Anna Laitano 19/02/2020Por que abandonei a leitura?Geralmente, eu não resenho livros que abandonei porque acredito que, tendo abandonado, não tenho a visão completa da obra e, sendo assim, não me sinto confortável de opinar.
Mas Hopeless é um caso diferente. Não abandonei o livro por achá-lo tedioso, ou por questões de gosto pessoal. Tanto que, aliás, tentei ler há anos (2016, se não me engano) e até hoje não conseguir dar outra chance.
Antes de mais nada, vale mencionar que o que vou comentar é sobre as sessenta e poucas páginas que consegui ler. Não sei se há um motivo ou redenção para o que citarei, então tenha isso em mente, por favor.
Bom, sabendo que a autora é aclamada pelo público, achei que Hopeless parecia uma boa forma de conhecê-la. E, veja bem, serei justa: O ritmo da escrita é bom, flui facilmente -- mas este talvez tenha sido o único mérito, até onde li. Porque comprar este livro foi uma péssima escolha.
Então, aqui vai a lista dos porquês eu recomendo... Que você CORRA deste livro.
(Nota: os dois últimos são os mais graves)
1) Slut-shaming. Sky poderia ter sido uma protagonista ótima, desafiado o padrão social imposto às personagens femininas. Mas, talvez por medo de ousar, o resultado se tornou desastroso. A autora se esforça em enfatizar que sua personagem não é uma "slut", demonstrando claramente que sê-lo seria um problema, uma falha de caráter. Tudo bem, isso não reflete, necessariamente, o que a autora pensava (e, principalmente, o que pensa atualmente, pois estamos em constantes mudança e evolução). Mas é incômodo o quanto ela faz questão de reforçar essa ideia nos primeiros capítulos.
2) Desvalidação de quem não sente atração sexual e/ou romântica. Sky sente medo no começo, porque nunca sentiu atração por nenhum dos caras com quem ficou e considera isso como algo "anormal" e que precisa ser corrigido. Novamente, sim, o livro é de 2012 e talvez a autora nem conhecesse o espectro ace/aro, mas é muito ruim (e prejudicial!) ter essa ideia martelada novamente, sobre uma minoria tão apagada.
3) "If you get Mr. Declare for math, sit in the back and don't make eye contact. He loves school girls, if you know what I mean. Or, better yet, sit in the front. It'll be an easy A."
Há muitos problemas no mero trecho acima.
Primeiro, a indicação de Six, para que Sky aproveite as tendências pedófilas do professor (?). Pedófilas, sim, pois as garotas ainda estão no Ensino Médio, e nos EUA a idade de consentimento é 18. E mesmo que haja variações em alguns estados, onde a idade cai para 16, o mais aceito, em termos gerais, ainda é 18 mesmo... E, de toda forma, ele é professor e, portanto, a questão de hierarquia/poder já é problemática por si só!
Também há a implicação de que a ALUNA deve se sentar longe e não olhar para o PROFESSOR, reforçando a ideia de que a mulher tem que se esconder, ao invés o cara procurar tratamento psicológico, ou sei lá.
Ou seja, fuja do professor ou potencialmente se coloque em risco...?
4) Bullying. Ok, isso pega na linha do slut-shaming também. Mas, agora, além da própria protagonista, todos da escola se sentem no direito de zoá-la pelo histórico de namorados que ela teve, sem sequer se dar ao trabalho de conhecê-la além dos boatos. Mais do que bullying, isso é machista; ninguém questionaria um homem por "pegar todas".
5) Estereótipo de "loira (linda, atraente e) burra". Ugh. Já não superamos isso há anos?
6) Stalker. É aqui que as coisas passaram muito do limite para mim. Porque, mesmo sem conhecer Sky, Holder a encara ferozmente, a segue pelo estacionamento, exige saber o nome dela, coloca a mão na porta do carro para impedi-la de sair... Tudo isso mesmo ela demonstrando que não está interessada/quer ir embora/não quer dizer o nome. Meninas, se o cara fizer isso com você na vida real, dê um chute, grite e corra! Não há NADA de legal ou sexy ou o que quer que seja. Isso é problemático. É assédio.
7) A ideia de que "se o cara é bonito, dane-se o fato de ele se comportar de forma abusiva". NÃO, apenas não! Mesmo Sky reconhecendo que Holder age como um stalker e que teria medo em outra situação, ela continua próxima dele. PORQUE ELE É BONITO. Sério, isso não é apenas superficial, como é altamente preocupante. Que tipo de mensagem é esta?!
Espero sinceramente que no decorrer do livro esse padrão de relacionamento entre os dois tenha mudado e eu apenas não tenha sido forte o suficiente para persistir até essa parte... Porque, até o ponto em que li, ele agia de forma controladora e assustadoramente obsessiva. Caso o relacionamento dos dois tenha seguido as linhas que apresentou no começo, ficarei seriamente preocupada com a média alta e aclamação de um título tão problemático.
Mas, no fim, acho que o enredo fez mesmo jus ao título: Hopeless... Ou no Brasil, Um Caso Perdido.