Alexandre Kovacs / Mundo de K 16/05/2010
Virginia Woolf - Contos Completos
Editora Cosac Naify - 472 páginas - Publicação 2005 - 3º reimpressão 2008 - Fixação de Texto e Notas de Susan Dick, Projeto Gráfico de Luciana Facchini, Tradução de Leonardo Fróes.
Novamente a editora Cosac Naify surpreende ao realizar um trabalho de excelência editorial, desta vez com o lançamento da coleção “Mulheres Modernistas” que inclui tratamento gráfico diferenciado, novas traduções e alguns textos inéditos de autoras do nível de Virginia Woolf, Katherine Mansfield, Karen Blixen, Marguerite Duras, Gertrude Stein e Flannery O'Connor.
Este volume, traduzido do original "The Complete Shorter Fiction of Virginia Woolf", apresenta um apêndice com notas detalhadas sobre a origem de cada um dos contos, ano de publicação e particularidades do processo criativo e biográfico da autora. Na parte final foi incluída uma bibliografia com extensa relação de trabalhos de ficção, ensaios, diários e correspondência lançadas no Brasil e exterior. Virginia Woolf (1882 - 1941) utilizou nos contos, assim como em seus famosos romances "Mrs. Dalloway" (1925), "Rumo ao Farol" (1927) e "Orlando" (1928), muitas das características que marcaram o seu estilo literário e também todo o movimento modernista do século XX, técnicas como o fluxo de consciência e narrativas não lineares com polifonia narrativa e ausência de ação, pelo menos da maneira tradicional. A seleção obedece uma ordem cronológica de apresentação em cada um dos seguintes blocos:
(1) Primeiros contos, antes de 1917 - Nesta primeira parte o destaque vai para o conto "Phyllis e Rosamond" que mostra como a autora, logo em seus textos iniciais, demonstra sua simpatia para com o movimento feminista em contraste com a rigidez de costumes da Era Vitoriana. A seguinte passagem ilustra bem o destino das mulheres nesta época: "Phyllis tem 28 anos, Rosamond, 24. São pessoas graciosas, de faces rosadas, vivazes; um olhar minucioso não encontrará em seus traços uma beleza perfeita; mas seus trajes e maneiras dão-lhes o efeito da beleza, sem lhes dar a substância. Parecem nativas da sala de visitas, como se, nascidas em vestidos de seda para a noite, jamais tivessem posto o pé num solo mais irregular do que o tapete turco, ou reclinado em superfície mais áspera do que a poltrona ou o sofá. Vê-las na sala cheia de mulheres e homens bem trajados é como ver um negociante na Bolsa, ou um advogado no Fórum".
(2) Contos de 1917 a 1921 - "Kew Gardens" é como um quadro impressionista, uma paisagem de uma tarde de Julho no jardim de Kew Gardens , onde praticamente não há nenhuma ação, exceto pela descrição dos efeitos de luz e cor no canteiro de flores e a passagem de homens e mulheres como fragmentos de memórias que são tão importantes na narrativa quanto o movimento de um caracol no jardim que "já havia considerado todas as possíveis maneiras de atingir seu objetivo sem contornar a folha seca nem subir por cima dela".
Ainda nesta fase, uma outra composição que impressiona pela originalidade da narrativa é "Objetos Sólidos" na qual o protagonista, um influente político que concorre ao parlamento, vai se desligando aos poucos de sua brilhante carreira e obrigações em troca de uma surpreendente paixão por objetos sem valor como cacos de vidro e porcelana. A maneira como Virginia Woolf descreve os detalhes de forma e cores de tais objetos, associados ao gradativo processo de alucinação do personagem, tudo isso no espaço limitado de um conto, é verdadeiramente um caso de estudo.
(3) Contos de 1922 a 1925 - Em mais de um conto desta fase, Virginia Woolf utiliza a personagem Clarissa Dalloway que parece ser um elemento central no seu universo de ficção, costumando ligar outros personagens da narrativa como no caso de "Mrs. Dalloway em Bond Street", que inicia, de maneira semelhante ao famoso romance: "Mrs. Dalloway disse que ela mesma ia comprar as luvas". Passagem conhecida do grande público através do filme "As Horas" (2002), de Stephen Daldry, com Nicole Kidman. A partir desta etapa, cada vez mais a introspecção e o fluxo de consciência são utilizados na narrativa, confundindo o leitor menos atento.
(4) Contos de 1926 a 1941 - O conto "Momentos de ser: pinos de telha não têm pontas" mostra a indefinição sexual de Virginia que, apesar de um longo casamento com Leonard Woolf, teve um relacionamento amoroso com Vita Sackville-West e também um caso de paixão literária pela escritora Katherine Mansfield. Segundo consta das notas desta edição: "Em 8 de julho de 1927 ela disse à tambem escritora Vita Sackville-West: ´Acabei de escrever, ou reescrever, um saboroso continho sobre safismo, para os americanos`. Em 14 de Outubro ela se referiu a ´sessenta libras recém-recebidas da América por seu continho safista, cuja clara intenção o editor não viu (...)`".