Maravilhas do Conto Japonês

Maravilhas do Conto Japonês Antônio Nojiri



Resenhas - Maravilhas do Conto Japonês


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Henrique Fendrich 18/11/2018

A edição japonesa da maravilhosa coleção “Maravilhas do Conto” é uma delícia. O livro é dividido em duas partes, uma com os contos “tradicionais” e outras com os “modernos” (isto é, o que era moderno em 1962), e ambas são excepcionais.

Na parte tradicional há, evidentemente, certo elemento místico, mas, sobretudo, um latente ingrediente poético, às vezes por meio de versos mesmo, introduzidos ao longo da narrativa. Os destaques ficam por conta do já citado “A princesa que amava insetos”, uma ousada e inesperada defesa da individualidade face à tradição e à sociedade, e “O tambor chinês”, conto de Ibara Saikaku, escritor que viveu nos anos 1600 e que, para alguns entusiastas exagerados, é melhor até que o Maupassant.

A julgar por esse conto, não é para tanto, mas sem dúvida deve ser um escritor de muitos méritos. A história em questão aborda um drama familiar de pequenos tecelões, e que chega a tal ponto em que se cogita o suicídio coletivo de toda a família. A maneira inusitada pela qual se resolveu o problema da família encerra certos interessantes ensinamentos morais.

O primeiro dos contos modernos é o belíssimo “Pássaros na primavera”, de Doppo Kunikida, um sensível e poético conto que trata da trágica história de uma criança com deficiência mental.

“Até Abashiri”, de Nayoa Shiga, apresenta uma situação cotidiana, isto é, um encontro no trem, mas que ressalta o heroísmo de certas mulheres.

“Tatuagem”, de Junitshiro Tanizaki, é um daqueles contos em que o sensualismo feminino, que dizem ser forte na literatura japonesa, se faz presente.


“A profissão de salva-vidas” é um conto fantástico escrito por Kan Kikutchi. Diz respeito a uma velha que se especializou em resgatar suicidas que pulavam de uma ponte. A história escapa do senso comum que se esperaria de semelhante trama. O grande problema do conto é o início, espécie de “nariz de cera”, com ares de ensaio, em que o escritor discute a respeito do suicídio. Acho que o conto seria perfeito se essa parte inicial fosse consideravelmente abreviada. Mas é, sem dúvida, um grande momento do livro.

Há dois contos nesse livro em que os escritores fazem um grande exercício literário, qual seja, o de contar a mesma história sob múltiplos pontos de vista, conforme o personagem. É o caso de “Dentro do bosque”, de Ryonossuke Akutagawa, e de “A espingarda”, de Yasushi Inoue. Os dois resultados foram muito bons. No caso do conto de Inoue, existe uma dimensão psicológica que eu chamaria de “russa”, o que, por si só, já é um elogio.

“Tempo”, de Riichi Yokomitsu, é um excepcional “thriller”, muito bem contado e conduzido. “Professor vento”, de Ango Sakagutchi, é um dos momentos que mais apreciei no livro. Trata-se de um conto surrealista que me lembrou daquilo que o Campos de Carvalho fez aqui por nossas terras. Um conto muito ágil que se lê avidamente e se termina rindo – mas não ignorando que há muito mais ali do que o humor.

Em seguida vem o formidável conto de Osamu Dazai, “A denúncia”, que já elogiei aqui. O conto todo é a fala de Judas Iscariotes no momento em que foi entregar Jesus às autoridades. E Judas aparece ali como um homem apaixonado por Jesus, ciumento da atenção que ele dava às mulheres e rancoroso por não receber dele nenhuma manifestação de afeto. Ainda por cima, o Judas do conto sequer acreditava na mensagem de Jesus.
O melhor conto do livro, na minha visão, e também um dos melhores que li no ano.

“Corrida de cavalos”, de Sakunossuke Oda, também é interessante, assim como “Ternuras que fenecem”, de Saisse Murou, sobre uma mulher que persegue um homem por não aceitar o fim do seu relacionamento.

Em suma, há muitas peças formidáveis nesse incrível livro.
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