Michele Duchamp 29/01/2021"Francamente, minha cara, eu não dou a mínima " - Oceano "Clark Gable " de Solaris Resumindo o oceano de Solaris através de Clark Gable: “Frankly, my dear, I don’t give a damn”.
Primeiro, falarei sobre a edição física: a minha é a edição da Aleph, a primeira versão, capa dura e tons de branco e amarelo, gramatura das páginas mais grossinha, portanto difícil de amassar, bordas amareladas deixando o livro muito lindo quando fechado e uma pequena nota biográfica sobre o autor no final - no conjunto, um projeto gráfico belíssimo e muito caprichado! A tradução é direta do polonês e me pareceu muito bem-feita, embora eu não tenha conhecimento para julgar, avalio por não ter frases “truncadas” ou estranhas, sem naturalidade.
Ficção científica com uma pitada de Richard Matheson. Eu achei muito impressionante o fato de ser uma obra literária em toda a plenitude da palavra. Muito diferente da literatura americana. Compreensivelmente, por eles serem o berço de Hollywood, o estilo cinematográfico está entranhado na cultura e imaginação coletiva dos Estados Unidos; os autores americanos usam o mesmo jeito da mídia visual para narrar uma história, descrever as cenas, construir os personagens, imaginar reviravoltas e todo o esqueleto de um livro (essa característica tem prós e contras). Esse “problema” os poloneses não têm.
Eu não sou do tipo que acha que só quem é intelectual apreciaria essa história, mas não indicaria para ser o seu primeiro livro de ficção científica - é uma novela muito especulativa para ser o seu contato inicial. Tem algumas partes onde o Lem envereda no subgênero ficção científica hard, o que pode ser um pouco entediante para muitos - eu inclusive - mas as explicações ajudam a compor o pano de fundo de Solaris. Se você é o tipo de pessoa que acha que parar e ficar pensando por horas é uma atividade divertida, eu recomendo o livro. Mas se você acha imprescindível ler e sentir calafrios na espinha, ser surpreendido constantemente por plots twists e thrillers incansáveis, talvez ache um desafio concluir a leitura.
O plot está na sinopse - o psicólogo Kris Kelvin chega em Solaris para estudar o oceano vivo que, à primeira vista, não se comunica com seres humanos, apesar de possivelmente inteligente. Chegando lá, encontra uma realidade perturbadora.
São poucos os personagens - mesmo contando as “criaturas E” - e amei a escolha dos nomes. Eu preferia ter passado o livro na companhia de Snaut ou Sartorius - Kelvin é ingênuo demais, nem parece um psicólogo - mas entendi a escolha do protagonista. Acredito que a intenção do autor foi para aproximá-lo da personalidade do leitor, que, como o Kelvin, chegou agora nesse ambiente isolado e solitário.
“Nós somos banais, somos o capim do universo e nos orgulhamos desse nosso ordinarismo que é tão generalizado, e pensamos que tudo se pode acomodar nele. Esse era o esquema com o qual partíamos com coragem e alegria para a imensidão: os outros mundos! E então, o que são eles, esses outros mundos? Ou iremos dominá-los ou seremos dominados por eles, nada mais existe nesses cérebros nefastos, ah, não vale a pena. Não vale."
O final é um pouco aberto e não tem respostas para todos os segredos do livro - algo que só percebi depois - mas isso não me incomoda nem um pouco. Acredito que vai ser difícil superar essa leitura de 2021, um dos melhores livros de sci-fi que eu li. Vou procurar outras obras do mesmo autor, sem dúvida.