Queria Estar Lendo 04/04/2018
Resenha: A Tenda Vermelha
A Tenda Vermelha é um romance altamente elogiado. Foi escrito pela autora Anita Diamant e relançado aqui pela Editora Verus - que cedeu o exemplar para resenha. Conta a história de uma mulher silenciada pela Bíblia, uma das muitas figuras femininas que se perdeu nos escritos conduzidos por homens.
Dinah é uma personagem secundária nos textos do Gênesis. Sua única participação, inclusive, se dá em um trecho chamado "o estupro de Dinah" - que muitos estudiosos da Bíblia consideram difícil de ser comentado. Este livro é um relato lúcido e realístico do que seria dar voz a essa personagem que, aos textos sagrados, existiu durante uma cena de violência e desapareceu em seguida, apagada pelos nomes dos homens ao seu redor. É a voz de dezenas de outras mulheres - mães, esposas, filhas, amigas.
"Na tenda vermelha, as mulheres dão graças; pelo repouso e pela recuperação, por saber que a vida vem de dentro de ós, surge entre nossas pernas, e que a vida custa sangue."
Eu tinha grandes expectativas quanto a essa leitura e todas elas foram alcançadas. A Tenda Vermelha é um livro arrastado, de narrativa bem detalhista, mas dá tanto destaque às suas mulheres, tanta vida, que é impossível deixar de lado enquanto você não terminar de ler. Anita sabe como contar a história daquelas que foram esquecidas; Dinah, principalmente, é uma figura marcante. Tem voz mesmo antes de nascer, através de relatos de histórias que foram passadas à ela depois de seu nascimento.
A família da qual ela faz parte é composta por muitas mulheres. Lia, Raquel, Bilah, Zilpah são todas esposas de Jacó, seu pai. Lia é mãe de Dinah, mas todas as outras são suas mães também. Em cada uma delas, Dinah encontra diferentes tipos de força para se espelhar. Essas quatro mulheres ensinaram tudo à garota sobre deuses e sobre seu corpo, sobre as coisas que podia alcançar, sobre os sonhos que podia interpretar.
A irmandade criada entre elas, a ligação inquebrável construída através de confiança, amor e dedicação, é tudo tão bem escrito que chega a emocionar. Dinah tem nessas mulheres suas figuras de inspiração, modelos a serem seguidos, mas também pessoas que cometem erros, dão passos em falso; mulheres frágeis tal qual são extremamente poderosas. Lia, Raquel, Bilah e Zilpah têm suas histórias entrelaçadas por serem as esposas de um único homem, mas acima disso por serem irmãs e por estarem conectadas de coração e alma umas as outras.
"Quanto mais detalhes sobre a vida da mãe a filha parece conhecer, mais forte é essa filha."
O mais interessante em toda obra, a meu ver, é a humanidade de suas personagens femininas. As histórias de Jacó - filho de Isaac, que é filho de Abraão -, são conhecidas mesmo pelos mais leigos em questões religiosas. As mulheres à sombra desses homens, no entanto, são de um desconhecimento de dar dó. Havia muitas delas e foram esquecidas.
O The Boston Globe escreveu que "se a Bíblia tivesse sido escrita por mulheres, seria exatamente como este livro" e é apenas uma verdade. Anita descreve tudo em seus pormenores, constrói as ligações familiares entre personagens, dá vida à família através das mulheres que fazem parte dela. Dinah é o ponto central e, com a protagonista, tudo se desenvolve.
"No espaço de tempo de uma tarde, ela se tornara uma força dos deuses, como uma tempestade ou um incêndio na floresta."
Mesmo depois de afastada da família, sozinha à própria sorte, assombrada por tragédias causadas por aqueles a quem mais amava, Dinah encontra forças para se reconstruir. Sua história é dividida em três partes, e são três momentos importantes - seu nascimento, seu crescimento e por fim sua ascensão como mulher.
"- Moça de sorte, olhe só que trono real de irmãs você tem."
A conexão com os deuses e com quem ela é, a força que Dinah encontra na natureza e no que faz dela mulher, suas reações às injustiças e à crueldade do mundo para com seu gênero, tudo isso é muito bem explorado e enriquecido por essa trama tão simples e tão fervorosa.
Temos muito do seu desenvolvimento como parteira - e aqui vem o ponto mais elucidado pelo livro, uma vez que Dinah convive com parteiras, que viveu toda sua infância na tenda vermelha (lugar para onde as mulheres se retiravam durante os dias em que estavam menstruadas, para se conectar com a deusa e oferecer os agradecimentos pela renovação do ciclo de vida); a protagonista aprende a entender a vida, toda a jornada desde a concepção até a morte.
A conexão das personagens com sua feminilidade, com o misticismo e com a força em nascer como nasceram é muito pontuado pela obra. Não existe vergonha, não existe receio; as mulheres são fortes porque são mulheres e ponto final. É ainda mais fascinante de se entender quando vemos a maneira com que os personagens masculinos começam a reagir a essa liberdade, temendo que as mulheres se encontrem dentro delas mesmas. É aquela famosa fragilidade masculina, sabe como é...
A edição da Verus está impecável e, além de uma obra linda, seu conteúdo é absurdamente fascinante. A história, inclusive, foi adaptada em uma minissérie e está disponível na Netflix para quem quiser assistir!
"O Egito apreciava a flor de lótus porque sua flor nunca morre. Também é assim com as pessoas que são amadas. Basta algo insignificante como um som, um nome para trazer de volta os incontáveis sorrisos e lágrimas, suspiros e sonhos de uma vida humana."
A Tenda Vermelha é um livro interessante para quem quer saber mais sobre figuras femininas esquecidas pelo passado - como a História tanto gosta de fazer com nossas mulheres.
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