Lopes 29/06/2018
| escrever. |
“Um Dia na Vida de Ivan Denissovitch”, de Alexandre Soljenitsin, encara os campos de concentração da Rússia e recria o cotidiano massacrado, inspirado em sua própria vida. A linguagem em forma de diário enriquece a obra, construindo um status universal. Mesmo que não transpire uma literatura cheia de símbolos e sinergia, o autor disseca, a partir da descrição de um dia “comum”, os pormenores que avassalam as almas contidas naquele espaço. Evoca-se uma dor pungente inerente ao existir num momento em que a política torce pescoços, caça e reprime quem surgir contrário em seu caminho. Sabemos que não é só política de que se trata, é sabido que toda uma estrutura social está em jogo, e existir tais vozes só “cede permissão para trabalhos que garantem um país mais estruturado”. Fizeram parte do esquema de um sistema que aniquila qualquer empecilho, do menos ao mais necessário. Soljenitsin (usarei essa grafia, mas existem outras) precisa carregar a cruel força de viver com as sombras desse tempo. E essa obra exala esse temor e experiência no e após o campo. Ler sobre como acordava, como conseguia uma refeição, as violências sofridas, os desejos que vão sendo minados, infiltrados pelo sofrimento, parece causar muito dano ao leitor, porém não é bem assim, em algum momento sabemos que acabou, até para o próprio autor, e que ao criar essa obra, e tantas outras, a consciência de si e a nossa, é o viés, a tênue linha que nos separa de sermos aniquilados pela ignorância. Um pequeno e eterno grito pela sobrevivência, Ivan - penso muito no personagem Vânia de Tchekhov - sobreviveu e contou sobre ele e seus companheiros, pensando em atingir nossos ternos corações e imaginação, não imaginando que seria a primeira grande obra de força contra esse horror.