spoiler visualizarIngrid_mayara 02/01/2018
Impressões de leitura
Eu dividi este texto em três partes para facilitar a leitura. Demorei mais para escrevê-lo que de fato lendo o livro (risos).
1- Enredo:
Nesse livro, não há "era uma vez e viveram felizes para sempre". É um livro de mistérios; ao invés de respostas, encontraremos perguntas. Já no prefácio Clarice declara: "Como a história foi escrita para exclusivo uso doméstico, deixei todas as entrelinhas para as explicações orais.", ou seja, deve-se refletir durante e após a leitura.
O livro conta a história de um coelho branco chamado Joãozinho. Seu nariz cor-de-rosa chegava a ficar vermelho de tanto franzi-lo toda vez que estava pensando. Um dia cheirou uma ideia maravilhosa, uma ideia tão boa quanto uma cenoura fresca: fugir da gaiola e ir passear.
A narradora incentiva a criança ouvinte/leitora a pensar numa solução: como ele fugia, se o tampo da gaiola era pesado e ele era gordo demais para as grades?
As pessoas notaram que o coelho fugia sempre que não havia o que comer, então nunca mais lhe faltou comida. Mas ele continuou a dar umas escapadinhas para apreciar o mundo exterior e quem sabe visitar sua namorada que vivia tendo filhotes.
"Era tão feliz que às vezes seu nariz se mexia tão depressa como se ele estivesse cheirando o mundo inteiro."
Aqui, percebe-se que a narradora continua chamando a atenção da criança para refletir sobre as fugas do coelho: "Você acha, Paulo, que os donos de Joãozinho zangavam com ele? Zangavam, sim. Mas zangavam como pai e mãe zangam com os filhos: zangam sem parar de gostar."
2- Algumas referências:
Clarice explica sobre o processo de escrita: "Quando eu estava escrevendo A maçã no escuro em Washington, meu filho Paulo me pediu, em inglês – eu falava português com ele, mas ele falava comigo em inglês – que escrevesse uma história para ele, e eu respondi: ‘Depois’. Mas ele disse: ‘Não, agora’. Então, tirei o papel da máquina e escrevi O mistério do coelho pensante, que é uma história real, uma coisa que ele conhecia. Eu escrevi em inglês para que a empregada pudesse ler para ele, porque nessa época ele ainda não era alfabetizado." (Fonte: MANZO, Lícia. Era uma vez: EU, a não-ficção na obra de Clarice Lispector. Curitiba: Secretaria de Estado de Cultura, 2001.)
Escrito por volta de 1958, O Mistério do Coelho Pensante permaneceria na gaveta até 1967, quando seria procurada por um editor que desejava saber se a autora tinha alguma história infantil escrita, então ela mesma fez a tradução para a língua portuguesa.
Na crônica "Uma experiência ao vivo", presente no livro A Descoberta do Mundo, Clarice fala que reuniu crianças de cinco a doze anos para ouvirem um amigo ler O Mistério do Coelho Pensante. Ela diz que essa história as tocou de modo diverso e a leitura era frequentemente interrompida por sugestões e perguntas. "Para mim valeu por uma noite de autógrafos mais real que as reais: a comunicação se fez, sentimo-nos unidos pelo coelho pensante, pelo calor mútuo, pela liberdade sem medo. (...) As noite de autógrafos deviam ser assim."
Em entrevista ao programa Panorama da TV Cultura em janeiro de 1977 (que foi reproduzida em 1992 pela Revista Shalom), ao falar sobre sua produção infantil, Clarice declara: “Quando eu me comunico com criança é fácil porque sou muito maternal. Quando me comunico com adulto, na verdade estou me comunicando com o mais secreto de mim mesma, daí é difícil... O adulto é triste e solitário. A criança tem a fantasia solta.” (o vídeo dessa entrevista está disponível no Youtube).
3- Minha breve opinião:
Exceto na escola, eu costumava ler sozinha e por isso provavelmente eu não teria gostado d'O Mistério do Coelho Pensante se o tivesse lido na infância.
Hoje, aos vinte e poucos anos, posso dizer que sinto muito carinho por esse livro, que foi o primeiro do gênero que li da mesma autora. Clarice sempre me porporciona maravilhosas experiências de (re) leitura e a descoberta de mim mesma.
Recomendo que seja lido por criança "primeiramente" sob a mediação de uma pessoa adulta que possa direcioná-la aos questionamentos propostos no livro. Ao ser presenteada, certamente essa criança fará excelentes releituras (e os adultos também). Ah, as ilustrações dele são uma fofura!
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