GilbertoOrtegaJr 31/05/2015Dois Irmãos- Milton HatoumHá dois pontos muito comuns, e por isso mesmo já batidos, em histórias sobre gêmeos, o primeiro é a ideia de que um sempre complementará o outro, e o segundo é de que só pode existir irmãos gêmeos em um livro se eles se odiarem. Tudo que é escrito sobre gêmeos usando estes dois conceitos tem uma grande tendência a ser datado e já debatido, mas mesmo assim estes são dois elementos existentes em Dois Irmãos, segundo livro do escritor amazonense Milton Hatoum, e nem por isso se transformam em defeitos desta obra.
O livro conta a história dos gêmeos Yaqub e Osmar, na Amazônia, durante o regime militar brasileiro, mas não somente deles e sim de toda a família da qual eles fazem parte, uma família composta por Halim, um descendente de libaneses, e sua mulher Zana, Na mesma casa moram Domingas, a empregada e mãe do narrador da trama, e a filha mais nova de Zana e Salim, Rânia. A história da família dos gêmeos vai se entrelaçando de forma lenta e sedutora com as descrições da cidade, e do momento histórico pelo qual o Brasil passa. Ao mesmo tempo em que vão crescendo os gêmeos vão desenvolvendo uma relação tumultuada marcada pelo ódio e por disputas; primeiro o amor da mãe, depois a mesma mulher, e correndo em paralelo com estas disputas e busca por sua própria identidade, longe das sombras paternas e maternas.
A propósito não são somente os gêmeos que estão em busca de construir a sua identidade, este é um elemento em comum na busca de todos os que fazem parte da trama de Dois Irmãos, o narrador busca saber qual dos dois gêmeos é seu pai, Halim busca preservar a sua ligação com sua terra natal, Domingas a índia que trabalha de empregada na casa sente saudades da sua terra, Yaqub se sente deslocado em sua casa, e Omar sente a necessidade de viver uma vida sua sem a sombra sufocante da mãe.
E se falarmos de Zana ela não fica a dever em nada a nenhuma daquelas mães traumáticas da literatura, ela que sempre mimou Omar e o preferiu a Yaqub, defendo ele quando este só farreava e não se apegou aos estudos, sempre arranjando pretendentes a sua filha Rânia. Mas nem Omar seu filhos mais querido escapou dela, ela não o deixava se casar ou viver com mulher alguma e nem mesmo se afastar de casa ou de sua figura materna.
Ao contrário dos outros dois livros que li do autor (Cinzas do Norte, e A Cidade Ilhada) não achei que este livro tem um clima nebuloso, pelo contrário Hatoum conta a história com uma incrível nitidez, sendo capaz de evocar detalhes e paisagens da cidade de Manaus, de sua geografia, além de captar de forma exata o clima histórico da época, criando assim uma trama épica que fervilha de tensões, afinal todos ali são rivais em algum momento, filho contra pai, mãe contra possíveis noras, filha contra mãe, empregados contra patrões.
Como eu disse o livro merece inúmeros elogios pois além de ser uma trama viciante o autor soube dosar bem tudo o que existe dentro do livro, pesquisa histórica, dramas familiares, construções dos personagens, tudo isso narrado de forma lírica e envolvente criando um grande equilíbrio, sem que com isso o livro seja contido ou racional demais, pelo contrário é neste belo livro que vemos as emoções humanas em suas formas mais puras, amor, ódio, ambição, inveja, e por ai vai criando assim, um clássico da literatura Brasileira atual.
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