Che 30/06/2017
NOSTALGIA CÓSMICA
Sempre tive uma simpatia considerável, embora jamais exacerbada ou particularmente marcante, pela figura do kriptoniano, possivelmente o herói mais famoso da nona arte. De modo que, por exemplo, tive uma certa dificuldade em torcer contra ele em "O Cavaleiro das Trevas", de Frank Miller. Sua melhor HQ até hoje, a genial "Entre a Foice e o Martelo", que li há uma década, está até hoje entre minhas favoritas e selou, talvez de modo irreversível, essa simpatia pelo Super, mesmo na versão fora do 'elseworld' soviético.
É verdade que em tempos cínicos e neoliberais como o nosso, a persona do admirável e moralmente correto extraterrestre super-poderoso, que nunca perde a humildade, parece ultrapassada e batida, em preferência de gente mais sombria, como o Batman. Mas essa homenagem singela da série "Grandes Astros", relativamente recente (sua última edição ainda não tem nem dez anos), vem provar que o kriptoniano ainda tem muita farinha no saco.
A série ficou sob a tutela de dois artistas escoceses, o roteirista Grant Morrison e o desenhista Frank Quitely, que já sei que tem uma parceria longa e celebrada, embora essa aqui tenha sido minha primeiríssima experiência com ambos. Morrison é um fã declarado da Era de Prata e traz alguns traços ingênuos e despretensiosos para algumas de suas doze edições, em especial as iniciais.
Felizmente, salvo poucas exceções (como a passagem com o SuperCão e a 'Tropa Superman'), o autor conseguiu a proeza de resgatar esses ingredientes sem soar pueril demais, mas sim leve, divertido e, quando menos se espera, até emocionante, pelo menos pra quem conhece minimamente a 'mitologia' do Super (eu conheço só medianamente, mas ainda assim, pelo pouco que sei, consegui 'pescar' algumas referências).
Há momentos sublimes. O vôo do Super pelo espaço com a eterna paixonite Lois Lane, por volta da segunda edição, me lembrou o momento emocionalmente equivalente do longa-metragem de 1978, com o falecido Christopher Reeve. Morrison sentencia desde o começo que o Super está com os dias contados e vai morrer até o final da série, depois de cumprir uma série de tarefas antes do momento derradeiro - tarefas essas que, é claro, vão servir par ao autor passear pela galeria de personagens coadjuvantes do kriptoniano, prestando um tributo a todos, sem perder a chance de criar sua própria narrativa. E há momentos de diversão pura e descontraída, em especial nas duas edições, lá pelo meio, dedicadas ao insólito Planeta Bizarro.
A arte visual, feita por Quitely, ficou muito bonita, embora saiba também ser singela, delicada e intimista nos momentos em que o roteiro pede isso. Há algumas sacadas bem interessantes, como as diferenças marcadas nos traços entre as personas de Kal-El e Clark Kent, a ponto que realmente parecem pessoas diferentes, algo que eu nunca tinha visto nas HQs do Super que li até agora. E ele conseguiu fazer isso sem soar inverossímil, mas simplesmente nos fazendo acreditar que as mudanças 'teatrais' do herói, quando 'interpretava' o alter-ego fragilizado Clark Kent, de fato o faziam parecer até fisicamente diferente.
Uma bonita homenagem ao Super, que conseguiu ser nostálgica sem perder a beleza da altivez cósmica de um personagem humilde, bem intencionado, mas tragicamente solitário por ser único no mundo, o que fica evidente quando aparece o 'Zibarro', um dos personagens que, por traz da maluquice de seu conceito, vem falar justamente dessa característica. Um roteiro que vai agradar tanto os fãs experientes (principalmente eles) do personagem, mas também é um ótimo começo pra quem simplesmente quer conhecer o personagem e todo o universo que o cerca.