Girotto Brito 15/12/2017
Resenha de Lucas Steffano
Saudações caros leitores o/ Aqui estamos para falarmos de "Três Casas e Um Rio", mais um livro do mestre paraense Dalcídio Jurandir, e neste caso, um cordial empréstimo da biblioteca da E. E. de Ens. Fund e Méd. Padre Luiz Gonzaga. Para os que acompanham o blog a mais tempo, esta vem a ser a quinta resenha este ano sobre o autor. As outras foram sobre os livros “Primeira Manhã”, “Chove nos Campos de Cachoeira”, “Marajó” e "Ponte do Galo”. Para os que quiserem dar uma olhadinha nelas, basta clicar no marcador “Dalcídio Jurandir" logo no fim da postagem. Vamos lá ?
No início dos anos 1920 retornamos a vila de Cachoeira do Arari. Após a dolorosa agonia e morte de Eutanázio, adentramos em três casas banhadas pelo mesmo rio. No “Chalé”, Alfredo anda ás voltas com a angustiante impossibilidade de prosseguir os seus estudos. Lucíola, antiga babá de Alfredo, passa a desenvolver um destrutivo sentimento de posse sobre o garoto. Edmundo Meneses, descendente de uma rica família de latifundiários, luta para buscar uma identidade própria para si, enquanto acompanha a derrocada sem retorno de seu patrimônio. Costurando essas três vidas, Dalcídio tece de maneira poderosa e poética um brilhante panorama social e psicológico de sua gente, residente num Marajó ao mesmo tempo majestoso e opressor.
A configuração de toda a obra de Dalcídio está atrelada a muito de sua própria trajetória de vida. Mestiço de origem, filho de Alfredo Pereira e Margarida Ramos, Dalcídio Jurandir Ramos Pereira nasceu em Ponta de Pedras, na Ilha do Marajó, no 10 de Janeiro de 1909. Concluiu seus estudos primários em Belém, não tendo chegado ao fim do que hoje vem a ser o ensino médio. Saiu do colégio e foi para o Rio de Janeiro, vindo a trabalhar como lavador de pratos e na imprensa. Voltou, anos depois, desempregado para o Pará, mas logo conseguiu trabalho como funcionário público. Preso em algumas ocasiões por conta das suas ideias esquerdistas e por sua oposição pública ao fascismo, dedicaria toda a sua vida à publicação dos 10 volumes que integrariam o chamado “Ciclo do Extremo-Norte”[1], pelo qual, sobretudo, receberia a mais alta condecoração literária do país, o Prêmio Machado de Assis, em 1972. Faleceu na cidade do Rio de Janeiro, em 1979.
Uma constelação de personagens povoa este terceiro volume do Ciclo do Extremo-Norte: Alfredo, é um jovem de 11 anos de idade, filho do viúvo Major Alberto, este secretário da intendência de Cacheira do Arari e marido de Amélia, negra de origem humilde e com tendência ao alcoolismo; Mariinha é a única dos irmãos que reside com de Alfredo no "Chalé"; Lucíola, a antiga babá de Alfredo, nutre pelo garoto um sentimento incontrolável de posse aliado a uma vontade enorme em ser mãe; Edmundo Meneses, oriundo da outrora rica família Meneses, foi estudar na Europa e voltou para a fazenda de Marinatambalo vindo a descobrir que a sua família vive em franca decadência. Além destes temos Salu, o dono da venda local; Dona Violante, viúva e mãe de dez filhos e a icônica Andreza Bolacha, respectivamente filha e neta de João e Manoel Bolacha, órfã de ambos, possuidora de uma personalidade espirituosa e amiga de Alfredo.
Narrado em terceira pessoa, "Três Casas e Um Rio" nos faz retornar a Cachoeira do Arari. Se Em "Chove nos Campos de Cachoeira", tínhamos uma Cachoeira do Arari como local de trânsito constante de Eutanázio e cenário de forte crítica social, e em "Marajó" a ascensão de um novo coronel mediante os meandros do destino e da tradição familiar, em "Três casa e um Rio", Dalcídio adentra com força no psicológico de seus personagens, em suas lembranças, suas experiências e a partir dessas vai tecendo a ambientação. Nada é a toa. Da tensão familiar no chalé, passando pela icônica cena da festividade dos bumbás, a decadência dos Meneses e a magnitude do cenário amazônico frente aos dilemas humanos e suas experiências compõe o mosaico de cenários do romance.
Poucos meses se passam em relação ao primeiro volume do CEN, apesar do hiato de quase 20 anos entre a publicação de um e outro. Embora não demarque com clareza, sabemos que dada as referências, o romance se situa no início dos anos 1920. Se Alfredo em "Primeira Manhã" está com os seus 16 anos por volta de 1924, seguindo a mesma lógica ele está com 11 por volta de 1920, uma vez que o protagonista possui a mesma idade que o seu autor. Além disso, transcende ao tempo da narrativa o tempo das lembranças dos personagens, seja de Dona Amélia quando da juventude, do jovem Alfredo e dos Meneses em sua ascensão e queda. O enredo de "Três Casas e Um Rio" se constrói através das relações e contatos entre os três protagonistas (Alfredo, Lucíola e Edmundo) e suas respectivas famílias, daí o título do livro. A partir desse contato, desenvolve-se uma complexa teia de sentimentos, sensações, angústias e reflexões e relações que dão o tom, embora mais lento em termos de ritmo, bem mais trabalhado do ponto de vista psicológico dos personagens e da narrativa.
Denso, profundo, tocante e emocionante. Os adjetivos são poucos para qualificar "Três Casas e Um Rio", para muitos o mais poético dos livros do Ciclo do Extremo-Norte. É inegável que para se compreender parte da profundidade deste livro, torna-se necessário adentrar nos volumes iniciais do ciclo, sobretudo, "Chove nos Campos de Cachoeira", onde conhecemos boa parte dos personagens que compõe a trama e haja vista que muitos dos temas como a busca por uma vida melhor, a decadência da Ilha do Marajó, as injustiças sociais, as práticas culturais locais retornam a todo momento na narrativa dalcidiana. E neste livro, mais ainda. No mais, fica aqui a séria recomendação para lê-lo, caso o vires onde quer que ele esteja. Feito isso com calma, e sem pressa no degustar desta obra, a experiência, como a com qualquer outro livro de Dalcídio, este escritor em seu conjunto já conhecido como excelente, tende a ser bastante proveitosa. Recomendo com força.
site: https://lreaprender.blogspot.com.br/2017/10/resenha-tres-casas-e-um-rio-dalcidio.html