Christiane 24/07/2021
Brilhante! é o mínimo que se pode dizer a respeito deste livro de Keilson, que foi publicado pela primeira vez em 1959 e depois foi esquecido até ser resgatado e considerado obra prima, o que de fato é.
A narrativa nos oculta nomes, lugares e anos, porém é rapidamente reconhecível seu contexto e sua alusão à Segunda Guerra, o antissemitismo, Hitler e os judeus e nos remete facilmente a outros totalitarismos, mas o brilhante na obra não é esta camuflagem, mas sim a visão que Keilson tem sobre o humano e de como reage ao mal e ao inimigo. Poderia também ser lido como uma alegoria do que se passa dentro de um único indivíduo que se depara com um inimigo interno, e eis toda a beleza do livro e sua riqueza.
O narrador está fascinado pelo seu inimigo, sem perceber que está com medo, muito medo dele. Aos poucos vai se projetando nele e ao mesmo tempo o introjeta.
"Você vê nele apenas o agressor, aquele que nos ameaça. Mas isso é enxergar apenas um lado. É superestimá-lo."
Aos poucos vai se desvendando a alma humana diante do inimigo e vice versa, ou seja, um não existe sem o outro, pois destruir o agressor significa também uma perda, ele leva uma parte de nós junto com ele. Sua morte significaria a minha destruição, não posso viver sem ele nos diz o narrador. A partir do momento em que o inimigo faz parte, e o introjetamos, ou nos identificamos com ele, retirá-lo é o mesmo que tirar uma parte de nós, e vai ficar um vazio, é uma perda. O inimigo é a razão de viver, para ambos os lados, que procede da vontade de sofrer, do gozo da dor, do qual é difícil se libertar.
"Mas quem há de romper a solidariedade veladamente estabelecida entre perseguidor e perseguido?"
Transformamos em inimigo tudo aquilo que não podemos combater em nós mesmos. E é isto que temos em nós que se transforma no inimigo, nós o mantemos vivos. Por isto o narrador precisa ficar no local por onde ele passará, para se convencer de que ele existia de fato, pois ele ganhou vida graças a fantasia, algo criado dentro de nós, para onde se dirigem nosso ódio, medo e também afeição. Só há um modo de se libertar, matando-o, mas dentro de si mesmo, quando reconhecemos finalmente o medo que sentimos, ou então, seremos como alces, que não conseguem viver sem os lobos, pois são estes que os fazem viver, e que não conseguem perceber que os lobos também são mortais.
Fazia tempo que não encontrava um livro como este.