erika 18/02/2011
Um panorama noturno de Tóquio*
Com Crônica da Estação das Chuvas, Nagai Kafu (1879-1959) conseguiu uma mescla muito interessante. A começar do título, que remete previamente o leitor a uma poética que, no livro, em termos literários, só encontra vestígios nas detalhadas e bem elaboradas descrições da narrativa. De pessoas, de ambientes e de momentos. Isso tudo com uma linguagem que consegue unir cores e sonhos a um vocabulário seco e cortante, oferecendo um retrato da capital japonesa do início do século XX, inclusive com referências familiares aos admiradores da cultura do Japão, como por exemplo, a citação ao Asahi Shimbun, tradicional jornal do arquipélago que existe até os dias de hoje.
Trama
De início, o leitor é instigado pelos estranhos acontecimentos que tomam conta da rotina diária de Kimie, uma ex-prostituta e garçonete que sonhava, na verdade em ser gueixa. A protagonista tem uma personalidade, no mínimo, interessante. Charmosa e sedutora, ao contrário de todas as outras mulheres de sua idade, ela não tem apego a seus pertences, pouco investe em roupas e menos ainda se preocupa em renovar a mobília de seu quarto alugado. Mesmo assim, Kimie é o centro de uma trama obscura, que envolve dinheiro, amor e reputações importantes no cenário social da metrópole japonesa da época.
Se, por um lado, um leitor menos atento pode se confundir com a quantidade de personagens femininas – todas com nomes tipicamente japoneses – dividindo a ocupação de gueixa ou de garçonete, por outro, vale ressaltar que o minucioso trabalho de tradução – com a inserção de notas de rodapé que explicam àqueles menos familiarizados com os termos da cultura japonesa o significado de várias palavras originais do idioma – é um recurso valioso para compreender melhor o enredo.
A obra de Nagai é marcada por uma narrativa de ritmo diferenciado, que parte do oportunismo humano para revelar, pela ótica dos costumes sociais de uma época, uma sucessão de acontecimentos, pontuados, inclusive, pela intensidade do sol e pelo céu chuvoso do verão, a trajetória de personagens que são a síntese de um período histórico japonês – bem ao estilo literário da crônica.
*Resenha publicada na revista Zashi em setembro de 2008.