Luciano Luíz 22/12/2013
Um livro bacana voltado ao público jovem que ainda não leu uma obra nacional.
RIO 2054 – OS FILHOS DA REVOLUÇÃO de JORGE LOURENÇO é uma visão distópica da Cidade Maravilhosa no futuro, como se percebe pelo título.
Lá por 2020 explodiu uma guerra civil por causa do petróleo. Com isso, poderosas empresas não apenas tiveram domínio completo sobre a fonte de energia, como também decidiram por fazer a divisão social que resultou em mais violência e o aumento assustador das diferenças sociais do que para muitos pode ser considerado o fim de tudo.
Ou até mesmo uma fração do Inferno, já que ter de sobreviver em meio à gangues de motoqueiros, saques, estupros, procura por alimentos e as tentativas fracassadas de tentar entrar em Luzes (Rio Alfa) mostra-se praticamente como o pesadelo mais terrível que se pode ter de olhos abertos.
No geral o enredo gira em torno da divisão do Rio de Janeiro entre ricos e miseráveis. Alfa e Beta (este também apelidado de Escombros pelos moradores).
O protagonista é o jovem Miguel. Ele tem a ex-namorada que simplesmente mergulhou nas drogas e sonha em poder viver nas Luzes. Já Miguel apenas trata de procurar peças e próteses para vender ao amigo Nicolas, que tenta a vida como restaurador e comerciante de equipamentos para pessoas com deficiências físicas.
Resultado da violência que a pobreza em grande escala proporciona à população.
Miguel faz suas buscas no centro abandonado da cidade. Onde dizem que uma bomba nuclear foi explodida por rebeldes há muitos anos. E que aquela área era imprópria para se morar por causa da radiação...
Mas, a vida não é apenas isso.
Gangues de motoqueiros fazem disputas para angariar grana e status nos Escombros. Além do espetáculo que proporcionam aos habitantes, estas gangues ainda conseguem missões de empresas das Luzes, que pagam muito bem, e ainda oferecem motos, armas e equipamentos mais avançados do que se encontra nos Escombros.
Em uma de suas buscas por peças no centro da cidade, Miguel encontra uma androide sem bateria. E resolve então ser um motoqueiro para poder dar uma chance de vida à boneca.
Ele conhece Angra. Uma garota com poderes psíquicos, acompanhada por dois gordos e um magricela. Juntos formam a Éden. A gangue mais perigosa dos Escombros. E nunca derrotada...
Miguel se assusta ao ver Angra em ação. Com seus poderes ela facilmente derrota os adversários nos combates de moto. E ainda mata sem piedade.
Logo depois, Miguel e os amigos recebem a oferta de um cara conhecido por Comandante. O sujeito não mostra o rosto e sempre fala com os motoqueiros por uma tela onde a imagem de alguma personalidade histórica de tempos “antigos”, como Chê Guevara.
Ele dá missões para o grupo, como descobrir quem é Angra.
Depois de algumas desventuras, o enredo vai seguindo e mostrando várias reviravoltas. Acontece muita ação e conversas sem fim.
Não vou seguir adiante para que você não tenha nenhum spoiler.
Agora, se você quer spoiler criticamente foda, então continue lendo. Porém, não vou me ater a contar a estória, mas sim, apontar uma série de curiosidades que me chamaram a atenção.
A narrativa é simples. Sem muitos detalhes. Nem personagens ou cenários são ricos visualmente falando. O que em hipótese alguma interfere. Já que a visão de uma cidade em ruínas é algo que é facilmente identificado no enredo.
Porém, a narrativa visual do Rio Alfa não impressiona. Até parece mais pobre que os Escombros...
Os personagens têm falas bacanas. Em alguns pontos, muito próximas da realidade. Aliás, algumas frases são filosoficamente atraentes. E aí podemos constatar um personagem inteligente não apenas no pensar, mas no agir.
Em certos momentos a narrativa peca porque simplesmente acaba por se mostrar confusa. Como os flashbacks, que aparecem de repente... sem intervalo... Mas é somente em dois ou três lugares. Depois é melhor organizado.
Os combates entre as gangues que usam motos, são fracos. Não passa a sensação de realidade. Ali o autor fez um trabalho que decepciona. Poderia ser muito melhor. É tudo pobre quando se trata das brigas e a narrativa simplesmente faz até o enredo perder qualidade.
E o mais engraçado: os motoqueiros usam tacos de basebol e hóquei.
Sei lá, poderiam ser só correntes, porretes ou qualquer outro objeto. Talvez os utensílios usados signifiquem que estes esportes tenham alguma popularidade no Rio do futuro...
O comandante não tem firmeza em suas palavras. Mais parece como qualquer um dos motoqueiros. Mas isso é explicado mais adiante. Porém, o personagem em si, devia ter se esforçado mais. Suas falas como comandante são um pé no saco e o leitor mais antenado logo percebe que tem algo errado...
Afinal, um mafioso pedir, “por favor” é patético de tão surreal...
A estória seria mais original sem os poderes psíquicos. Os personagens que fazem uso desta habilidade chegam a irritar, pois aquele esquema de usar as mãos como lâminas, ficou um tanto trash... lembra Terminator 2...
E o chato é que o narrador repete sempre a mesma coisa nas batalhas: “Lançou contra a parede usando seus poderes psíquicos.”
Outro negócio que irrita é que toda vez que Angra e Miguel usam sua habilidade especial, o narrador fala didaticamente: “Usou seus poderes” ou “Usando a telecinesia”.
Puxa, como se o leitor já não soubesse o que está lendo...
E quando Miguel descobre seus poderes, a narração está tão confusa que o leitor tem de voltar uma página para ter certeza da confusão das palavras. Pois o herói joga um dos caras pro ar de uma forma um tanto tola... Dá a impressão de que ele ainda estava com o carrinho de mão...
Aliás, com relação ao enredo, Angra nem precisava da bomba nuclear. Pois seus poderes mostrados nas últimas páginas ao fazer na torre onde está Miguel e a ogiva, mostram-se poderosos... ou pode ter sido somente o nervosismo dela...
Sobre o detalhamento visual dos personagens, é bem pobre como eu já disse, mas repetir três vezes que a Angra está de sobretudo cinza é dose...
Existe um interlúdio onde é apresentado um psíquico japonês. Mas sinceramente. O texto ali não é dos mais interessantes, e quem chegar ao final do livro, vai perceber que aquele “capítulo extra” em verdade é totalmente desnecessário...
E ainda, toda vez que o cara aparece, o narrador repete: “Se tem um psíquico por perto, sua habilidade de prever o futuro fica embaralhada.” Puxa, não tem necessidade de falar isso toda hora...
O que me deixou profundamente puto, foi a personagem Oráculo. Tudo bem que ela é negra, tem visual de mãe de santo. Muito legal. Mas... em MATRIX, a oráculo é mulher, é negra... o autor devia ter feito algo totalmente diferente...
O livro deixa claro, que a Oráculo é uma lenda. Ou uma pessoa extremamente difícil de ser encontrada. Que ela é quem decide com quem vai se encontrar. Mas o assassino japonês acha ela facinho, facinho...
Ok, tem a ver com o enredo, explicado no final, mas assim mesmo...
Acho que o grande defeito de RIO 2054 é sua previsibilidade.
Obviamente não serão todos os leitores que conseguirão saber o que acontece com algumas páginas de antecedência. Mas as surpresas maiores ficaram reservadas somente para as últimas páginas.
Mesmo com todas as reviravoltas, o enredo não é tão cativante.
O que prende mesmo a leitura, são as conversas relacionadas às diferenças sociais. Isso o autor fez com maestria e merece aplausos. O problema é que talvez não seja o suficiente para prender os leitores e leitoras.
Outro fato que ficou um pouco sem graça, foram sobre as bonecas no estilo do mangá, CHOBITS e até GUNN...
Uma cena que mostra um pastor evangélico usando um garoto com sua telecinesia como se fossem poderes de Deus para angariar fiéis ficou muito bacana.
Alguns capítulos exibem uma data no início. Dia, mês e ano, e até horário. Porém, o ano é totalmente desnecessário no caso, já que o leitor sabe exatamente “quando” está a narrativa... E seria mais funcional se todos os capítulos tivessem estes detalhes... ou nenhum tivesse...
A personalidade do Miguel mostra no início que ele nada mais sente pela ex-namorada. Mas pelo fato da boneca poder ser apenas uma máquina o fez pensar em se arrepender. Ficou bastante estranho isso...
O personagem muda muito rápido de personalidade. Ou seria no quesito sentimentos. Ou emoções.
O livro mais parece em alguns momentos, como um romance teen. Tem até o triângulo amoroso tão comum... de certa forma, claro...
O Oráculo, Miguel achava que fosse um homem, como Neo em Matrix... É estranho o Oráculo dizer que Angra não representa algo bom... no mínimo idiota por parte dela... como se ninguém mais disso soubesse.
Enredísticamente falando, a Oráculo não serviu pra nada...
Quando Miguel leva a boneca (Alice) para o amigo Nicolas conferir, achei estranho fazer uma conexão virtual através de um avatar. Ou seja, a boneca estava desligada. E acessar o “computador” dela com ela sem qualquer energia fica um tanto desconexo. A não ser que o aparelho e programa utilizados nesse esquema fossem extremamente avançados.
Mas assim mesmo... Apesar de que no final do livro, outro programa inteligente já fazia o mesmo com Alice abandonada no centro da cidade, antes de Miguel encontrá-la...
No primeiro capítulo, onde Miguel conversa com Nicolas, juntam-se a uma garota. É a ex-namorada do herói, Nina. Ali a vemos magra, com olheiras, resultado do uso de drogas, e principalmente pela frustração de viver (ou sobreviver) na parte pobre do Rio e não conseguir ir para Alfa... como já dito no início da resenha...
Logo após a conversa deles, o negão vai embora, e o ex-casal caminha por uma hora. E enquanto eles conversam sobre o cotidiano, de repente, estão sobre a moto...
É uma quebra de narrativa e enredo.
Ou caso tenha sido intencional, o autor exagerou nesse ponto. Pois fica algo totalmente inexplicável como a moto apareceu...
Não sei se foi apenas impressão, mas ao ler esse livro, tive lembranças do filme, GUERREIRO AMERICANO. O mais curioso que apesar do enredo se passar no Rio, mais parece que estamos lendo uma narrativa em território estadunidense... mesmo com todas as referências cariocas...
O livro tem palavrões, o que faz os diálogos soarem com naturalidade. Também é violento. Mas nada que seja considerado realmente macabro.
Também tem alguns errinhos de ortografia. Mas são quase invisíveis. A turma da Novo Século precisa investir mais nos revisores...
Mas não é só críticas fudidas não.
A capa é um show à parte. A visão dos prédios em ruínas, a visão em primeira pessoa (deve ser) do protagonista em sua moto. As fontes utilizadas para o título também são caprichadas.
O miolo tem ótima diagramação. Porém, somente o nome do autor e o título que ficaram um tanto estranhos nos cantos das páginas. E os títulos dos capítulos tem uma fonte grande demais, assim como a paginação.
Bom, é isso. O livro é bom. Vale à pena. Apesar de parecer um remendo de vários filmes e quadrinhos que você já assistiu e leu...
A obra de Jorge Lourenço é para o público jovem.
Principalmente aquele que nunca leu ficção científica brasileira ou qualquer livro nacional, independente o gênero.
Enfim, são poucos os escritores brasileiros que dedicam suas palavras onde temos um ambiente genuinamente nosso.
O Belo Rio de Janeiro.
O qual mostra uma força descomunal quando inserido em uma obra de ficção.
Nota: 5/10
L. L. Santos
PS – andei fazendo umas pesquisas e achei dois outros livros com títulos “iguais” e somente subtítulos diferentes.
RIO DE JANEIRO, 2054 de HORACIO CANALE – não sei o conteúdo. Não achei sinopse em lugar algum. Ou no máximo, textos sem qualquer sentido onde absolutamente nada pode ser considerado como uma amostra do enredo. Apenas consta que é uma ficção muito diferente da realidade carioca, e que todos gostariam que fosse verdade... O interessante é que o autor é argentino.
2054 – CONTOS FUTURISTAS, de vários autores. Encontrei algumas sinopses e resenhas que elogiaram muito bem. Todos são de ficção científica. Alguns contos são bizarros e por isso chamam muito a atenção.
Juro que eu queria saber por que diabos esses autores colocam o ano de 2054 como destaque em seus títulos e enredos. Em RIO 2054 de Lourenço, ao menos isso nós sabemos...
Curiosidade: comprei esse livro por R$ 6,90 e frete grátis na Saraiva e um mês depois meu irmão recebeu um exemplar do autor para resenhar. Pois bem, fiz a minha resenha primeiro. ^_^
site: https://www.facebook.com/pages/L-L-Santos/254579094626804