Andy 08/04/2021
O que leva uma família a se autodestruir?
Publicado originalmente em 2000, Dois Irmãos é o segundo livro do manauara Milton Hatoum. Sendo ganhador do prêmio Jabuti no ano seguinte, o romance convida o leitor a acompanhar a decadência de uma família, a primeira vista padrão e normal, todavia fadada à tragédia.
Acompanhamos um narrador-personagem, sem saber ao certo qual a sua relação com a família, todavia, uma coisa temos certeza desde o princípio: a história não irá terminar bem. É assim que conhecemos Omar e Yaqub, gêmeos, que rivalizavam entre si desde a infância. O primeiro, que nasceu doente e sendo caçula, foi mimado e paparicado pela mãe tornando-se um homem sem perspectiva de futuro, satisfeito com os carinhos e proteção de sua genitora. Já o último, logo cedo foi mandando para longe de sua família - numa tentativa do pai de diminuir a discórdia entre os irmãos - e ao retornar na primeira oportunidade sai de casa e constrói sua vida, vindo a ser um homem de sucesso, porém, frio e querendo evitar relações com os familiares.
Contudo, nem todos. Rânia , irmã dos gêmeos, tem uma relação no mínimo estranha com ambos.Sendo uma mulher determinada a não casar-se e ser independente, renega todos os pretendentes que sua mãe apresenta. Para a linda e cobiçada mulher, não há homem no mundo que se compare a seus irmãos e Rânia só deseja os mesmo. Ademais, a personagem é retratada como alguém de personalidade, que apesar da época em que o livro se passa, não aceita as convenções sociais e comanda a própria vida.
Halim (pai) e Zana (mãe) claramente não estavam preparados para terem filhos. Primeiramente que ambos não tiveram o convívio com os próprios pais, sendo imigrantes do Líbano, Zana cresceu somente com seu pai e Halim com um tio. Nota-se um despreparo, ninguém nasce sabendo como educar uma criança, mas a falta de experiência de ambos levaram à catástrofe da família. Halim sempre deixou claro que nunca quis ter filhos e ficou insatisfeito com a liberdade tirada do casal depois das crianças. Zana, superprotetora com o caçula o transforma em um boçal e vagabundo enquanto quase negligencia os outros filhos.
Porém, um personagem se salva no meio dessa confusão de família. Domingas, uma indigena que é serva da casa desde criança. Esta, poucas falas tem, mas sempre está presente. Consequentemente a primeira vista parece somente uma personagem secundária, todavia mesmo calada consegue passar ao leitor um sentimento de que inocentes estão sofrendo no meio dessa novela toda. Ela parece não ter importância, mora no fundo do quintal, porém praticamente cuida de todos da casa, além de ter com os gêmeos uma relação negativa e positiva.
Se Domingas é apagada e esquecida, o narrador personagem é ainda mais. Conhecemos seu nome somente quase no final da história. Alias, história essa que ao invés de ser de Omar e Yaqub poderia ser dele. Pois, ele começa pequeno e finaliza adulto, mas é triste perceber que a sua existência se limitou a reunir as histórias que escutava de Halim e contar a vida dessa família. Quando todos vão embora, ele permanece no cômodo do fundo do quintal, não sabemos seus desejos e sonhos, mesmo ele sendo quiçá o personagem principal de Dois Irmãos apesar de tudo - assim como ocorria na casa - girar em torno deles.
Nesse romance brasileiro, não existe o irmão bom e o mal, os personagens tem camadas e são complexos, tanto que fica um pouco difícil defender 100% eles. Vale ressaltar também a geografia magnificamente descrita de Manaus, me senti um estrangeiro visitando a cidade, conhecendo seus costumes e cultura. É vergonhoso pensar que como leitor, estou mais habituado a locais como EUA e Inglaterra, mas nunca havia tido contato com a maravilhosa Manaus.
Em síntese, este livro me mostrou que o meu preconceito com a literatura brasileira contemporânea é pura bobagem. Fui esperando uma espécie de “A Usurpadora”; recebi personagens complexos, uma história apesar de triste, muito boa e uma narrativa gostosa de acompanhar.