Paulo Silas 16/08/2014Mais um belo livro de Dawkins.
Este é uma reunião de ensaios, artigos e escritos do autor, versando sobre variados assuntos, explanando sobre a ciência, religião e opiniões sobre livros e pessoas.
Dividido em sete partes, de acordo com determinados assuntos que se assemelham, cada uma destas seções apresenta capítulos específicos, cada qual que se refere à um dos escritos que foram selecionados para compor a obra.
Em "Ciência e Sensibilidade", o autor discorre nos oito capítulos sobre questões como ciência e ética, quando evidencia a separação que se faz necessária na abordagem de assuntos polêmicos como clonagem, aborto e pesquisas com células-tronco. A análise de perspectivas sobre tais assuntos (ou quaisquer outros atrelado ao avanço da ciência), na visão do autor, merece ser observada com uma clara distinção de visões: a ciência em si não deve se preocupar com questões éticas, cujos eventuais limites morais sobre determinadas questões cumpre ao campo da filosofia.
Ainda neste tópico, crítica interessante feita pelo autor se dá quanto aos jargões desnecessariamente (pseudo)técnicos utilizados "pensadores" que visam impressionar com uma escrita de difícil compreensão. Dizem muito, numa linguagem incompreensível muitas vezes até mesmo para o próprio responsável pela exposição, quando na realidade não se diz nada, logo, verdadeiros embustes disfarçados de intelectualismo. Aqui, por exemplo, Dawkins lança um interessante desafio (e sugestão para confrontos): que definam de modo concreto o que seria o tal do "pós-modernismo", já que a única ressalva que Dawkins aceita para a utilização de tal termo seria no campo da arquitetura.
Ainda nesta seção, Dawkins discorre sobre a verdade, cujo debate filosófico sobre esta em si não deveria abranger situações entendidas como óbvias, como por exemplo, o fato de a terra girar em torno do sol. Mais uma vez, tem-se a visão do autor pugnando pela distinção e separação de visões analíticas de ciência e filosofia.
Em "A Luz Será Lançada", os cinco ensaios que o compõe apresentam questões mais específicas sobre a biologia, evolução e os genes.
Há dentre os capítulos uma introdução do autor constante em uma edição de "A Origem do Homem" de Darwin. Em seguida, no ensaio intitulado "Darwin Triunfante", Dawkins expõe o Darwinismo como verdade universal, ressaltando a importância das descobertas da ciência como atemporais e privilegiadas, merecendo e possuindo maior destaque em detrimento de outros campos (Dawkins utiliza como exemplo Darwin e Einstein em contraposição, dentro da proposição exposta, a Freud e Marx).
Ainda nesta seção, o autor combate o chamado "determinismo genético"
num capítulo específico sobre o assunto, repudiando a ideia de que um gene "predisposto" a algo influenciaria ou determinaria este algo. A título de exemplo central, Dawkins discorre sobre a descoberta do chamado "gene gay", refutando a ideia por trás de tal descoberta, deixando claro que "os genes não têm o monopólio do determinismo".
Em "A Mente Infectada" há o Dawkins como é conhecido por muitos: combatente contra toda e qualquer tipo de religião. Para os que conhecem o autor, desnecessário tecer comentários sobre o que escreve e pensa Dawkins sobre assunto, vez ser notória a sua firme e fundamentada posição crítica sobre o assunto: ciência e religião não combinam, devendo aquela prevalecer (razão) em detrimento desta.
Em dois capítulos desta seção, a ideia proposta por Dawkins em "O Gene Egoísta", a saber, os memes, são discorridos com maior profundidade, admitindo ainda o autor que quando expôs tal ideia em seu primeiro livro publicado, não imaginou que a teoria tomaria as proporções que tomou desde então.
"Disseram-me, Heráclito" é composto basicamente por tributos prestados pelo autor à figuras notórias que se foram (Douglas Adams e W. D. Hamilton).
"Mesmo os Exércitos da Toscana" e "Toda a África e Seus Prodígios Estão Dentro de Nós" se tratam de resenhas e prefácios feitas pelo autor à obras de biologia e romances, bastante críticas quando se faziam dos livros de Stephen Jay Gould, ferrenho opositor acadêmico seu, em que pese o tratamento cordial e respeito mútuo.
Traz ainda um relato de memórias de Dawkins da África, local em que passou a sua infância.
Finalmente, em "Oração Para Minha Filha", Dawkins escreve uma carta tocante e íntima, direcionada para sua filha (como o título sugere) quando esta com 10 anos de idade (em que pese a mesma tenha sido feita e publicada no aniversário de 18 anos da menina). Com o título de "Boas e Más Razões Para Acreditar", Dawkins, numa linguagem clara para uma criança, orienta sua filha a tomar uma atitude e posição crítica para tudo o que lhe for ensinado, já que na idade em questão as crianças são muito influenciáveis e tendem a acreditar em tudo o que os adultos lhes passam. Assim, sugere que sempre se acautele com ensinamentos não comprováveis racionalmente ou empiricamente (não verificáveis), tomando cuidado para com as lições que se baseiam em "tradição", "autoridade" ou "revelação".
Enfim, é um belo livro de coletâneas de ensaios. Os tomos com as resenhas mais específicas talvez soem um pouco enfadonhas para os leitores que não sejam da área (o meu caso), mas a obra como um todo é muito boa. O autor consegue alcançar, mesmo nas passagens mais técnicas, todo o tipo de leitor, cativando e prendendo a atenção do início ao fim do livro. É Dawkins sendo o Dawkins que todos conhecem: um pouco de exacerbo raivoso quando militante contra a religião (não que deixe de ter razão em seus fundamentos, mas a guerra que trava é bastante ríspida), enquanto claro, objetivo e ao mesmo tempo profundo, acessível e empolgante. Um grande intelectual.
Recomendo!