spoiler visualizarMarcos 19/08/2023
Um machimbombo em meio a guerra
Terra sonâmbula é um romance do escritor moçambicano Mia Couto. Um romance do período de pós-independência que se enquadra no realismo mágico. Escrito em prosa lírica, Terra Sonâmbula é o primeiro romance do autor e também o mais conhecido.
Muidinga é um menino que sofre amnésia e é resgatado por Tuahir, um velho que passa seu tempo ensinando a Muidinga tudo sobre o mundo. Eles saíram do campo de deslocados e estão fugindo dos conflitos da Guerra Civil em Moçambique.
Um machimbombo incendiado vira o abrigo dos dois. O veículo está cheio de corpos carbonizados. Na beira da estrada, havia outro corpo, junto a este, o menino encontra os ?cadernos de Kindzu?, o diário de sujeito oprimido pela guerra. O Kindzu conta sobre seu pai que sofria de sonambulismo e alcoolismo. Além disso, Kindzu menciona sobre os problemas da falta de recursos que sua família sofria, a morte de seu pai, a perda do irmão, a relação carnal que tem com Farida e o início da guerra. Kindzu vai relatando em seu diário momentos de sua vida, assim como, eventos sobrenaturais que acontecem durante seus relatos.
Através da leitura dos cadernos, duas histórias são narradas paralelamente: a viagem de Tuahir e Muidinga e, em flashbacks, o percurso de Kindzu em busca dos Naparamas, guerreiros tradicionais, abençoados pelos feiticeiros, que parecem ser, a única esperança contra os senhores da guerra.
Ao longo de suas jornadas paralelas, Muidinga e Kindzu passam por muitas dificuldades como a fome, a sede, a morte de amigos e a perda de familiares. Muidinga busca por sua família, sua origem; já Kindzu inicialmente quer tornar-se um naparama, mas depois que se apaixona por Farida promete buscar também pelo filho perdido da amada, o Gaspar. Entre os horrores da guerra e os mistérios dos mundo. Ambos chegam ao término de suas jornadas.
No último caderno, é narrado o momento em que Kindzu encontra um machimbombo (ônibus) queimado e chega a ver um menino com seus escritos na mão, o filho de Farida, Gaspar. Então, Kindzu morre.
Àquela imagem seria a verdade? Ou seria uma alucinação de Kindzu, ou mesmo do Muidinga (o leitor)? Ambos sobreviviam perambulando em uma terra contaminada pela violência, por mortes, em um país sem paz, numa terra sonâmbula.
Terra Sonâmbula não é focada em abordar sobre a guerra, no entanto, ela está presente e apresentando suas consequências. Moçambique é retratada de maneira crua e permeada por tradições e crenças, enriquecendo a narrativa com o elemento fantástico, os eventos sobrenaturais. A escrita de Mia Couto é poética, cheia de neologismos, mas é de fácil compreensão. O autor consegue envolver o leitor em um universo onírico, carregado com a cruel realidade que traz um país em guerra. As personagens são bem elaboradas, com seus dramas existências e a persistente vontade de libertação daquele terrível cenário.
Terra Sonâmbula é um romance de perdas, as personagens vivem fugindo de sua maçante realidade. Apesar de lírico, não é um romance leve. A narrativa faz denúncia, traz incômodo, se faz necessária na mente do leitor, que a todo o instante sente a angústia de um povo que não consegue descansar tranquilamente em sua própria terra-natal.