CrisVieira~ 13/12/2021O Natal Como Nunca se Viu Antes...Eu me comprometi a não escrever nenhuma resenha após a crítica que fiz para O Homem que Inventou o Natal. Pensava que aquele seria o livro que fecharia este ano com chave de ouro e que me faria refletir sobre o quanto este mês, não tão fácil para boa parte das pessoas, poderia se encerrar com esperança sobre o próximo ano.
Porém, eu quis muito ler uma obra que fugiria dos padrões de "livros de Natal" e romperia com a tradição de olhar para esta época com apenas olhos cheios de compaixão, generosidade e esperança. Pense bem: Tiny Tim de Um Conto de Natal deseja a todos bênçãos, então, por lógica isto seria suficiente.
Mas poderia haver algo mais interessante do que uma história com ares de terror se passando com aquela pessoa que é o objeto de comemoração do dia 25 de dezembro?
A história de Noite Infeliz resgata a narrativa a bíblica do período do Natal para um olhar mais profundo sobre um mundo onde crianças poderiam ser assassinadas apenas pela vontade de um rei psicopata e sociopata. Em que ser pobre era a regra e um pequeno grupo faria de tudo para não perder o controle sobre o poder, as riquezas que tivessem (ou pudessem obter) e sobre o povo. Acompanhamos a história de Baltasar, um dos aclamados "Três Reis Magos", que, de um não tão simples ladrão condenado à decapitação, passa a protetor do bebê mais especial da História Mundial.
Usando assim como pano de fundo a história da vida de Jesus Cristo, principalmente em seus primeiros anos, Seth Grahame-Smith nos faz acompanhar a jornada caótica, ágil e angustiante de guardiões improváveis e país inexperientes em busca de sobreviverem a um genocida insandecido e brutal e alcançar o Egito onde supostamente a criança estaria segura e livre do perigo, por ao menos, 33 anos...
Sabe-se o desfecho mas nem por isso é fácil seguir as lutas, os dramas, o desespero a cada a passo e a esperança que é a única coisa em que se agarram os pais, os ladrões-reis magos e o bebê, foco de toda a aventura. E quando o final ocorre, a sensação é de que, sim, isto poderia realmente ter acontecido.
Porque mais do que uma história sobre o fantástico, o sobrenatural, esta é uma história sobre seres humanos, crentes em algo ou não, que lutam para sobreviver em um mundo que parece ter sido criado para que a dor seja parte da vida dos que são pobres. A fome, a sede, o medo da morte, ou da violência ao longo da vida, desde a tenra idade, são os companheiros dos personagens. Baltasar se iguala a Sansão, Hércules e David em sua luta muitas vezes solitária para proteger o pequeno menino. As mulheres que também se destacam são, ora as vítimas diretas de cada passo dos que detêm o poder de vida e morte sobre as pessoas, ora as que reagem e mostram que não aceitam serem meros fantoches de quem não as considera sequer humanas. Assim, o fantástico se torna um pano de fundo para as inquietações mais profundas e importantes.
E por isso, a história se torna magistral. Ela foge da ideia de estar apenas recriando uma mera pantomima sobre uma passagem bíblica e se torna uma forma de humanizar as pessoas que viveram milênios atrás neste planeta e de mostrar que, apesar de bela, a história daquele que, por tradição, é dito ter nascido em dezembro é também sobre a LUTA PELA SOBREVIVÊNCIA. E raramente pensamos nisso quando chegamos no Natal e dizemos que estamos "comemorando uma época de alegria". Porque todos os eventos - do nascimento até o encontro com os magos, e depois disso, à fuga literal em direção ao Egito -, por uma questão de lógica, não poderia ter sido um passeio no parque.
Noite Infeliz fez um ótimo trabalho trazendo para a ficção a história de, no mínimo, quatro pessoas que lutavam pela vida enfrentando em muitos momentos hordas de soldados romanos, desertos inclementes, fome, sede, dúvidas, saudades, tristezas, remorsos e culpas, apenas para protegerem alguém que os ensinava a cada passo como serem mais do que aquilo que o mundo lhes dava ou exigia que aceitassem como seus lugares.
E é nisso que a história de Grahame-Smith se destaca, pois mostra que todos os personagens desta jornada conhecida pelo mundo inteiro têm importância. Desde o pastor que permitiu que um casal dormisse em seu estábulo, passando por um ladrão, ex-batedor de carteira, e indo até um jovem oficial romano que escolhe não agir em um momento, mas que falhará em outro. Para o bem ou o mal, todos se ligam ao menino e formam e criam uma das mais belas, tristes, sangrentas, angustiantes e poderosas histórias que a Humanidade já viu. Talvez, a mais bela.
E Noite Infeliz, apesar da quantidade gigantesca de sangue, das descrições terríveis de todo o tipo de violência, inclusive e infelizmente reais (ainda que no livro sejam ficcionais) contra crianças, e de sempre querermos acreditar que o desfecho será diferente, mesmo sabendo como teminará, é uma das melhores obras sobre o Natal. Além de ir bastante no tempo e trazer de volta para o centro da temática natalina a história que deu origem à toda a comemoração deste mês.
Para quem gosta de livros de ação mas torce o nariz para histórias de Natal, leia! Para quem gosta de histórias de terror e acha que não combinam com esta época do ano, leia! E para quem se cansou dos mesmos livros de Natal e busca fugir um pouco da rotina de livros "fofos", aproveite esta história!
Se tiver coragem...