Lista de Livros 11/11/2022
Lista de Livros: De pernas pro ar: a escola do mundo ao avesso, de Eduardo Galeano
Parte I:
“O medo do meio: o piso range sob os pés, já não há garantias, a estabilidade é instável, evaporam-se os empregos, esfuma-se o dinheiro, chegar ao fim do mês é uma façanha. Bem-vinda, classe média, saúda um cartaz na entrada de um dos bairros mais miseráveis de Buenos Aires. A classe média continua vivendo num estado de impostura, fingindo que cumpre as leis e acredita nelas e simulando ter mais do que tem, mas nunca lhe foi tão difícil cumprir esta abnegada tradição. Está asfixiada pelas dívidas e paralisada pelo pânico, e no pânico cria seus filhos. Pânico de viver, pânico de empobrecer; pânico de perder o emprego, o carro, a casa, as coisas, pânico de não chegar a ter o que se deve ter para chegar a ser. No clamor coletivo pela segurança pública, ameaçada pelos monstros do delito que espreitam, é a classe média que grita mais alto. Defende a ordem como se fosse sua proprietária, embora seja apenas uma inquilina atropelada pelo preço do aluguel e pela ameaça de despejo.”
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Parte II:
“A justiça é como as serpentes: só morde os descalços. (Monsenhor Óscar Arnulfo Romero, Arcebispo de San Salvador, assassinado em 1980)”
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“Muitos dos grandes negócios promovem o crime e do crime vivem. Nunca houve tanta concentração de recursos econômicos e conhecimentos científicos e tecnológicos dedicados à produção da morte. Os países que mais vendem armas no mundo são os mesmos que têm a seu cargo a paz mundial. Felizmente para eles, se a ameaça à paz está diminuindo e já se afastam suas nuvens negras, o mercado da guerra se recupera e oferece promissoras perspectivas de carneações rentáveis. As fábricas de armas trabalham tanto quanto as fábricas que fazem inimigos na medida de suas necessidades.”
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Parte III:
“Os donos do mundo usam o mundo como se ele fosse descartável: uma mercadoria de vida efêmera, que se esgota como se esgotam, logo depois de aparecer, as imagens que a televisão dispara como uma metralha, e como se esgotam também as modas e os ídolos que a publicidade, sem trégua, lança no mercado. Mas para que mundo vamos nos mudar? Estamos todos obrigados a acreditar na história de que Deus vendeu o planeta a umas quantas empresas porque, estando de mau humor, resolveu privatizar o universo? A sociedade de consumo é uma arapuca para bobos. Os que puxam os cordéis fingem ignorar, mas qualquer um que tenha olhos pode ver que a grande maioria das pessoas consome necessariamente pouco, pouquinho ou nada, para que se garanta a existência da pouca natureza que nos resta. A injustiça social não é um erro a corrigir, um defeito a superar: é uma necessidade essencial. Não há natureza capaz de alimentar um shopping center do tamanho do planeta.
Os presidentes dos países do sul que prometem o ingresso no Primeiro Mundo – um passe de mágica que nos transformará em prósperos membros do reino do esbanjamento – deveriam ser processados por fraude e por apologia do crime. Por fraude, porque prometem o impossível. Se todos consumíssemos como consomem os espremedores do mundo, ficaríamos sem mundo. E por apologia do crime: este modelo de vida que nos é oferecido como um grande orgasmo da vida, estes delírios de consumo que dizem ser a chave da felicidade, estão adoecendo nosso corpo, envenenando nossa alma e nos deixando sem casa: aquela casa que o mundo quis ser quando ainda não era.”
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