Arsenio Meira 30/09/2015
ORIDES
Orides: motor do simples amor. Sua poesia falou-me de coisas que permanecem serenas e tranqüilas, não como idéia de armazenamento, porque não existe nem perdão nesse jogo, uma vez que não tem desculpa até mesmo porque não há culpa de nada. Disse-me como em carta, em retalho de “gatha”, seu pseudônimo budista: "o vento, a chuva, o Sol, o frio tudo vai e vem, tudo vem e vai. Tenho a ilusão de estar sonhando. Tenho o manto de Buda, que é nenhum."
Tudo que é adorável provoca encanto e espanto. Sempre atenta, serena e tranqüila para receber água, caminho, amor, luz fria e lágrimas. Tomar, com água de chuva, um banho para lavar todos os vestígios de ontem. Como em carta, os poemas de Orides são um convite para a “ceia” e a “partilha”, em sinfonia silenciosa e fraturada.
O homem contemporâneo, ao mesmo tempo que se fecha, menos se conhece, pois a alienação de seu modo de viver, tira dele a reflexão, o simples. Então, Orides alerta em silêncio para o trabalho de si, ela não apela, ela desperta abre oportunidades a partir da dor, da vida. Cada palavra ecoa por sua poesia, ela não cabe em si: transborda sentido e significado. A vida é assim compassada na tensão. A imagem dessa tensão em Orides é o próprio sangue, a cor que permite pensar o olhar, o próprio acontecer humano, como estender uma placa de aviso etérea dentro do espelho: "É importante vigiar/ o desabrochar do destino. - (p. 196)"
O estranhamento é sempre, e é constante sua volta. Ressoa por dentro em busca de uma resposta que está sempre por se fazer. Na espera voluntária do outro, não há busca. Vive a certeza de um acolhimento que está por se fazer à distância.
É trabalhando nesse limiar, nessa impossibilidade de viver, que de alguma forma as pessoas vivem. Orides viveu agitando um gênio irascível, e em extrema pobreza - por opção própria - quase sempre sob a assistência psiquiátrica, que ocorria tanto em manicômios como em asilos e hospitais psiquiátricos. Na busca da compreensão do equilíbrio entre loucura e razão, a saída possível seria desenvolver um pensamento sustentado pela mudança, na arte. A poesia de Orides Fontela parte deste pressuposto: o tempo sem medida diz da própria definição de tempo. É importante instaurar, se possível, um não tempo que, através do movimento brincante, desconstrói algo para aboli-lo, assim como é necessário mudar a mentalidade, “desamar os frutos” e “desviver o tempo”. Eis uma poeta que marca a alma da gente, a ferro e fogo. Em silêncio e de modo peremptório.
Orides Fontela morreu num sanatório em Campos de Jordão em 2 de novembro de 1998.