CrisVieira~ 28/06/2018Nunca Julgue um Livro pela Capa...Notas sobre A Pousada Rose Harbor
Eu demorei a engrenar esta leitura. Li alguns trechos e me pareceu com 'Querido John' do Nicholas Sparks. Romances sobre forças armadas em geral acabam não conseguindo escapar muito do clichê: um amor que se acaba por causa de uma guerra. Não é do tipo que eu aprecio, mas decidi ler este livro hoje e o terminei em algumas horas. E eis minhas impressões sobre:
1) o livro começa bem mas me entristeceu a visão que a autora tem sobre as mulheres. Elas parecem fortes porém, mantêm percepções sexistas sobre a vida. Um exemplo: uma personagem ficou admirada de um homem utilizar uma caderneta preta por supostamente apenas mulheres usarem este tipo de livro para escrever os telefones dos namorados(?). Bem, eu conheço uma multinacional norte-americana que produz desde ferros de passar roupa até grandes locomotivas que dá a seus funcionários este tipo de caderneta por ser prático de anotar alguma informação em uma reunião. Ou seja, é uma ferramenta comum de auxílio no trabalho.
Então, para que colocar este tipo de comentário, mais que pessoal e sem qualquer utilidade, na boca de uma personagem feminina?
2) outro ponto, e este me doeu e indignou quanto à construção: Uma personagem era gorda. O personagem masculino lembra dela desta forma e demonstra que, como clichê, pensa nela como "uma boa amiga"...
Então, ele a reencontra e ela emagreceu. E ele fica fascinado pela versão magra dela. Há um trecho de descrição de cena que diz o seguinte: ele "precisa da bondade e da beleza dela". Afinal de contas, para que ele precisa da beleza de uma mulher? É muita falta de sentido esta relação baseada na aparência. Já dizia o ditado "beleza não põe mesa", e não é pré-requisito em absoluto para a felicidade. E pior, a história se desenvolve com ele repetindo o quanto ela é bela, por ser magra.
Bem, vivemos em uma sociedade que despreza pessoas acima do peso ideal, que as humilha e desmerece pela aparência física. Então, criar uma personagem que APENAS se torna o objeto de interesse do personagem masculino DEPOIS dela emagrecer (e isto não é algo fácil ou simples de se fazer) é gritar aos quatro ventos que mulheres gordas não terão finais felizes se não perderem peso.
É horrível ler cada cena em que ela é lembrada do peso anterior e festejada por tê-lo perdido, como se fosse intrínseco à sua existência. Sendo que ela perdeu apenas por motivo estético. Não há menção de doença ou algo do tipo que a motive a ser tão radical consigo mesma.
Eu me senti enjoada em ler esta completa falta de sensibilidade para com mulheres que não se encaixam no padrão que a sociedade exige. Era para ser um livro belo, mas a autora criou um panfleto gordofóbico triste e dispensável. Empresas de estética e clínicas de emagrecimento agradecem pela publicidade. ;)
E me pergunto se seria terrível se ela continuasse com seu peso (como por exemplo, a atriz Melissa McCarthy que é linda sendo quem é) e ele a aceitasse como era e a amasse e repetisse inúmeras vezes para ela o quanto era uma bela mulher exatamente como era. Já pensaram que lindo seria este romance sem ninguém deixando de ser quem é, e sentindo-se feliz e confiante com isto?
Doeria criar isto, Macomber?
Doeria quebrar este paradigma que leva tantas mulheres a ter baixa auto-estima e depressão?
Doeria?...
3) outro ponto que me alarmou foi a questão do rapaz que sofria abusos quando criança. Debbie Macomber colocou frases que abonavam o agressor, como quando o rapaz não contava para sua progenitora sobre o abuso. Parecendo que o filho, uma criança, a protegia de saber que o marido era um canalha que o agredia. Eu me senti horrorizada com esta condescendência da autora porque a personagem que ela criou (e que deveria ser racional e dizer ao rapaz que crianças devem, sim, denunciar a um dos pais o que sofrem) simplesmente disse que o rapaz quando criança tinha sido sábio(?) ao NÃO contar o que passava para preservar a felicidade da mãe.
Mas foi chocante ler isto porque é o silêncio que leva inúmeras crianças a sofrerem violência pelo mundo afora. E ao invés de denunciar este erro, explicando que os filhos pequenos são responsabilidade dos pais (e não o contrário!) e que seu cuidado e proteção deve SEMPRE vir antes dos desejos pessoais dos pais, a autora preferiu fingir que isto não acontece.
O número de casos de abuso infantil apenas cresce no mundo, sendo que os Estados Unidos têm um dos piores índices de abuso infantil do mundo desenvolvido.
Um exemplo externo ao livro: Eu vi no IG uma reportagem sobre uma criança de quatro anos de idade que acreditava que seu nome era 'Idiota', porque era apenas disso que era chamada. Os pais, felizmente, foram enquadrados por abuso infantil na Justiça.
Mas há quem vá argumentar que é apenas uma ficção, um inocente faz-de-conta. E eu respondo que não é porque é "de mentirinha" que um/a formador/a de opinião - como um/a escritor/a - trabalhe, ainda que involuntariamente, para ocultar algo tão grave apenas porque o enredo não prosseguiria se o rapaz no livro entendesse que foi uma vítima de abuso infantil. Quem leu o livro sabe que as atitudes dele seriam bem diferentes do que as criadas pela autora se ele entendesse racionalmente o que vivenciara.
Mas eu sei o que a autora planejava antes do livro terminar, e considero falta de consciência moral preferir criar um livro cheio de romantização sobre assuntos sérios que venda do que produzir uma história escrupulosa sobre um drama terrível como a violência doméstica o é.
As história segue os dramas até o fim. Acontece alguns eventos sobrenaturais dispensáveis, entre outras coisas. Deu um razoável final para uma das histórias (apesar de que foi rápido demais o desfecho) e se encerrou de uma forma que me entristeceu, porque percebi que é uma série de livros e não apenas um.
E apesar de eu gostar bastante de continuações, exatamente por haver uma, não vejo lógica em não criar um desfecho objetivo ou ao menos instigante para que se interesse em ler o próximo.
Por isso, dou uma estrela pela ousadia em escrever este livro e mais uma pelo cachorro. Porque eles sempre salvam um enredo do completo naufrágio.