jota 31/08/2015Reforma ortographica...Cerca de quase cem anos atrás Curitiba comportava uma população de pouco mais de 70.000 habitantes. Seus periódicos noticiavam outro tipo de problema, que não se ligava à corrupção como hoje em dia, mas à gripe espanhola (surto de influenza), que matou muita gente então. Tempo em que a grafia das palavras era rebuscada e anteontem se escrevia "ante-hontem"...
Misturando realidade e ficção, Valêncio Xavier (1933-2008) nos entrega em O Mez da Grippe não apenas uma história daqueles tempos doentios (outubro a dezembro de 1918), este livro que tem a capital do Paraná como um de seus personagens principais, mas mais outros quatro, Maciste no Inferno, O Minotauro, O Mistério da Prostituta Japonesa & Mimi-Nashi-Oichi e 13 Mistérios + O Mistério da Porta Aberta, reunidos pela Companhia das Letras num volume único de 324 páginas.
Especialmente O Mez da Grippe é um texto-montagem, todo construído com fotos, desenhos, cartões-postais, manchetes e ou notícias de jornais da época, um poema erótico (ou poemas eróticos) etc., que de alguma maneira, mas não muito, faz lembrar dos livros de W. G. Sebald (de Austerlitz e outras obras), sem a complexidade (seriedade?) deles.
Não que as semelhanças entre Xavier e Sebald sejam grandes, nada disso, repito. Mas, pelo uso que fazem da iconografia, foi do escritor alemão que me lembrei durante a leitura. Os quatro outros livros também apresentam grafismos mas em pequena escala, uma ou outra foto, um ou outro desenho etc.
Eles tratam de tempos mais próximos de nós e de coisas diversas que a gripe espanhola: crimes, roubos, fantasmas, um homem-macaco chamado João da Silva, truques de mágicos, sexo, prostitutas japonesas e polacas, erotismo etc. Mas não tem nenhum vampiro buscando pescoços de donzelas, que essa criatura em Curitiba é do domínio de Dalton Trevisan, bem entendido.
É prazeroso ler Valêncio Xavier? Não o tempo todo; às vezes acaba sendo muito mais curioso, pois você não sabe o que vai acontecer no próximo livro ou mesmo no próximo parágrafo de uma de suas narrativas. Se será testemunha de um acontecimento insólito, se será apresentado a algum estranho personagem, se a moça que desapareceu no trem-fantasma de um parque de diversões da cidade era também um fantasma ou de carne e osso e assim por diante.
O certo é que este é um livro bastante diferente daqueles que estamos acostumados a ter em mãos normalmente, não apenas na forma, também no conteúdo. As histórias de Valêncio Xavier são originais porque certamente sendo não apenas escritor, igualmente cineasta, roteirista e diretor de tevê, ao criá-las ele não se contentava apenas em usar a linguagem escrita, ia além dela.
Lido entre 25 e 31/08/2015.