Che 06/11/2017
RETRATO LIMITADO DA REVOLUÇÃO CENTENÁRIA
Este é o nono livro da coleção "Revoluções do século 20" da Editora Unesp que leio (e ainda não cheguei nem na metade do total!). Foi escrito por Daniel Aarão Reis Filho, professor de História da UFF e autor do prefácio da edição de "Dez Dias que Abalaram o Mundo" da editora L&PM. Li tanto o livro que Aarão prefaciou quanto o dele próprio recentemente pelo mesmíssimo motivo: estamos às vésperas do dia 7 de novembro de 2017, ou seja, exatos cem anos da revolução russa. Fui buscar então material que me ajudasse a compreender melhor a revolução socialista mais importante de todos os tempos, que abriu caminho para várias outras, incluindo minha favorita: a cubana.
O livro padece de uma limitação comum à maioria dos volumes da coleção: tenta dar conta de períodos históricos longos e falar de temas muito detalhados num espaço relativamente curto de páginas. A tarefa deste volume em particular, sobre a revolução russa, era a mais difícil nesse sentido: são três quartos de século de União Soviética, que o autor quis sintetizar em meno de 200 páginas, ainda por cima com um capítulo inicial longo sobre a história da Rússia pré-século XX e um final sobre a situação pós-soviética, cobrindo o governo Ieltsin (uma espécie de FHC russo). Lógico, não tinha como não soar raso em várias passagens históricas, principalmente as relacionadas à formação do POSDR (Partido Operário Social-Democrata Russo), que desembocaria depois nas alas menchevique e bolchevique, mas principalmente toda a fase do governo Brejnev, que passou quase em brancas nuvens no livro e saí da leitura sem entender quase nada sobre ela.
Há também problemas que são específicos desse livro, não da coleção. Pessoalmente, sempre prefiro que o autor aponte dentro da escrita as fontes dos dados toda vez que elementos quantitativos são citados, pra saber exatamente onde posso buscá-los, principalmente os relacionados aos períodos Stalin e Kruchov. Claro que a leitura fica mais fluida sem as citações dos autores a todo momento, bem como Aarão teve o correto cuidado de escrever duas páginas finais indicando um pouco dos temas da bibliografia sobre a URSS - bibliografia que é, diferente de outras revoluções estudadas pela coleção, bastante extensa -, mas de qualquer forma pra mim fez sim falta a indicação logo após os números que o autor apresenta.
Também me incomoda um pouco a tentativa dele de posar de 'neutro e distanciado' pra falar de cada fase do governo soviético, às vezes incorrendo na armadilha de dar uma ênfase grande nas críticas - principalmente do período stalinista -, justamente pra tentar pagar de 'isento', com isso esquecendo de desenvolver e evidenciar melhor quais foram as vantagens geoestratégicas e políticas das decisões do então Comissário do Povo georgiano. Mas isso se estende para outros períodos, dando uma impressão de que o autor quis enumerar demais os problemas e dificuldades da revolução (principalmente na área agrícola) e pouco sobre suas vitórias e ganhos. Um leigo total que for conhecer a história da URSS a partir deste livro provavelmente saíra com uma impressão negativa dela, sabendo bem mais das dificuldades que dos avanços.
Feitas todas essas ressalvas, há sem dúvidas também méritos no livro. A escrita de Aarão me agrada e de fato há um efeito de coesão e fluidez no texto dele, corretamente descrito num intento linear até o primeiro governo Putin. Entendo a dificuldade de narrar tantos acontecimentos num espaço curto de texto, de modo que o autor não se saiu mal nisso apesar de todas as limitações (já esmiuçadas acima) que invariavelmente um livro bem curto pra esse propósito cobraria. E embora não tenha me acrescentado nenhuma informação particularmente nova e contundente diante do que eu já conhecia antes sobre a URSS, há alguns detalhes interessantes que eu desconhecia, como a diferença pessoal comportamental de Kruchov com relação a Stalin, ou a tal 'revolução de 1921' (Krondstadt), com a qual eu confesso que não simpatizo, na medida em que entendo que anarquismo é conto de fadas inviável na prática.
Enfim, "As Revoluções Russas" é bom como leitura, tem uma narrativa coesa e agradável, mas limitado como informação por ter o escopo de descrever muitos acontecimentos em pouco espaço, às vezes tomando a decisão de sacrificar a descrição mais detalhada de conquistas soviéticas primorosas que julgo que deveriam ter bem mais ênfase aqui, talvez por uma preocupação excessiva de soar 'isento' com uma descrição maior e mais regular dos problemas e percalços na construção do socialismo russo. Como o propósito da coleção é sintetizar brevemente uma série de revoluções, dá pro gasto e a leitura é ok.