Hada 11/04/2020O Animal AgonizanteEsse livro é um monólogo de David, um crítico de arte conhecido e respeitado no meio, que ministra um curso de crítica para turmas lotadas de mulheres. Em todas as edições do curso, ele procura uma aluna para se tornar sua presa e, depois que as aulas acabam, a moça se encontra em sua cama. Ele tem certeza que sua vida será para sempre isso, até que conhece Consuela, uma moça cubana-americana cujo corpo faz o desejo carnal de David se tornar paixão.
Um pouco mais sóbrio que os personagens de Bukowski e um pouco mais obsessivo que Cauby, de Marçal de Aquino, David tenta nos convencer que Consuela é a mulher mais impressionante do mundo, falhando para aqueles que buscam algum resquício de caráter nas pessoas impressionantes. Em contrapartida, todas as mais belas formas de elogiar a aparência de alguém aparecem em alguns trechos da obra, como por exemplo,
Eu a havia elevado à categoria de grande obra de arte, com toda a influência mágica de obra de arte. Não a artista, mas sim a própria obra. Não havia nada que ela pudesse não entender — bastava-lhe estar ali, à vista, e era só olhar para mim que ela compreendia sua importância. (p. 37)
ou
Você entra no ônibus. Há uma criatura tão linda que todo mundo tem medo de se sentar ao lado dela. O lugar da garota mais linda do mundo — está vazio. (p. 39)
O desejo irracional de David é claro em todos os momentos, e nós realmente só conseguimos conhecer a personalidade de Consuela nas últimas páginas do livro, nas palavras de seu surto acerca da consciência sobre corpo e a morte. Imaginei que talvez seria interessante um outro livro, sob o ponto de vista dela acerca de toda a narrativa.
Mas é claro que o livro todo não apresenta apenas sobre dois personagens, mas sim diferentes tipos de relações. Entre David e seu filho, suas outras mulheres, seus talentos e seu melhor amigo. Esta, em particular, me comoveu mais do que as outras, uma vez que não era esperado o futuro dessa amizade, o que resultou na cena mais bonita de toda a história, na minha opinião. É um personagem que, apesar de não ser nem muito abordado nem muito complexo, permitiu um dos trechos que mais me tocou em toda a história, uma de suas únicas falas.
As pessoas pensam que quanto se apaixonam elas se completam? A união platônica das almas? Pois eu não concordo. Eu acho que você está completo antes de se apaixonar. E o efeito do amor é fracionar você. Antes você está inteiro, depois você racha ao meio. Ela era um corpo estranho que havia se introduzido na sua integridade. E que você passou um ano e meio tentando incorporar. Mas você só vai conseguir ficar inteiro depois que expelir esse corpo estranho. Ou bem você se livra dele ou bem você o incorpora, distorcendo a si próprio. E foi isso que você fez, e foi por isso que você enlouqueceu. (p. 85)
Tenho a impressão de que a narrativa com muito apelo sexual tenta despertar os sentidos do leitor a qualquer custo, e quando está próximo disso, apresenta uma situação impossível de se obter qualquer tipo de prazer. Como alguém constantemente provocando outra pessoa em um momento que não se pode agir assim. Não sei se foi a partir disso que veio o título do livro, mas pode ser um possibilidade, afinal, uma das coisas mais naturais do ser humano sendo interrompida incessantemente.
Acredito que as experiências de leitura podem ser extremamente diferentes conforme o gênero e idade do leitor, uma vez que ela trata da decadência moral e física conforme o passar da vida. É o tipo de livro que deve ser começado só quando você tiver um tempo sobrando, porque não dá para parar até saber em que fim vai dar toda essa mistura de desejo, razão e sensibilidade.