Naty 21/11/2016
Além das minhas expectativas. Simples, crítico e diferente de muitos livros que já li.
O livro Mayombe escrito por Pepetela foi uma experiência de leitura bem interessante para mim e satisfatória. Vi muitas pessoas comentando que se tratava de um livro lento e que elas esperavam uma ação que só ocorre no final, mas esse livro vai muito além de pura ação.
Ele desvenda o ambiente africano sob o ponto de vista de diversos personagens ligados ao MPLA (Movimento pela libertação de Angola). Foi nesse livro que percebi a importância e a riqueza de se ver uma história por diferentes perspectivas já que Pepetela adota uma narração em que um narrador onisciente e onipresente se intercala com as personagens.
Sempre estudei a questão da guerra entre tribos na África, mas foi com esse livro que me aprofundei mais no assunto ao pensar nessa sociedade. Além disso, o pensamento marxista é abordado incessantemente. O personagem mais focado foi o sem medo o que não quer dizer que ele é o protagonista. Ele é, mais ou menos, o Pedro Bala de Capitães de Areia.
No entanto, tenho ressalvas a algumas ideias disseminadas pelo Sem Medo o que é um tanto que normal já que todos somos diferentes, mas a diferença de pensamento entre os personagens e o leitor pode dificultar um pouco a leitura e foi o que aconteceu comigo. Isso não tornou a história lenta em nenhum momento e a falta de ação, para mim, foi um ponto positivo porque quebra certos tabus.
As pessoas costumam ver uma guerrilha de libertação e independência como um movimento movido a bala, mas Pepetela mostra que as ideias movem muito mais um movimento que as armas.
O início da narração se dá por Teoria que é mestiço e sofre preconceitos tanto dos brancos quanto dos negros e, por isso, tem um certo complexo inferior que o incita a querer provar sua valentia a todos. Essa parte foi para mim uma certa crítica ao maniqueísmo social em que ou se é uma coisa ou outra, ou negro ou branco. O intermediário é pouco aceito. Isso ocorre muito hoje na política; ou se é de direita ou de esquerda, mas ainda há os que não são nem de um lado nem de outro e Teoria típica essas pessoas. “Estou no Mayombe, renunciando a Manoela, com o fim de achar no universo maniqueísta o lugar para o talvez”.
Mayombe é a floresta em que eles instalam suas “casas” e atacam o inimigo. É como uma proteção. Pepetela acaba por transformar a floresta em personagem fazendo-a gestar um novo homem para um novo momento histórico de Angola.
O uso de codinomes entre os participantes do MPLA me lembrou capitães de areia. Esse uso, aqui, sempre se relaciona tanto às características do indivíduo quanto ao fato de eles esquecerem, de certa forma, sua vida passada.
Uma frase que me chamou muita atenção foi “ a guerra não se mede pelo número de inimigos mortos, mas pelo apoio popular que tem”. Essa é uma grande verdade e uma das grandes dificuldades desses movimentos; eles têm que alcançar a aceitação de suas ideias para que haja um apoio coletivo e, por fim, a vitória.
Outro ponto central na obra é o tribalismo; as disparidades de pensamento na tribo se devem muito às diferenças tribais entre eles o que dificulta a união em prol de uma causa.
A presença da religião também se faz sentir no livro, mas Sem Medo confronta-a ferrenhamente. Percebe-se aí um cero ódio ao que é do colonizador e, pelo personagem, um julgamento de um pensamento pela ação dos que dizem segui-lo o que não é um pensamento que eu tenho. Para mim, para se julgar uma religião, deve-se entende-la e não olhar as práticas de qualquer um que apareça do seu lado e diga: Eu sigo essa religião.
Um outro excerto que me chamou atenção foi: “Deixa lá o teu umbundo...ou lhe dás um nome na língua dele ou em português, que é de todos. Mas não na tua...Aí começa o imperialismo umbundo”. A língua é outro meio de colonização já que impor a língua é como impor o domínio.
Noutra parte muito interessante, Sem Medo mostra que a maioria dos processos revolucionários começa com uma boa intenção, mas depois acaba caindo nos mesmos erros anteriores, pois o movimento tem que se impor contra a oposição o que acaba tornando-os ditadores e destruindo o dito regime que se iria construir. Esse excerto é esse: “Ora! Vamos tomar o poder e que vamos dizer ao povo? Vamos construir o socialismo. E afinal essa construção levará 30 ou 50 anos. Ao final de cinco anos, o povo começará a dizer: mas esse tal socialismo não resolveu esse problema e aquele. E será verdade, pois é impossível resolver tais problemas, num país atrasado, em cinco anos. E como reagirão vocês?... há que prender as cabecilhas, há que fazer atenção às manobras do imperialismo, há que reforçar a polícia secreta, etc...Da vigilância necessária no seio do Partido passar-se-á ao ambiente policial dentro do Partido e toda a crítica será abafada no seu seio. O centralismo reforça-se, a democracia desaparece. O dramático é que não pode escapar-se a isso...”
A mulher da história, Ondina, não tem voz narrativa o que mostra uma crítica do autor à desigualdade de gênero na época. Além disso, não há diferenças linguísticas entre os diversos participantes do movimento na narração o que reforça a ideia de propor a igualdade entre as pessoas.
Em resumo, gostei muito do livro, mas algumas ideias e algumas cenas de sexo, que não me agradam mesmo dando um toque mais realista à obra, me chatearam. As partes amorosas poderiam ter sido reduzidas, mas repito que não senti lentidão narrativa e sim uma exposição diferenciada de um movimento importane num cenário importante e muito pouco falado.
Parabéns para a FUVEST por adotar um livro como esse. Leitura recomendada e, para mim, enriquecedora.