárias (entendeu, Santa Catarina?) - mas, ao mesmo tempo, é bom saber para lermos com senso crítico.
Muitos escritores homens brancos do passado têm uma característica em comum: são péssimos em sair de si mesmos. Tem partes desse livro que parecem originados de uma fantasia sexual masculina, de tão fúteis e caricatas que são. Certas coisas deveriam ser ditas somente se perguntadas, nunca espontaneamente.
Outra: os planetas que eles visitam antes de encontrar a Terra são mesmo o melhor que a mente de Asimov pode produzir? Sem criatividade, parecem ter sido imaginados por um garoto de 12 anos que está dando seus primeiros passos na escrita, não vindos de um dos maiores veteranos da ficção científica do século XX.
Ao longo de toda a obra de Asimov, vimos a defesa correta do pensamento científico. O enredo desse livro descarta todo esse ethos. Trevize nunca é testado, questionado, averiguado. Ele está certo porque sim. Ok.