Krishna.Nunes 12/02/2024Uma nação em busca do despertarNo final do século XX, Moçambique era como o título desse livro: uma terra sonâmbula. Recém independente do seu colonizador europeu e mergulhado numa guerra civil, era uma nação fragmentada, com muitas culturas e muitos idiomas, que tentava despertar de um estado de dormência.
Fugindo dos constantes ataques de bandos paramilitares que disputavam o poder no país, o velho Tuahir e Muidinga, um garoto que foi salvo da morte, encontram abrigo num ônibus carbonizado à beira da estrada. Ao lado do ônibus estava o corpo de um homem que não morrera no incêndio, mas a tiros. E junto a ele havia uma mala contendo cadernos com os relatos de suas viagens. É através deles que conhecemos o terceiro protagonista, Kindzu, em sua busca para se tornar um guerreiro espiritual e tentar acabar com a guerra.
O livro entrelaça assim duas narrativas que, de maneira dramática e comovente, apresentam ao leitor um cenário de violência e devastação, mas abrigam histórias de amor, magia e esperança. A jornada dos protagonistas é uma experiência intensa de questionamento do ser humano e de si mesmos, enquanto buscam a conexão com as complexidades do mundo ao redor. O conceito de que a terra tem vida e que a estrada se move enquanto os personagens, meros passageiros, estão dormindo, é uma poderosa metáfora. Com sua linguagem inovadora, o texto explora essa relação entre homem e natureza como forma de evidenciar a brevidade das vidas humanas face à obstinação do mundo.
Diante da ameaça da fome e da violência, os diários de Kindzu são como uma fuga da realidade para o menino e o idoso. Um sopro de esperança em que as lendas, a cultura, as línguas e a literatura do seu povo vêm resgatar aquelas duas mentes das lutas do dia-a-dia. A narrativa se desenrola numa corrente sublime, que se vale de lirismo e muita delicadeza para, no final, unir as duas histórias num único fluxo que transforma passado, futuro e onírico em uma só entidade.
Páginas que se transformam em terra e sonhos que se convertem em realidade vão amalgamar Tuahir, Muidinga e Kindzu ao infinito de força e magia que tentarão acordar o país de seu estado de sonambulismo.