Carina 11/12/2011Religião e históriaNo árido mercado editorial de livros dedicados aos assuntos célticos no Brasil, um livro que apresente um único capítulo sobre o tema deve ser comemorado. O livro “As Religiões que o Mundo Esqueceu” traz ensaios sobre as visões religiosas de povos mais ou menos esquecidos, das
práticas cristãs desaparecidas às bastante divulgadas religiosidades de gregos e egípcios, passando por celtas e vikings e chegando às práticas dos povos nativos de nossas terras.
Todos os capítulos devem interessar àqueles que se dedicam a conhecer as práticas religiosas dos povos antigos. Vivendo em uma cultura altamente influenciada pelos valores judaico-cristãos, qualquer janela que se abra para culturas em que outras formas de ver o mundo existiam é um respiro, e pode servir de inspiração a todos que quiserem resgatar valores como a conexão com os ciclos da natureza e a magia no dia a dia.
Entretanto, certamente quase todos aqueles que trilham os caminhos do druidismo iniciarão a leitura pelo capítulo que se debruça sobre os celtas, de autoria de Ana Donnard, pesquisadora e professora de Estudos Célticos na Universidade Federal de Uberlândia.
Para quem inicia suas leituras sobre o assunto, o capítulo dedicado aos celtas oferece uma boa visão geral sobre a cultura e o pouco que se sabe sobre as práticas druídicas, embora evite algumas das polêmicas mais correntes, como a existência de druidesas.
Mesmo para aqueles que já carregam um vasto repertório de leituras sobre celtas e druidas, o texto de Ana Donnard faz um panorama que, ao mesmo tempo em que enfatiza as dificuldades de se acessar esse mundo esquecido, reforça a ideia de sobrevivência da memória de um povo que, embora não tenha deixado escritas suas práticas, soube transmitir seus valores através dos milênios.
A partir desse panorama, podemos nos pôr a pensar se afinal, ainda que a arqueologia permita diversas interpretações e os textos clássicos não sejam de todo confiáveis, a memória dos druidas sobrevive no que a autora chama de “espaço fatual”, sua presença garantida pelas recordações materiais, mesmo aquelas que nossa mente racional não consegue captar. Não terá sido esse elo com o “sagrado mundo das almas imperecíveis”, também ele indestrutível, que permitiu a sobrevivência dos mitos e valores dos celtas e seus druidas?
Como praticantes do druidismo em Terra Brasilis, é essencial estabelecermos ligações com o espírito desta terra, reverenciando-o e absorvendo o quanto possível da sabedoria dos povos que conhecem esta paisagem profundamente e há milênios. Para tanto, saber um pouco mais sobre as práticas de algumas das etnias nativas como retratadas pela antropóloga Betty Mindlin é um bom começo. As descrições que a autora faz nos levam a traçar paralelos entre o que sabemos das práticas e crenças druídicas e os ritos e mitos nativos de nossas terras – fica evidente o componente xamânico que é comum à maior parte das religiosidades nativas. Inspirar-nos nessas práticas torna-se uma boa oportunidade de desenvolver o aspecto xamânico do druidismo, e assim preencher em nossa prática espiritual as lacunas existentes em relação ao que faziam os druidas históricos.
Betty Mindlin descreve ainda o processo iniciático por que passam os candidatos a pajé, e dessa forma ilustra as características necessárias a qualquer um que deseje iniciar-se em uma tradição espiritual: a coragem – seja para enfrentar as feras do Outro Mundo ou seus próprios monstros interiores -, a experiência de quase morte, que é o divisor de águas que nos permite abandonar conceitos e nos libertar, para assim podermos vivenciar uma nova experiência, e a disciplina exigida para que o iniciado possa dedicar-se inteiramente a esse ofício, que não é menos importante hoje do que era entre os povos nativos, deste ou daquele lado do oceano.
Sem dúvida, o leitor desejará espiar também as outras religiosidades “esquecidas” descritas nesse livro. Mas partindo dos capítulos sobre druidas e índios brasileiros já é possível estabelecer uma ponte por onde a inspiração é capaz de transitar, tornando nossa vivência espiritual mais rica e profunda.