bobbie 18/08/2021
Felizes leituras tristes.
Ler Victor Heringer é indissociável de ler a pessoa do autor. Quando se sabe que o jovem se suicidou aos 29 anos, qualquer leitura de sua obra se torna a clara expressão da melancolia de quem sabe que tem pouco tempo. É triste ler a amargura em cada linha, cada capítulo genial. Heringer escreveu muito (no sentido qualitativo) sendo tão jovem. Foi gênio, culto, canônico antes de sê-lo, embora seus livros não sejam de fácil fruição (sim, é fruição mesmo, com "r"). Não duvido que vários abandonem seus livros antes de terminá-los. A tentação é grande, mas a vontade de chegar ao final é maior. Glória conta a história de uma família carioca conhecida por morrer apenas de desgosto. E na contracorrente desse sentimento amargurado, vivem de deboche e escarnecimento constante. Fogem do desgosto para tornar a cair nele, pois é inevitável: em Glória, a vida, ainda que comum, linear, pouco fantástica, sem muitos malabarismos de tristezas e decepções (e, talvez, justamente por isso), é uma sucessão de desgostos. Não entendam mal: nada de muito desgostoso acontece na trama, mas mesmo assim Victor nos faz experimentar o gosto amargo do fel da vida, do desgosto inerente, na luta por vencer e escapar desse desgosto, ainda que ele seja inevitável. E Heringer escreve fácil, embora com plena erudição. Ele nasce clássico, pleno, rico, literário. Tão maravilhoso e tão triste ver tanta genialidade em alguém tão jovem, tão talentoso e tão... morto.