Luciana 25/06/2023PoéticoA escrita poética e sofisticada de Maria Valéria Rezende é fluida e intensa, envolve o leitor ao narrar o encontro de duas pessoas invisibilizadas na sociedade. A autora faz da sua criação literária um claro diálogo entre Sherazade e Dom Quixote. Aqui, a prostituta Irene conhece o pedreiro Rosálio e seus encontros são momentos de muito carinho e companheirismo.
Rosálio tem o sonho de aprender a ler e escrever e, depois de muitas andanças à procura de alguém que pudesse ajudá-lo, conhece Irene, que ensina de pouquinho em pouquinho, em troca das histórias que Rosálio narra com gosto para ela.
Todos os capítulos são nomeados com cores, e o cotidiano cinza de Rosálio ganha mais vida em tons encarnados logo no primeiro capítulo, ao conhecer Irene. Ele tinha muitas histórias para contar, mas o cinza dos prédios e ruas, a correria urbanizada, não permitiam que ele encontrasse alguém que parasse para ouvi-lo. Irene, por sua vez, queria uma companhia.
Ensiná-lo a ler e a escrever foi um processo lento e demorado, pois Irene queria que ele voltasse sempre. Aos modos de Sherazade (em mil e uma noites): no dia seguinte continuamos, estarei te esperando. E Rosálio voltava com mais histórias, tal qual Dom Quixote, para colorir a vida de Irene.
E nas histórias contadas há uma descoberta sobre como foi a vida sofrida de Rosálio, os trabalhos pesados por onde passou e muitos análogo a escravidão, que conseguiu escapar de cada um, até chegar na cidade grande. Irene também tem um passado doloroso e conhecemos um pouquinho das dores de cada um.
Um livro com uma prosa incrível ao usar muito do vocabulário brasileiro, a cultura popular, as expressões regionalistas e, com tudo costurado, tecendo um texto belíssimo.