Fran RW 18/10/2012"Desenterrando o Passado" - Agatha Christie Mallowan(Aha! Descobri de onde Agatha retirou o cenário para Assassinato no Expresso do Oriente: das viagens que ela fazia para a Síria! Lembro que naquele livro o vagão Istambul-Calais é mencionado várias vezes. Era nesse vagão que ela viajava sempre, no Simplom Orient Express. Dois anos depois da viagem que ela descreve aqui no início, foi que Assassinato no Expresso do Oriente foi publicado. Agora deu para entender. :))
Uma "crônica sinuosa" é como Agatha descreve o conjunto de memórias publicado aqui. Usando o sobrenome que adquiriu ao casar-se com Max, ela narra com detalhes o trabalho arqueológico do marido e sua equipe na Síria, na década de 1930. É um apanhado geral do que na época ela escrevia em seus diários mas o livro foi montado na década de 40, enquanto ela alternava o trabalho no hospital com a escrita de histórias policiais.
Mas os fatos narrados não se restringem às (quase) tranquilas expedições pelas colinas sírias:
"Você não acha (pergunta Agatha ao marido, uma certa noite, quando vão dormir) que ratos, camundongos, ou coisas assim vão passar por cima de mim de noite, não é?
- É claro que vão - diz Max sonolento e animador."
Há muito tempo que eu não ria tanto com um livro! Para o povo árabe, por exemplo, a morte não tem importância. Essas diferenças entre as filosofias ocidental e oriental me arrancaram risos durante toda a leitura.
"Uma mulher se aproxima de Max:
- Kahwaja! Piedade; interceda pelo meu filho. Levaram ele para Damasco - para a prisão. Ele é um homem bom, não faz nada - nada mesmo, eu juro!
- Mas então por que é que o levaram para a prisão?
- Por nada. É uma injustiça. Salve-o para mim.
- Mas o que é que ele fez, mãe?
- Nada, juro por Deus, é verdade! Ele não fez nada demais, só matou um homem!"
"[o Xeque] como sempre, está armado até os dentes. Tirando descuidadamente sua espingarda, e atirando-a a um canto, começa a discorrer sobre os méritos de uma pistola que acabou de comprar.
- Está vendo - diz ele, apontando-a em cheio para o Coronel. - O mecanismo é assim - simples, e excelente. A gente põe o dedo no gatilho - assim - e as balas começam a sair, uma depois da outra.
Numa voz sumida, o Coronel pergunta se a pistola está carregada.
Claro que está carregada, responde o Xeque, muito surpreso. Qual seria a vantagem de uma pistola descarregada?"
Desenterrando o Passado é muito gostoso de se ler. Tem essa linguagem leve e descontraída, apesar de ser totalmente narrado no presente. Todos os personagens, que um dia foram reais, me pareceram pessoas divertidas. Mesmo o Mac, arquiteto de Max, que mais gesticula do que fala e a quem pouca coisa parece importar, além de cavalos e do seu misterioso diário.
Mas é que Agatha é assim mesmo. Do jeito com que ela escreve tudo fica engraçado. Tudo a fazia rir, ao que parece.
E é com uma saudade apaixonada que ela encerra o livro, deixando o leitor já contagiado com a alegria do povo da Síria, ávido por conhecer tal país:
"Escrever estas anotações simples não foi uma tarefa, mas um ato de amor. (...) Pois eu amo aquele país fértil e gentil, e sua gente simples que sabe rir e amar a vida; que é alegre e despreocupada, e que tem dignidade, boas maneiras, e um grande senso de humor. E para quem a morte não é terrível.
Inshallah, eu voltarei lá algum dia, e as coisas que eu amo não terão desaparecido desta terra..."
Leitura deliciosa! Vai deixar saudade.
(28/01/2012)