Carla 09/03/2013
STIEG LARSSON - A verdadeira história do criador da trilogia Millennium, Jan-Erik Pettersson
Olá amigos do Concentrófoba, meus dias longe foram causados por 5 provas. Mas estou de volta com uma biografia que amei. Trata-se do relato sobre o autor da Trilogia Millennium, que para quem não sabe - virou filme. Eu como não vi nem o filme, nem li os livros, começo pelo final, li sobre o autor Stieg Larsson, falecido alguns meses antes do lançamento do 1º livro.
Stieg Larsson era certamente o meu tipo de pessoa, ele gostava de aventura, conhecer novos lugares, fazer novos amigos, mas mais importante que tudo isso ele era ‘um garoto que queria mudar o mundo’, sua causa eram direitos iguais e o antirracismo. Criado pelos avós no interior da Suécia, Stieg recebeu muito da influencia do avô.
“A política era parte integrante da vida doméstica deles, algo que Stieg estava acostumado desde a mais tenra infância por causa do avô materno. Severin Boström, um comunista fiel” [p. 13]
O livro de Jan-Erik Pettersson traz várias curiosidades e informações da Suécia, que vão muito além da vida de Larsson, tanto literárias quanto históricas e um fato que achei interessante é que o norte sueco foi de onde surgiu a maioria dos escritores do pais. Só a cidade industrial de Skellftea apresentou ao mundo 3 dos maiores nomes da literatura do país, são eles Sara Lidman, Torgny Lindgren e P.O. Enquist, mas o mais bem sucedido comercialmente foi realmente Stieg Larsson.
Stieg era um jovem interessante. Ele se uniu a um grupo adolescente que protestavam contra a guerra do Vietnã, também foi membro de um grupo chamado Trotskismo que apesar de ser de esquerda atuava de forma socialista e liberal, além de mais aberto à cultura. Larsson também se alistou ao exército por vontade própria.
Larsson mudou a grafia de seu nome em 1973, de Stig para Stieg. Porque havia ele e mais 1 na mesma cidade e com as mesma aspirações politica, e isso estava causando confusão.
Há acontecimentos da história não muito divulgados que comprovam que grupos unidos podem sim mudar alguma coisa. Larsson se interessava pelo fenômeno que foi o governo nazista, e tudo relacionado ao assunto, algo que a mim também muito interessa. Comportamentos humanos sobre os quais não encontro explicação são no mínimo intrigantes.
A “marcha organizada pelo bairro judeu do East End em 1936 [...] levou ao acontecimento talvez mais lendário da história do antifascismo britânico: a Batalha de Cable Street. O Guardian, num artigo de 2006 sobre o acontecimento cita uma testemunha ocular:
'Havia uma multidão na passeata. Gente moça, gente velha, todos gritando ‘No pasarán!’ De repente, ergueram uma barricada ali e puseram um caminhão velho no meio da rua, junto com um colchão velho. As pessoas do alto dos apartamentos, na maioria mulheres católicas irlandesas, jogavam lixo na polícia. Emocionei-me até as lágrimas ao ver judeus barbudos e estivadores irlandeses católicos lado a lado para não deixar Mosley passar. Nunca vou esquecer, até o fim da vida, como gente da classe operária conseguiu se juntar se opor à maldade do racismo.’” [p. 98]
Stieg era considerado muito cuidadoso, mas ele tinha motivos, sua busca por publicar e informar todos os detalhes e quem eram os responsáveis pelos crimes de ódio em seu país o colocou na mira dos skinheads e seus simpatizantes.
“A revista Storm, skinhead e nazista publicou uma lista de nomes, endereços e telefones de cerca de quinze suecos conhecidos ... essas pessoas ‘deveriam ser encostadas na parede’. Stieg Larsson estava entre eles ... o editor foi processado e condenado por incitação ao ódio, a primeira vez na Suécia em que alguém foi condenado por uma ameaça formulada por escrito.” [p. 121]
E uma de minhas passagens favoritas desta biografia esta o texto de Jon Voss, que escreveu para a edição inaugural da Expo, esta era a revista que Larsson idealizou para promover e informar sobre os assuntos que a mídia não estava cobrindo, ou dando pouca importância aos crimes racistas e homofóbicos.
“O editor-chefe da revista QX, Jon Voss, escreveu no número inaugural da Expo:
O horror aos gays não é tanto o medo de gays, mas o medo de ter desejos sexuais por uma pessoa do mesmo sexo.
É uma das semelhanças com a xenofobia e o racismo. Não é desprezo pela ‘fraqueza’ dos outros, mas um medo paranoico e assustador de que a cultura, a aparência, as convicções politicas, a religião ou a sexualidade dos outros sejam mais fortes.
Desprezo pelos fracos é antes de tudo desprezo pela própria fraqueza.” [p. 187]
A Expo foi parte da inspiração de Stieg para a trilogia, nos livros - Millennium é a revista representada, a qual ele dedicou tanto do seu tempo e carreira. A Expo na verdade nunca foi o grande sucesso econômico que ele gostaria, o retorno financeiro era muito pequeno, mas Larsson nunca desistiu ou cogitou abandona-la. Ele acreditava nos romances que estava escrevendo poderiam deixa-lo rico e desta forma ele agitaria o mercado editorial com sua revista de denuncias.
“Stieg sentava-se para escrever ... Era fato consumado para todos que ele era o eixo do processo editorial, a personificação da história não só da Expo mas também do moderno antirracismo sueco. Tornara-se a autoridade consagrada, que conhecidos políticos consultavam e que dava palestras sobre extremistas violentos de direita para a policia e até para a Scotland Yard britânica.” [p. 200]
O autor diz que Stieg gostava de palestrar sobre o que havia aprendido sobre o movimento nazista e tudo o que o engloba, gostava de falar com os amigos sobre os livros que estava escrevendo, mas tinha algo que Stieg não era fã, dar entrevistas. E na época que começou a ter retorno positivo quanto aos esboços da trilogia Millennium, iniciava também um tipo de fenômeno em que autores passavam ao status de celebridades, que para vender precisavam aparecer no máximo de eventos possíveis e ir a TV para promover o impresso. A Suécia é um dos países que se beneficia com o sucesso de seus autores, pois isso tem movimentado o turismo no país.
Como Stieg agiu com os editores de seus livros:
“Um Stieg Larsson encantado lhes disse que o terceiro volume estava quase pronto e que ele via os livros como uma trilogia sobre a vida de Lisbeth Salander. E haveria mais pela frente. Ele planejava uma série de dez. O que queria dizer era: ‘Se vocês podem comercializá-los profissionalmente, eu posso escreve-los’”. [p. 247]
Uma das influências de Larsson para sua personagem ‘Salander’ foi à personagem de livros infantis, conhecida como Píppi Meialonga, da autora Astrid Lindgren.
Píppi é uma menina que irritou os críticos em sua época, suas histórias surgiram durante a 2ª guerra mundial, e mostravam uma criança inteligente e livre para pensar, curioso como em outros casos do mundo literário foram as criticas negativas que aumentaram as projeções da autora e possivelmente a transformaram mais rápido em um ícone da literatura. Na passagem a seguir mostra que até bem pouco tempo uma menina agir por conta própria ainda irritava profundamente alguns ‘intelectuais’.
“John Landquist, declarou que a maneira que a menina de Píppi comer bolo jogando açúcar no chão ‘-lembrava a imaginação de um deficiente mental, ou alguém com uma obsessão patológica-’ [...] ‘– Essa menina esquisita e suas aventuras de mau gosto no livro de Lindgren permanecerão na memória, se lembradas, como uma experiência muito desagradável, como um desconforto menor no fundo da mente-‘ [...] Talvez a posteridade devesse agradecer a John Landquist. A influencia subversiva da personagem Píppi certamente nunca teria um impacto tão grande não fosse por ele. Porque depois de sua intervenção, uma enxurrada de críticas inundou as páginas de cartas dos jornais e a imprensa especializada em educação ... isso continuou até 1995, quando Carin Stenström, colunista e democrata-cristão, escreveu no Svenska Dagbladet que ‘a adulação a Píppi virou tudo de cabeça para baixo, a escola, a vida familiar os padrões de comportamento [...] Glorifica o egoísmo, a presunção, a falta de consideração pelos outros e o escapismo.’
Astrid Lindgren não se apressou em responder a todas as críticas. Mas sabia que Píppi havia incentivado muitas crianças reprimidas – sobretudo meninas. Em um artigo no Aftonbradet alguns dias depois, em março de 1995, ela escreveu: ‘[A reação] é compreensível, uma vez que tem havido meninos, meninos, meninos durante todo o tempo – e então vem uma menina. É razoável que, se as meninas vão começar a pensar, talvez eu também possa’.” [p. 264 e 265]
A influência de Píppi nos livros de Larsson parecem ser claras para o biografo que era amigo pessoal de Stieg, e entre os fatos que me fizeram tanto amar ler a biografia quanto criar a vontade de ler a trilogia é que Larsson usou seus anos de pesquisa jornalística para criar uma personagem feminina forte, uma mulher que passou por coisas horríveis e ainda assim é melhor do que tudo o que acontece a sua volta. Adorei saber que ele brigou para manter o nome do 1º livro "Os homens que não amavam as mulheres". Porque para ele remetia aos muitos arquivos policiais que ele leu ao longo de sua carreira mostrando não apenas os crimes de ódio mas uma sociedade machista que se prevalece da força física, e que através da violência segue mostrando até hoje não apenas falhas de caráter absurdas, mas uma fraqueza genuína encruada em valores mais que ultrapassados.
E você que esta terminando de ler esta resenha pode pensar que eu contei muito do livro e da vida desta pessoa incrível, mas não, são quase 300 páginas de muitas informações, sobre tão mais que a vida de um homem, mas um movimento inteiro, ali está a visão politica de um pais longínquo e parte de quem faz parte da sua literatura.
Título: STIEG LARSSON – A verdadeira história do criador da trilogia Millennium
Original: STIEG
Autor: Jan-Erik Pettersson
Tradutor: Maria Luiza Newlands
296 páginas
Companhia das Letras
Texto: Carla Charão
encontra-o também no: http://www.concentrofoba.com.br/2013/01/stieg-larsson-verdadeira-historia-do.html