FrankCastle 11/08/2016
OBS: Omiti vários parágrafos na resenha abaixo que, mesmo sem grandes revelações, poderiam ser considerados spoilers. Para conferir texto na íntegra e artes conceituais bem interessantes, acesse o link.
Este é um livro que há muito queria ler, escrito entre 1966 e 1968 pelo renomado autor Philip K. Dick, a obra de ficção científica que serviu de base para “Blade Runner — O Caçador de Andróides” (1982), filme mais emblemático do subgênero cyberpunk.
No prefácio, existem algumas informações interessantes. Você, provavelmente, já deve ter ouvido falar que Blade Runner teve grande influência dos filmes “noir”, tanto o livro, quanto o filme tiveram influências dos respectivos livro e filme “O Falcão Maltês”, história detetivesca publicada em 1938 e com uma famosa adaptação para o cinema em 1941.
Quando foi publicado em 1968, a história de “O Caçador de Andróides” se passava em 1992. No filme de Ridley Scott, o ano é 2019. Já em algumas edições mais recentes do livro (como essa da Rocco, conforme sinopse acima), alteraram a data para 2021. Provavelmente uma decisão dos editores, afim de evitar que a visão de futuro próximo do livro se perca.
“Emigre ou degenere! A Opção é Sua”
Depois da Guerra Mundial Terminus, a Terra e seus habitantes sofrem com os malefícios causados pela poeira radioativa. Os seres humanos são encorajados a deixar o planeta e partir para Marte, para colonizá-lo. Porém, apenas pessoas saudáveis são aceitas: são realizados exames mensais para definir quem está apto, os reprovados estão “condenados” a passar o resto de seus dias no, antes chamado, planeta azul.
"… Seja como criado particular, seja como incansável trabalhador braçal no campo, o robô humanoide fabricado sob medida — projetado especialmente PARA SUAS PRÓPRIAS NECESSIDADES, PARA VOCÊ E SOMENTE PARA VOCÊ — é-lhe entregue à sua chegada, inteiramente gratuito, totalmente equipado, da forma especificada por você antes de sua partida da Terra…"
Os androides, também chamados de “andros”, foram criados para servir aos humanos na colonização de Marte. Mas com o avanço da tecnologia de sua fabricação, era cada vez mais difícil distinguir os androides dos humanos. Quando estes saem do controle, fica a cargo dos caçadores de cabeça a prêmio, identificá-los e aposentá-los (é este o termo usado no livro para se referir ao extermínio de um androide).
Rick Deckard, é um destes caçadores de androides, vive com sua mulher, Iran, em um edifício. Durante os diálogos, somos apresentados a alguns aparatos tecnológicos, como o videofone e o curioso orgão condicionador Penfield, um aparelho que induz seu usuário a determinadas emoções e sensações, tais como: depressão, sono, alegria, entusiasmo… tudo através da discagem de um número, por exemplo: Disque 888 para ter vontade de assistir TV, qualquer que seja o programa.
Empatia
s. f. Psicol. Tendência para sentir o que sentiria outra pessoa caso se estivesse na situação experimentada por ela.
Com certeza, o aparelho mais estranho mostrado no livro é a Caixa de Empatia, proveniente de uma religião denominada Mercerismo. Seu usuário a liga, segura nos “punhos” da tal caixa e compartilha diversas sensações com outros usuários que, porventura, estejam usando a caixa de empatia no mesmo momento. Wilbur Mercer está para o Mercerismo como Jesus Cristo para o Cristianismo. No momento que as pessoas fazem a “fusão” com Mercer, o visualizam subindo uma colina e depois sendo apedrejado, geralmente os usuários da caixa de empatia sentem uma destas pedradas.
Você vai perceber que a questão da empatia é algo recorrente durante o livro, nesta resenha também.
Grande parte da fauna e flora foi extinta devido a poeira radioativa e, talvez por essa escassez ou pela “necessidade de empatia” [acho que viajei quando escrevi isso, em 2013 :-P], as pessoas são muito apegadas a animais de estimação. Não apenas os comuns cães e gatos, na verdade, os mais cobiçados são os de maior porte, como: ovelhas, bodes, cavalos, avestruzes, etc. E quanto maiores, mais caros.
Todos tem sempre a mão a edição mensal do Catálogo Sidney de Animais & Aves, que é uma referência no que diz respeito a valores de compra e venda [uma espécie de Tabela FIPE para animais]. E, justamente, por ser raro (e caro) encontrar um animal autêntico, se criou também um mercado de sucedâneos (animais artificiais).
Isso não fica muito claro no livro mas, pelo que entendi, após a Guerra Mundial Terminus, as pessoas não tiveram mais filhos na Terra. Não sei se haviam abortos espontâneos devido a radiação ou algo assim. O fato é que, além da insinuação de colonização em Marte, não existe menção alguma a crianças no livro.
O que nos faz imaginar uma sociedade pós-guerra formada, em sua maioria, por pessoas de meia idade. Esta seria uma outra especulação afim de explicar porque as pessoas se apegam tanto aos animais, sejam eles artificiais ou não, aliás hoje em dia mesmo é muito comum vermos casais que criam animais de estimação como se fossem filhos.
E como a maioria dos habitantes teve pouco ou nenhum contato com animais de verdade, muitos não conseguem diferenciar um animal autêntico de um artificial. Sendo assim, muitas pessoas vivem de aparências, pois os vizinhos não sabem que seus animais são sucedâneos.
No passado, Deckard teve uma ovelha autêntica, que morreu de tétano. Rapidamente a trocou por uma ovelha elétrica “idêntica”, mas almeja comprar novamente uma nova ovelha verdadeira ou até mesmo outro animal. Tudo isso devido a perspectiva de ganhos que tem em sua nova missão: aposentar seis androides do modelo Nexus-6: os mais avançados que existem, fabricados pela Rosen Association.
Máquina do Teste de Empatia Voight-KampffSe os androides Nexus-6 são tão parecidos com os humanos, como identificá-los? A resposta está no Teste de Empatia Voight-Kampff. Todo caçador de androides carrega em sua maleta a aparelhagem para executar este teste. Ele consiste em uma série de perguntas sobre situações hipotéticas, a medida em que as respostas são dadas, são avaliados dados como: tempo de resposta, pulsação e dilatação da pupila. De acordo com o livro, androides não possuem empatia.
Tenho que ser sincero: o livro não possui uma descrição muito detalhada acerca de veículos, construções e bugigangas. E mesmo que tivesse, seria difícil desassociar do visual apresentado no filme Blade Runner (para quem, como eu, assistiu o filme antes de ler o livro).
Mas isto não é um ponto negativo, muito pelo contrário: é como ver alguma construção feita com Lego e pegar as mesmas peças usadas nela para montar algo diferente, foi algo mais ou menos assim que fiz mentalmente para criar toda ambientação. Vale lembrar que o livro apresenta muitos locais e personagens que não existem no filme.
Com uma taxa de natalidade baixa (ou nula) somada a emigração para Marte, em certas regiões era possível encontrar prédios gigantescos abandonados. Em um deles, reside John Isidore que, além de não ter passado nos exames médicos para emigração, devido a seus genes deformados, não passou nem mesmo no teste de faculdades mentais mínimas. Pessoas assim, eram estigmatizadas na sociedade e chamadas de “debilóides”. Ainda assim, possuía uma profissão: motorista de uma caminhonete de uma empresa de reparo de animais artificiais.
Rick Deckard continua sua busca e suas investigações, sempre consultando seu catálogo Sidney e tentando decidir qual animal comprará, a medida que vai aposentando os androides. Mas, antes disso, visita a Rosen Association. Com o objetivo de aplicar o Teste de Empatia Voigt-Kampff em um grupo de androides e um de controle (humanos), afim de provar a eficiência do teste para detecção dos modelos Nexus-6.
Tanto em sua chegada a sede da Rosen ou em sua residência, temos algo curioso: Rick Deckard chega a esses locais sempre através dos telhados e depois pega um elevador para descer (o contrário do que fazemos hoje em dia, a não ser que você seja um milionário e use um helicóptero!). Tudo isso graças aos hovercars (carros voadores).
O livro me surpreendeu positivamente, até mesmo pela época em que foi escrito. Temos uma ambientação legal, que é reforçada pelas referências visuais que temos hoje em dia, inclusive pela própria adaptação da obra para o Cinema.
Apesar do filme dirigido por Ridley Scott seguir uma trama semelhante a do livro, as motivações e desfecho são bem diferentes. Mergulhamos neste mundo e, junto com Rick Deckard, vamos descobrindo, nos surpreendendo em meio as reviravoltas.
Um livro, talvez, para ser lido mais de uma vez. Mas, por outro lado, uma obra que nos faz também pensar e refletir, pois Philip K. Dick mistura diversos elementos, como: alta tecnologia, psicologia e religião. “O Caçador de Androides” é altamente recomendado, em especial para os fãs de ficção científica e do subgênero cyberpunk.
OBS: Omiti vários parágrafos na resenha que, mesmo sem grandes revelações, poderiam ser considerados spoilers. Para conferir texto na íntegra e artes conceituais bem interessantes, acesse o link.
site: https://medium.com/@7seconds_/resenha-o-ca%C3%A7ador-de-andr%C3%B3ides-6137c18d8973#.wyp7s1n3y