Vitor Butrago 23/03/2023Fumaças e Espelhos (1998) é a primeira coletânea de narrativas curtas ficcionais de Neil Gaiman e reúne trabalhos publicados em revistas, antologias e miscelâneas de 1989 a 1998. Gaiman desde 1988 já colaborava com a DC Comics e em 1998 havia publicado dois romances: Belas Maldições, em coautoria com Terry Pratchett, em 1990, e Lugar Nenhum, em 1996, adaptação de roteiro de série homônima escrita para a BBC Londres – ambos publicados no Brasil.
Como de costume é em todas as suas coletâneas, o Autor nos apresenta em introdução - um por um - todos os textos que compõem o livro, indicando as circunstâncias em que foram escritos e publicados - o que os inspirou, quem os encomendou, etc. Essas introduções são um dos melhores momentos das coleções do escritor pois permitem ao leitor conhecer – ligeiramente - o processo criativo de Gaiman.
As características que consagraram Neil Gaiman como um dos mais prósperos [re]contadores de estórias da contemporaneidade já se exibiam em seus primeiros contos. Cevando-se de fábulas, fantasias e mitos familiares o britânico as perverte. E assim presta homenagem as narrativas e autores que formaram o imaginário do ocidente. De poemas anglo-saxônicos ao gênesis [ou pré-criação?], dos conhecidos contos de fadas ao horror de H.P. Lovecraft, tudo é matéria para a ficção de Gaiman. É a riqueza da inspiração, inclusive, que justifica – parcialmente – o seu sucesso.
O melhor momento do Autor, no entanto, ocorre quando esquece os bons companheiros de sua infância e adolescência e em ARREMATE POR ATACADO nos apresenta o mais familiar dos desconhecidos. Hilário! Assustador!
Fumaças e Espelhos é um livro irregular. Carente de estilo. Há em alguns contos, por exemplo, um erotismo deslocado – sem harmonia – que nada combina com o melhor de sua produção literária. É exitoso, porém, em sombrear imagens conhecidas. Acinzentando-as. Por meio de suas estórias Gaiman nos instiga a olhar a realidade - e a fantasia - sob novas perspectivas. Como diz o Autor:
"A fantasia - e toda ficção é fantasia de uma espécie ou de outra - é um espelho. Um espelho distorcido, não há dúvida, do tipo que oculta, posicionado a quarenta e cinco graus da realidade, mas ainda assim um espelho que podemos empregar par anos revelar coisas que, de outra forma, poderíamos não ver."