Jana 16/03/2014
Do que somos capazes?
Como acadêmica de História, eu estudei os mais variados momentos da humanidade. Contudo, há aqueles episódios que despertam um interesse especial, que nos provocam o desejo de se aprofundar no assunto – e a Segunda Guerra Mundial está nesse grupo. Para mim, pelo menos.
Já li bastante a respeito, mas, querendo ou não, as informações disponíveis são semelhantes: o que desencadeou a guerra, suas estratégias e inovações militares, batalhas, acordos, consequências e por aí vai. A forma de interpretação muda, o jeito de escrever do autor, sua escola historiográfica... Mas, no fundo, as informações acabam se repetindo. E, ao ficarmos presos nessa visão mais grandiosa da guerra (os personagens mais destacados, as batalhas, os líderes, os generais e suas potências) acabamos nos esquecendo daqueles que mais foram atingidos pelos acontecimentos: as pessoas comuns. Os civis. Os jovens.
Na escrita da história, é um desafio concentrar-se num único personagem para compreender um contexto. Os obstáculos são, normalmente, a falta de informações e fontes, as suposições sobre uma existência e um cotidiano ao qual não estamos relacionados. Um diário ou uma carta são chances únicas de contornar tais obstáculos, afinal, essas fontes tão íntimas nos permitem algo espetacular - entrar na mente do personagem. Descobrir seus pensamentos, suas ideias, suas vontades. Conhecê-lo.
Éramos Jovens na Guerra é uma compilação de cartas e fragmentos de diários de crianças e adolescentes que viveram na Segunda Guerra Mundial. De variadas nacionalidades, afetados diretamente ou não pela guerra, eles transmitem seu cotidiano, seus sofrimentos, suas esperanças. E nós, leitores, somos jogados em seu universo, convivendo com eles, identificando-se com suas falas e personalidades. É como se estivéssemos por perto, fôssemos seus confidentes – e é isso que torna essa leitura cruel e incrível.
De imediato, ao ler a parte de trás do livro, somos presenteados com um enorme spoiler: a maioria deles não sobreviveu. Então, antecipando a tragédia, iniciamos a leitura e nos deparamos com a aterrorizante realidade daqueles que tiveram suas vidas arruinadas de um instante para outro. Vivendo em meio ao caos, eles sofrem consequências inimagináveis: fome, perda, humilhação. E nós nos descobrimos torcendo para que ele/ela sobreviva, ansiando por um final feliz que no fundo, a gente sabe que não vem. Alguns diários são especialmente trágicos, detalhando cotidianos que arrepiam... Um deles, em especial (o de um menino preso em Leningrado, cidade sitiada), eu creio que nunca vou conseguir tirar da cabeça.
Mas não é só de tragédias que se vive. Mesmo com o sofrimento e as dificuldades, há alguma luz. São demonstrações de coragem e força que superavam os mais bravos soldados; meninos e meninas que acreditavam na sobrevivência, no dia seguinte... Que tinham esperanças de que os líderes e seus exércitos iriam, de alguma forma, chegar a um acordo e alcançar a paz. Que fique claro – digo líderes porque não quero vilanizar ninguém. Na mania de chamar um ou outro de “monstro”, tornamos certas figuras grandiosas, elevando-as ao patamar de sobre-humanos. Não estamos falando de monstros aqui. A guerra foi feita por homens e nela, não há mocinhos ou vilões. Há seres humanos lutando pelo poder, influência e sobrevivência, há a indiferença daqueles que poderiam ter feito a diferença e há a neutralidade daqueles que deveriam ter agido antes. Tanto que nesse livro, nós conhecemos os testemunhos das etapas da guerra: o estranhamento diante das ideias de Hitler e sua cúpula, a demora da reação britânica, a confusão provocada pelo pacto de não-agressão entre URSS e Alemanha, a indiferença e incrível atraso dos Estados Unidos para entrar na guerra. E, finalmente, a aterradora falta de interesse de todas as “grandes nações" para com os milhões que sofriam e morriam.
Ao finalizar a leitura, eu fiquei olhando para o nada, pensando e absorvendo as informações, as revelações... E me lembrei da frase célebre de outro livro, sabendo que era a única que seria capaz de descrever o que eu senti.
Definitivamente, os seres humanos me assombram.