Leitora Viciada 27/01/2013Logo que soube desse lançamento da Seguinte eu fiquei extremamente interessada. Quando um livro aborda um tema forte, já me atrai; quando além disso é Geopolítico, mais ainda. Uma Garrafa no Mar de Gaza é sobre como as pessoas vivem numa das regiões mais importantes e explosivas do planeta.
Sempre me interessei por História e Geografia, povos e conflitos que vejo nas notícias. Sempre foi natural de minha parte procurar tentar compreender todos os pontos de vista dos envolvidos em guerras. Nunca fui do tipo que ignora o que ocorre na Terra, mesmo que nada tenha a ver comigo.
Escuto muitas pessoas comentando como não sabem nada sobre os conflitos no Oriente Médio, sobre palestinos e israelenses. Alguns parecem se orgulhar da ignorância perante um assunto tão delicado e, segundo eles, "chato". Outros simplesmente dizem que nada sabem sobre isso, que é tudo muito confuso e concluem com naturalidade que "não tem jeito e pronto".
Não me conformo como alguém pode ignorar informações se tem acesso a elas. Não compreendo como alguém pode não se preocupar com tantas pessoas, mesmo que elas não tenham ligação alguma com o Brasil.
Como um livro fino, de 128 páginas pode mudar esse pensamento? Sim, ele pode. Através de uma narrativa dinâmica e uma abordagem natural e moderna, a autora Valérie recriou o que ocorre na região mais inconstante do mundo: a Faixa de Gaza. Ela passou a adolescência em Israel, portanto me empolguei muito com esse livro. Através da ficção a autora expões a realidade de ser adolescente em Israel sob dois diferentes jovens.
É um livro teen, porém de uma visão muito realista e forte. Mesmo sendo um texto simples, a linguagem é poética na medida certa, principalmente quando conhecemos o íntimo das personagens. É cheio de filosofia. A autora mescla o terror do cotidiano do local à simplicidade de um texto para jovens.
O livro é dividido em vinte e dois capítulos, alguns narrados por uma adolescente que vive em Jerusalém e outros narrados por um jovem rapaz que vive na Faixa de Gaza. Além da excelente dinâmica, a autora nos presenteia não apenas com a troca constante e interessante dos pontos de vista, mas também mostra vidas completamente antagônicas e relatos íntimos e pessoais sobre como é viver em cada lado do conflito, quais são as ideias de cada um a respeito. Como é o cotidiano de dois jovens que deveriam se odiar instintivamente, mas estão mantendo contato (o que já é proibido), criando vínculos afetivos e até mesmo se apaixonando.
Outros capítulos são apenas os e-mails trocados por eles, e algo que se inicia com intolerância se transforma em um relacionamento lindamente forte. Afinal, além de cada um estar do lado inimigo, eles nunca se viram. São apenas e-mails. Será?
O livro serve para acabar com os estereótipos geralmente criados pelos ocidentais em cima das pessoas que vivem naquela região. Pois geralmente se imagina que todos são fanáticos religiosos, "homens-bomba", loucos políticos e intolerantes. Enquanto a maioria é composta por pessoas comuns, que estudam e trabalham, possuem um cotidiano. Alguns gostam de ler, outros de filmes ou esportes, ficar com a família...
Claro, cada um com sua religião que influencia a rotina e filosofia de vida. Embora sejam diferentes nesse aspecto, em todos os outros são pessoas iguais: Desejam o fim da guerra. Não aguentam mais os conflitos, sonham com a paz. Mesmo que não concordem com os aspectos de "como", todos querem um final feliz.
Devemos parar de achar que todos que vivem no Oriente Médio são terroristas e concordam com os conflitos. Existem tantas pessoas simples e pacíficas presas a uma batalha que parece não ter fim. Elas estão encurraladas. O caso do rapaz é comovente, já que vive confinado na Faixa de Gaza.
Eles vivem com o medo diário de catástrofe. A autora aborda com excelência os traumas e pânico que a guerra deixa nas famílias. Cenas tão reais e espontâneas que o leitor sente o perigo eminente. Você pode ser um israelense e entrar no supermercado ou ônibus e morrer com uma bomba. Você pode ser um morador da Faixa de Gaza que não pode visitar parentes que moram a poucos quilômetros de distância por causa do toque de recolher ou viver amontoado em um campo para refugiados. Arames farpados separando vidas. Famílias despejadas. Sonhos desfeitos. Regras impostas pelos Governos que não chegam a um acordo.
Como um livro tão fino possui uma sinopse longa assim? O livro é pesado, intenso. As 128 páginas começam tão leves e de repente passam a pesar na mão como se fossem milhares. Porque são tantos problemas, sentimentos e anos de conflitos.
A conversa entre dois jovens inimigos por natureza que gera uma bonita amizade em meio a situações tão marcantes comove, aperta o peito e ensina. Apesar da história se passar em 2003 (a moça com dezessete anos de idade e o rapaz com vinte anos), eles comentam sobre o passado, a visão de cada um sobre os mesmos fatos importantes ocorridos. Um retorno e resumo dos motivos para a situação estar tão perigosa sob a visão de cada lado. As opiniões sobre os conflitos, confissões pessoais e desabafos sobre suas respectivas vidas.
A melhor parte são os pormenores, o dia-a-dia dos jovens. Como é viver em Jerusalém? Como é viver em Tel Aviv? Como é viver na Faixa de Gaza? Como é ser uma pessoa qualquer, um cidadão comum dessas áreas? E como é conviver com a constante ameaça de bombardeios e atentados?
Um livro que toca em um tema sensível, que é a intolerância entre povos, o conflito pela terra mais disputada do mundo. Como o nome pode ser Terra Santa e existir tanto sangue derramado nela à toa?
Uma guerra que é mostrada na mídia como impossível de ser finalizada, uma paz inalcançável. As diferenças de culturas, pessoas opostas, porém tão próximas e afastadas ao mesmo tempo.
Com uma linguagem muito simples, mas intensa e linda, a autora traz um livro que informa o leitor sem ele perceber e chama a atenção para um dos assuntos políticos mais importantes do mundo.
Até mesmo as pessoas que nada sabem (nem querem saber) sobre esse assunto confuso lerão Uma Garrafa no Mar de Gaza e mudarão de opinião drasticamente. Livros e aulas de Geopolítica podem ser entediantes ou confusos, mas são livros como esse que despertam o interesse sobre algo que acontece tão longe e ao mesmo tempo deveria ser importante para o mundo inteiro. O interesse verdadeiro e real, sentimental, não apenas para escrever uma boa resposta no vestibular.
A realidade crua, nua e direta está estampada em um livro juvenil disfarçado de romance; um romance atraente que explora uma temática impactante. Este livro deveria ser adotado em todas as escolas, faria até o aluno mais ignorante se aprofundar sobre o assunto. Um livro que muda pensamentos e acelera corações.
O livro foi adaptado pelo cinema em 2011 e me questiono se consegue ser tão simples e comovente como o livro. Pretendo assistir se puder, embora pelo trailer já tenha visto mudanças em relação à história original.
+ resenhas em www.leitoraviciada.com