elske 29/12/2022
Resenha de 26/01/2020
"Barba Ensopada de Sangue", romance do autor brasileiro contemporâneo Daniel Galera, acompanha a trajetória de um protagonista inominado que, após o suicídio do pai, se muda de Porto Alegre para Garopaba, uma pequena cidade do litoral de Santa Catarina. O destino final do personagem já é conhecido graças a um pequeno capítulo narrado por seu sobrinho, logo no início do livro; porém, o caminho que o leva até esse destino é desconhecido para o leitor, o que estimula a leitura. Ademais, o ponto central da obra, que instiga a jornada do personagem, também promove curiosidade: o mistério do avô, que teria sido assassinado em Garopaba nos anos sessenta.
O livro tem uma trama intrigante, e o mistério aos poucos vai sendo resolvido. Porém, a meu ver, a descrição dos cenários e das personagens é por vezes enfadonha (talvez alinhada à incapacidade do protagonista de reconhecer os rostos das pessoas). Além disso, e quiçá pelo mesmo motivo, as personagens, exceto a principal, não são muito elaboradas. Mesmo assim, merece destaque a fluidez dos diálogos, que apresentam naturalidade, auxiliam na construção da narrativa e, da maneira como foram escritos por Galera, dispensam as repetições de verbos como "disse, falou, retrucou, perguntou, respondeu", entre outros que atravancam algumas histórias.
Determinados pontos do livro me chamaram atenção especial, como: a reflexão sobre as baleias, associando o mar a um "útero invertido" e propondo que elas encalham porque sentem uma nostalgia ancestral da vida terrestre; a ideia de que estaríamos vivendo num momento histórico de transição entre a era do "mito" e a era do "ídolo", da verdade para a ilusão; e também o embate interminável e sempre presente entre os conceitos de livre-arbítrio e determinismo — o personagem principal muitas vezes tem premeditações sobre o seu futuro e discute com amigos: "[...]Se acontecer assim vai ser impossível saber se aconteceu porque eu disse ou se eu disse porque ia acontecer[...]". O próprio capítulo inicial escrito pelo sobrinho, que descreve a morte do protagonista, é determinista por si só, e o capítulo final continua a discussão.
Também deve ser comentado o fato de que o romance se passa num momento em que os smartphones e toda a tecnologia onipresente nas relações sociais ainda não estão adiantados como nos dias de hoje. Aparecem no livro Orkut, salas de bate-papo na internet, torpedos, e-mails, nomes que são quase de outra época, mesmo no ano de 2012, quando o livro foi publicado. E, além disso, o protagonista não é usuário recorrente das novas tecnologias, tendo que ir a lan-houses e comprar cartões da operadora no mercadinho para acessar o Facebook e atender ligações.
Com tudo isso, concluo que gostei do livro, mas recomendo-o especialmente para as pessoas familiares ao litoral de Santa Catarina. Acredito que, para elas, a leitura será mais prazerosa, por conhecerem melhor as praias, cidades e caminhos descritos pelo autor, e poderão se identificar mais com a obra. Por esse motivo, eu gosto de acreditar que, não fosse o tamanho do livro, ele poderia ser uma das leituras obrigatórias da UFSC ou de alguma outra faculdade catarinense, se ainda não o é.