bardo 06/05/2023
Algo que impressiona na obra de Kurt Vonnegut é a capacidade que ele tinha para criar biografias críveis, a capacidade para em pouquíssimos parágrafos construir um personagem e convencer o leitor de sua existência.
Aqui em mais uma autobiografia vemos essa capacidade em ação, mas está talvez seja uma das mais curiosas e difíceis de classificar. O autor trabalha tantos temas diferentes enquanto horroriza e diverte o leitor que é difícil saber exatamente o que Vonnegut tinha em mente.
Exílio, luto, o onipresente horror da guerra (sempre presente em seus livros), os personagens disfuncionais, está tudo aqui. Esse talvez seja um dos livros em que o autor mais violentamente ataca a fantasia imperialista e bélica de seu país. Na sátira ao gênio pintor entusiasta de Mussolini é bem evidente que a crítica ácida se volta contra a sociedade belicosa de seu tempo.
Em meio a essa crítica antiarmamentista, temos também talvez um dos textos mais ácidos contra o machismo: a denúncia de que a guerra é em si uma forma de opressão às mulheres e um dos únicos objetivos dela.
Em paralelo o outro grande tema da obra, provavelmente os mais inteirados sobre história da arte vão reconhecer nomes e citações; temos uma profunda discussão sobre criação literária e artística. Afinal para que serve a arte? Ela deve ser compreensível ou não? Ela precisa ter um objetivo? São questões que vão aparecendo na narrativa, na oposição ou antes na dança entre Circe e Sarkis.
Eis mais um livro curioso do Vonnegut, que após a leitura ideias e questões vão ecoando, talvez até passando desapercebidas em meio a toda ironia e certo sarcasmo da narrativa, bem como imensa melancolia que perpassa o texto.