Arsenio Meira 04/01/2014
O despertar do nonsense
É minha opinião que este "Sonho Americano" de Mailer não se compara ao seu grande romance "Os Nus e os Mortos" (aliás, foi sua estreia); "Exércitos da Noite" é outro belo exemplar da produção literária deste controverso escritor que foi, sem dúvida, um dos ícones da literatura cuja geração tinha Truman Capote como a grande estrela, merecidamente.
No entanto, há algo de Dostoievski nesse livro, e por menor que seja esse indício, já vale a pena.
o personagem Steve Rojack, mata a mulher e deixa tantas pistas do crime que até a Polícia brasileira seria capaz de metê-lo na cadeia. A primeira metade do livro é marcada pela tensão da prisão iminente, o leitor e o personagem atravessam quase uma centena de páginas achando que a casa vai cair.
O policial então resolve fazer um jogo de gato-e-rato parecido demais com aquele que Petrovitch faz com Raskolnikov na obra-prima do meu russo preferido. Mas se a vida recomeça para o personagem de Dostoievski a partir do castigo e do arrependimento, é a impunidade que dá uma guinada na história e na vida do protagonista de Um Sonho Americano.
Este, aliás, é melhor momento do livro, algo que revela um pouco do talento de Mailer. Na época em que o livro foi publicado nos Estados Unidos, uma parte do puritano público americano ficou chocada com a narrativa de Mailer, que não perdoa a sujeira e os pecados sórdidos da classe alta – aquela sacanagem sem tamanho sob a plácida superfície familiar. A julgar apenas por essa leitura, nosso Nélson Rodrigues tratou dessa hipocrisia com mais talento e coragem.
A atmosfera fumaça de cigarro, bebida aos borbotões, violência e uma mulher fatal, tão comuns nos romances “noir” e da “pulp fiction” da primeira metade do século XX, também estão presentes no livro, cuja leitura, aliás, é bem escorreita. Há momentos de puro chiste, o dedo na ferida que Mailer não hesitava em pregar, como se fosse algo bem natural fustigar esse monstro chamado hipocrisia.
O escritor norte-americano era dado ao uso de um recurso até corriqueiro na literatura americana, que são as comparações estapafúrdias, com as quais já tropecei em outros autores. É verve, o exercício do nonsense. Mailer sabia que, em algumas situações e diante de alguns discursos, só mesmo essas associações picarescas seriam capazes de mitigar o falso tilintar dos borbulhantes.
É um recurso inteligentíssimo; decerto, não sou e nem quero ser crítico literário, mas Mailer soube usar a linguagem para se vingar e lendo seus romances, o que parece uma saída fácil para descrever algo difícil, de fácil não tem nada.