Phelipe Guilherme Maciel 05/06/2018Este livro conta a história de Ogum. O Prometeu Africano. Será?"O Mayombe começa com um comunicado de guerra. Eu escrevi o comunicado e...o comunicado pareceu-me muito frio, coisa para jornalista, e eu continuei o comunicado de guerra para mim, assim nasceu o livro." - Pepetela.
Mayombe é o primeiro romance de Pepetela, nome de guerra de Artur Carlos Maurício Pestana dos Santos. Pepetela foi guerrilheiro do MPLA (Movimento Pela Libertação de Angola). É curioso o fato deste livro se chamar MAYOMBE.... Poderia ter um nome muito mais revolucionário, idealista, que traduzisse o esforço de guerra, a bravura dos guerrilheiros, ou o mote da revolução. Porque este livro se chama Mayombe, e não: Morte aos Tugas!?
Acredito que o principal motivo seja que a Mayombe, a grande floresta onde boa parte da trama acontece, é o personagem principal do livro, e a força de onde tudo nasce. E também é importante citar que este é um livro sobre guerrilha que não fala de guerrilha.
Neste livro veremos principalmente a relação dos personagens com a floresta e seus dilemas pessoais, tribais, e a luta dos intelectuais para se encaixar aos ideais revolucionários comunistas. Ações de guerra são raras, Os portugueses e angolanos se enfrentam em duas batalhas durante todo o livro, e os Angolanos fazem algumas poucas ações de guerrilha para desmoralizar o inimigo em outros episódios. Eles estão muito mais em guerra com seus interiores do que com o inimigo.
O foco desse livro é desnudar os personagens. E o mais cômico é que os personagens são desnudados até a alma, e não sabemos o nome real da maioria deles. Todos são apresentados com seus nomes de guerra. Sem Medo, Muatiânvua, Comissário, Das Operações, Teoria, etc. Raros são os personagens que saem do nome de guerrilha e sabemos seus nomes reais. Mas através de um narrador onisciente e de pontos de vista em Primeira pessoa onde o escritor dá voz aos principais personagens, saberemos o mais profundo da alma de cada um deles. Por isso acredito que a guerra pela libertação de Angola contra Portugal é apenas um cenário, e como disse o próprio Pepetela, o livro surgiu de uma obrigação sua de passar um telegrama de guerra. É apenas o rastilho de pólvora que deu origem a tudo. Pepetela atuou na guerra como Comissário, era um dos Intelectuais.
É maravilhosa a consciência política do autor, escancarada nos debates políticos protagonizados principalmente entre Sem Medo, o líder do grupo guerrilheiro e O Comissário de Guerra, que é o intelectual responsável pela educação política do grupo. Outros grandes embates de opiniões são protagonizadas com personagens secundários da mesma forma.
No decorrer das páginas 110 a 155, percebemos claramente que o autor não estava afogado na cartilha Marxista e conseguiu desenhar muito bem o destino fatídico de todo movimento popular que chega ao poder, e as demagogias e paradoxos no discurso mobilizador.
O livro passa a ideia clara de que o MPLA considerava que o MOVIMENTO suplantaria a CRISE TRIBAL complexa de Angola, que já estava desenhada na época da luta armada contra Portugal e que culminaria na sangrenta Guerra Civil Angolana, logo após sua independência.
Os vários pontos de vista dos guerrilheiros que já citei aqui que desnudam suas almas, também esclarecem que a questão tribal não poderia ser resolvida apenas com discursos sobre União Nacional.
O maior inimigo do povo angolano, portanto, não eram os Tugas, mas sim, o próprio povo, fragilizado por séculos de colonização e catequização depreciativa de sua própria história. Eram vítimas e algozes ao mesmo tempo.
Um ponto marcante a se observar é a deposição de André do posto de Líder geral da região, após a descoberta de seus crimes de desvio de verbas, e sexo com mulheres casadas. Em seus pensamentos, ele confidencia ao leitor que basta fazer uma autocrítica, e tudo se resolveria. Não iriam puni-lo como ele deveria ser punido. Além da firme convicção de seu próprio poder, ao ridicularizar o líder comunista Lênin, ele ridicularizava o próprio MPLA.
Esse flagrante caso de corrupção antes mesmo de o movimento se instalar no poder evidencia que o escritor, Pepetela, já percebia desde cedo que o movimento estava fadado ao fracasso de tentar levar a cabo um projeto utópico. Inclusive, já integrante do governo angolano pós Guerra Civil, Pepetela escreveu outros livros que criticam a fome de poder dos novos comandantes da nação, além de fazer uma autocritica a si próprio e aos intelectuais do povo. Pepetela também acaba por se afastar do poder e se dedicar somente a escrita e a profissão de Professor.
Mayombe é o grande personagem principal pois todos se utilizam dela para tudo. Ela é a maior aliada dos guerrilheiros, mas somente após eles próprios aprenderem a tê-la como aliada. Ela, que fornece abrigo e alimentação, também os maltratava e machucava quando estes eram estranhos. Eles a tratam como divindade: O Deus Mayombe. O Deus das matas para os Iorubás (Nigerianos) é Oxóssi. Para os guerrilheiros Angolanos, era Mayombe.
O narrador nos informa que contará a história de Ogum, outro Deus Iorubá, que é o Deus da Guerra, como se esse fosse o Prometeu Africano. Ogum é claramente sintetizado em Sem Medo, o grande guerrilheiro, mas cabe aqui lembrar que Ogum é um Deus Iorubá, ou seja, Nigeriano. Ogum é Ioruba e foi para o Brasil na rota dos escravos, em Angola não é conhecido. Isso é apenas um modo do escritor criar um legado cultural para a África.
Uma divagação afro-religiosa:
Questiono no título dessa resenha se Ogum seria realmente o prometeu Africano... Talvez não. Ogum pode ser Sem Medo. Mas o Prometeu Africano ao meu ver seria Exu. Este é o Orixá perfeito para desobedecer as ordens de outros deuses, seja em proveito próprio ou proveito da humanidade.
Mayombe seria Oxóssi. Sem Medo seria Ogum. Exu seria o Prometeu Africano.
Mayombe é um livro que deve ser lido. É a primeira obra angolana que dessacraliza os heróis. É também um livro contra o dogmatismo político. 9/10 estrelas.
"Angolano segue em frente o teu caminho é só um...
Se você é branco isto não interessa ninguém...
Se você é mulato isto não interessa a ninguém...
Se você é negro isto não interessa ninguém...
Mas o que interessa é a tua vontade de fazer Angola melhor...
Uma Angola verdadeiramente livre e democrática".
(Teta Lando - Musico Popular Angolano)