O Livreiro 22/03/2013
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A terapeuta Victoria Vick é contatada por um homem misterioso que se diz viver em uma condição peculiar e que quer contratar seus serviços, desde que mantenham suas sessões por telefone. Quando ela aceita, não pode imaginar que sua vida mudará para sempre. Y___, como a terapeuta o chama, é inteligente, culto e educado, mas suas histórias levam Victoria a achar que ele está delirando. Ele, porém, afirma que é um cientista, responsável pelo desenvolvimento de uma tecnologia ímpar e supersecreta: um traje capaz de camufla-lo, tornando impossível que qualquer pessoa o veja (ainda que ele fuja da expressão “invisível”). Y___ utiliza o artefato para observar as pessoas no dia a dia, mais especialmente quando elas estão a sós – o único momento em que, segundo ele, o ser humano é legítimo.
Victoria duvida dos fatos, a princípio, e fica obcecada por Y___ e suas historias perturbadoramente bizarras. É por isso que, à medida que a relação entre os dois excede os “limites” – convencionados - da relação terapeuta-paciente e se estreita, Victoria vê sua vida mudar de maneiras que não poderia prever. Com o tempo, Y___ se interpõe à carreira, ao casamento e à própria identidade dela.
O Homem Visível, de Chuck Klosterman, é conduzido sob o ponto de vista de Victoria, intercalado com notas, correspondências e transcrições de áudio de diálogos entre a terapeuta e Y___. Essa configuração da narrativa — inusitada, à primeira vista, mas explorada perfeitamente — permite que tenhamos uma visão aberta sobre Y___, e o quanto ele transformou a vida da terapeuta.
Apesar de ser a narradora, deve-se ressaltar que Victoria é levemente negligenciada no romance. O foco, obviamente, é Y___ e suas peculiaridades, o que não dá muito espaço para que ela seja desenvolvida a fundo — o que não atrapalha o andamento do livro. O comportamento da terapeuta, que pode até soar um pouco inapropriado, é devidamente justificado pela situação inusitada que ela vive.
Os relatos de Y___ são, ao mesmo tempo, repulsivos e absurdamente interessantes. Os monólogos assustadores e fascinantes dele exibem o desejo — doentio? — do personagem em tentar definir a consciência humana, bem como capturar a realidade e a essência das pessoas (somos quem mostramos ou quem tentamos mostrar ser?). Os pensamentos rápidos e intrincados de Y___ nos impulsionam pela leitura de maneira única — buscar sentidos e críticas implícitas em suas falas são ações inevitáveis para qualquer leitor inquieto. Sem dúvidas, contudo, o mais estranho é a relação que criamos com Y___ a despeito de toda sua excentricidade; admiramos suas ideias ao mesmo tempo em que sabemos que devemos repudiá-las.
É por isso que o Facebook deu certo entre os adultos. O site foi planejado para pessoas que querem divulgar suas crianças sem o consentimento dos outros”.
De maneira inteligente, Klosterman nos leva a pensar sobre nossa individualidade e a influência da sociedade na formação do caráter, e, por consequência, em quem somos de fato. Comenta sobre a mídia, voyeurismo, as redes sociais e a manipulação — a falsa sensação de realidade — que essas podem nos conferir, às vezes. O livro é, portanto, um ensaio cativante e imperdível sobre o homem, sua natureza e sua relação com a privacidade.
É por isso que filmes têm muito menos valor do que pensamos… os filmes não podem mostrar a realidade porque representações honestas da realidade ofendem as pessoas inteligentes”
Uma leitura indispensável e que o manterá acordado por horas a fio tentando juntas as peças discordantes da mente complexa, tensa, perturbada e rica de Y___, O Homem Visível é um thriller ousado e sagaz, que, mesmo após findado, não será esquecido tão cedo.