A Varanda do Frangipani

A Varanda do Frangipani Mia Couto




Resenhas - A Varanda do Frangipani


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regifreitas 23/12/2019

A VARANDA DO FRANGIPANI (1996), de Mia Couto.

Mia Couto é, indubitavelmente, uma das vozes mais relevantes da atual literatura em língua portuguesa. Seu romance de estreia, TERRA SONÂMBULA (1992), foi eleito um dos livros africanos mais importantes do século XX. Já este, que é o seu segundo romance, só veio confirmar e sedimentar seu nome entre os principais autores contemporâneos.

Muitos anos após a independência de Moçambique de Portugal, acompanhamos os passos do inspetor de polícia Izidine Naíta, na investigação de um possível assassinato, na remota Fortaleza de São Nicolau. No presente da narrativa, essa fortaleza havia se transformado em um asilo de velhos, sendo justamente seu diretor, Vasto Excelêncio, encontrado morto em circunstâncias suspeitas.

Múltiplos narradores nos conduzem por um enredo no qual predomina a prosa poética calcada na oralidade, característica marcante da literatura de Mia Couto, além de elementos típicos do realismo mágico. Travestido de romance policial, o autor, ao mesmo tempo que se apropria, subverte as regras do gênero - a identidade do assassino não é o mais importante aqui, mas o caminho percorrido pelo inspetor Naíta (símbolo do estrangeiro) que, ao revelar a verdade sobre aqueles velhos (símbolos da cultura local) e sobre aquele lugar, acaba descobrindo mais sobre si mesmo.

A obra de Mia Couto é a grande metáfora de um país que, após anos de colonialismo, tenta se firmar como nação, sem deixar de lado suas tradições, seu passado e seus mitos ancestrais, constantemente ameaçados pela modernidade.

Leitura que concluiu o Desafio Viaggiando: um livro sobre colonialismo.
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Andreia Santana 15/11/2019

Delicado como uma flor e forte feito um vendaval
A alma se parte em duas de tanta beleza e tanta tristeza com a leitura de A varanda do frangipani, romance de Mia Couto ambientado no período logo depois da independência de Moçambique, a terra natal do autor. O cenário é a fortaleza de São Nicolau, onde funciona um asilo de idosos.

Quem narra a história é o ‘xipoco’ (espírito) do carpinteiro Ermelindo Mucanga, que é incomodado em sua cova improvisada embaixo de um pé de frangipani plantado nas terras da fortaleza. Ermelindo trabalhava em reparos na construção antes de ser morto. Ele se ressente de não ter sido enterrado com os ritos fúnebres adequados, daí ser um fantasma preso à terra.

Agora, o corpo de Mucanga está prestes a ser desenterrado porque o governo decidiu que o anônimo trabalhador será transformado em herói da pátria. Em um país que foi colônia portuguesa por séculos e ainda reunia os cacos após a longa guerra civil que sucedeu ao processo de Independência, era preciso construir uma identidade nacional.

Como não deseja homenagens e heroísmos, é aconselhado por um ‘halakavuma’ (nome moçambicano para o pangolim, um tipo de mamífero com carapaça dura, que vive na África e Ásia, e se parece com uma mistura de tamanduá com tatu gigante) a entrar no corpo de outra pessoa que está prestes a morrer, para que então possa ‘re-morrer’ e assim ter um enterro digno e o descanso eterno.

Ermelindo possui o corpo do policial Izidine Naíta, que chega de Maputo para investigar a morte de Vasto Excelência, diretor do asilo e ex-soldado durante os anos da guerra. Os capítulos do livro entrelaçam a investigação de Naíta no asilo, onde ele colhe os depoimentos dos idosos, com as digressões do espírito de Mucanga dentro do corpo do policial.

Os depoimentos dos velhos servem para relembrar não só os fatos sobre a misteriosa morte de Vasto Excelêncio e os tempos da guerra, mas também as tradições perdidas, as crenças locais em deuses, elementos e no halakavuma como mensageiro dos céus, na sabedoria dos idosos, nos poderes das mulheres, que amedrontam e fascinam.

As personagens femininas são preciosas nesse livro, com suas dores e resiliência. A feiticeira Nãozinha, a enfermeira do asilo Marta Gima e a mulher de Excelêncio, Ernestina, cativam o leitor por suas histórias trágicas e pela dignidade com que enfrentam os dissabores do destino.

A escrita poética e onírica de Mia Couto, a reverência com a história de seu país e com as pessoas que nele vivem e seus conhecimentos sobre a natureza (Mia é biólogo de formação) transformam esse pequeno romance - são 152 páginas - em uma joia da literatura contemporânea. A varanda do frangipani é terno e delicado como flores, mas tem a força de um vendaval...

Ficha Técnica:

A varanda do frangipani

Autor: Mia Couto

Editora: Companhia das Letras

152 páginas

*R$ a partir de 19,00 (capa comum) e R$ 22,33 (kindle)

*Pesquisado em 12/11/2019 na Amazon


site: https://mardehistorias.wordpress.com/
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Edison 05/01/2019

Universo de Mia
Mia Couto desenha um universo poético ligando a história de sua terra pela pele dos idosos de um asilo, através de uma investigação policial com elementos fantásticos.
Vale a pena mergulhar neste mundo e sorver a falas dos personagens, que em delírio tratam da natureza humana.
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Núbia Esther 26/07/2017

Dar início ao projeto de leitura “Volta ao mundo em 198 livros” foi o incentivo que faltava para que eu finalmente começasse a ter contato com obras de autores que há muito queria ler e vivia protelando. Foi assim, que finalmente peguei um Mia Couto para ler. Nem foi um de seus romances mais conhecidos, – comprei esse em uma promoção e não quis comprar outro até tirar a prova dos nove – mas, mesmo o menos aclamado “A Varanda do Frangipani” foi suficiente para me encantar pela forma de Mia contar suas histórias. Definitivamente é um autor que quero manter na minha estante e conhecer mais a fundo suas obras. Depois desta leitura, minha lista de livros desejados aumentou substancialmente.

O início dessa história nos apresenta Ermelindo Mucanga. Ele que faleceu há quase duas décadas, às vésperas da Independência de Moçambique (25 de junho de 1975), não teve um enterro direito. Ao morrer longe de sua terra natal, não teve cerimônia fúnebre e se tornou um xipoco, uma espécie de fantasma, ainda que tenha se guardado à prisão de sua cova, à sombra de uma árvore de Frangipani na fortaleza de São Nicolau onde estava trabalhando. Talvez tivesse permanecido um “xipoco adormecido” em seu arremedo de descanso eterno, se os governantes não tivessem decidido fazer dele um herói nacional e para isso fuçarem em seus restos mortais. Isso pouco lhe agrada e tal disparidade precisa ser impedida. Ele então segue o conselho do seu guia espiritual, o pangolim, e encarna no inspetor policial Izidine Naíta.

Naíta chegou à fortaleza de São Nicolau para investigar o assassinato do diretor do asilo. E ali encontra um peculiar grupo de anciãos, que mais do que lhe clarearem as ideias e facilitarem sua investigação, o fazem é dificultar. E são eles, mais do que Naíta ou Mucanga, que nos prendem a atenção. Como não se encantar, rir, maldizer ou prantear as histórias de Navaia Caetano, do velho português Domingos Mourão, do desembaraçado Nhonhoso e da feiticeira Nãozinha? É com eles que muito da história moçambicana permeia as páginas, não a dos livros e datas, mas a popular, aquela que vai se perdendo na oralidade emudecida.

“- Olhe para estes velhos, inspector. Eles todos estão morrendo.

– Faz parte do destino de qualquer um de nós.

– Mas não assim, o senhor entende? Estes velhos não são apenas pessoas.

– São o quê, então?

– São guardiões de um mundo. É todo esse mundo que está sendo morto.

– Desculpe, mas isso, para mim, é filosofia. Eu sou um simples polícia.

– O verdadeiro crime que está a ser cometido aqui é que estão a matar o antigamente…

– Continuo sem entender.

– Estão a matar as últimas raízes que poderão impedir que fiquemos como o senhor…

– Como eu?

– Sim, senhor inspector. Gente sem história, gente que vive por imitação. ” (Página 57)

São duas tramas que seguem entremeadas a prender a atenção do leitor: Ermelindo Mucanga conseguirá seu descanso afinal? Sem precisar se tornar o herói que ele nunca foi ou desejou ser? Izidino Naíta descobrirá que matou o diretor Vasto e porquê? Sem perder a vida no processo, ainda que esse seja o seu futuro predestinado? (Culpem o pangolim de Mucanga pelo ‘spoiler’ prematuro).

É assim que Mia nos entrega um romance que não é exatamente investigativo, mas que abarca elementos fantásticos e transpira os resquícios da tradição moçambicana que perduraram ao longo dos anos de colônia e guerra civil. O olhar sobre o Moçambique que ele nos permite é restrito. Assim como Mucanga, estamos presos a essa ilha, mas o vislumbre é suficiente para nos fazer querer enveredar-nos novamente por essa varanda sobre o Índico.

[Blablabla Aleatório]

site: https://blablablaaleatorio.com/2017/04/22/a-varanda-do-frangipani-mia-couto/
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Marcos Pinto 23/01/2017

Poético
Quando ganhei A Varanda do Frangipani de presente da Susan, minha namorada, tive certeza que teria uma ótima experiência literária e comecei a lê-lo quase que imediatamente. O motivo é simples: Mia Couto é um autor que consegue tocar nos cantos mais profundos da alma humana. Ao terminar a leitura, tive novamente a certeza de que a obra era genial. O motivo? Conto-lhe abaixo.

Ermelindo está morto. Ele morreu um pouco antes da independência do Moçambique. Porém, como ele não foi enterrado como deveria, tornou-se um “xipoco”, um tipo de espírito que não seguiu seu caminho natural após a morte. Ele vive sob a árvore de Frangipani em S. Nicolau, onde funciona um asilo. Um lugar tranquilo para descansar em paz.

Contudo, devido às comemorações da independência e do desejo de autoafirmação do país, Ermelindo está preste a virar um herói nacional. Ele, já morto, não fica nada feliz com isso, pois apenas quer descansar sob a árvore de Frangipani, sem qualquer perturbação. Para fugir, então, de ser incomodado uma vez ao ano, ele resolve que quer morrer novamente, dessa vez direito, para que seu espírito possa seguir seu caminho.

“Não fui homem de ideias mas também não sou morto de enrolar língua. Eu tinha que desfazer aquele engano. Caso senão eu nunca mais teria sossego. Se faleci foi para ficar sombra sozinha. Não era para festas, arrombas e tambores. Além disso, um herói é como o santo. Ninguém lhe ama de verdade. Se lembram dele em urgências pessoais e aflições nacionais. Não fui amado enquanto vivo. Dispensava, agora, essa intrujice” (p. 12).

Para morrer uma segunda vez, Ermelindo encarna no inspetor de polícia Izidane Naíta, que chegou ao asilo para investigar o assassinato d o responsável pela instituição. Assim, incorporado no policial, conhecemos tudo sobre o crime ocorrido e também acompanhamos Ermelindo na sua ânsia de morrer corretamente.

Partindo dessa premissa, Mia Couto escreve mais um grandioso livro. Nessa obra, as memórias são as grandes protagonistas: as memórias da pátria, da cultura, do povo. Através de personagens que buscam o seu caminho e seu lugar no mundo, Couto nos apresenta a cultura Moçambicana, dá-nos uma aula de história e apresenta-nos toda a riqueza que esta terra africana guarda.

Disfarçado de romance, com toque de humor, fantasia e de suspense policial, Mia Couto mostra novamente todo o seu potencial com a escrita. O seu narrar é leve, poético, coloquial, fazendo-nos mergulhar num folclore de uma maneira singular. As muitas metáforas que seu texto geram reflexão não somente sobre a dominação e colonização africana, mas também sobre o presente, sobre a nossa realidade. Se para um bom escritor meia poesia basta, para Couto apenas algumas palavras já podem se tornar um Parnaso inteiro.

“O silêncio é que fabrica as janelas por onde o mundo se transparenta” (p. 26).

Além do vasto conteúdo cultural e histórico, o livro também chama a atenção pelos personagens profundos e psicologicamente complexos. As testemunhas e suspeitos do crime cometido são os idosos residentes no asilo. Então, cada depoimento se torna uma metáfora viva, inclusive com confissões de culpa. A história de capa indivíduo se funde de tal maneira com a história da sociedade que fica impossível dizer onde termina um e começa o outro. Assim, os próprios personagens se tornam poéticos e complexos, alimentando a alma do leitor com uma enxurrada de sentimentalismo e saudosismo.

Couto também sabe utilizar muito bem os elementos “mágicos” do enredo, não se prendendo apenas no “xipoco”. Como todo o enredo possui um forte aspecto mitológico, muito do que acontece do livro é explicado, através dos idosos, pela cultura da região, tornando muito mais vívida a experiência leitora. Isso faz com que a obra se torne mais do que uma homenagem a uma pátria que está prestes a ser assassinada, mas uma manifestação viva desta que está para ser esquecida.

A boa experiência do leitor, que começa com o bom enredo, persiste também na parte física do livro. Essa nova edição providenciada pela Companhia das Letras está simplesmente maravilhosa. As cores da capa são expressivas e marcantes, combinando diretamente com o enredo. Ademais, a obra conta com diagramação confortável e uma revisão perfeita, proporcionando uma excelente leitura.

“Entre mil bichos, só o homem é um escutador de silêncios” (p. 28).

Em suma, A Varanda do Frangipani é mais do que uma obra com um fundo histórico, é poesia, cultura e mitologia em prosa, é uma manifestação artística que valoriza aquilo que, muitas vezes, a estrutura social moderna, principalmente a capitalista, ignora. Este livro é um chamado ao passado, uma chamada às origens, um encontro com o tempo onde os velhos eram ouvidos, as crenças eram respeitadas e os sentimentos eram mais do que emoticons em uma rede social. Esse livro é aquele que, após a leitura, você guarda na estante, mas também no coração.

site: http://www.desbravadordemundos.com.br/2017/01/resenha-varanda-do-frangipani.html
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Nélio 14/12/2016

O livro segue a linha dos romances do autor: mesclar a história político-social de Moçambique com a cultura de seu povo que luta por sobreviver, mas que se encontra em franca decadência. O novo está a eliminar o antigamente, conforme registra o autor: “O verdadeiro crime que está a ser cometido aqui é que estão a matar o antigamente.”
A estória narrada gira em torno de um crime ocorrido no agora asilo de São Nicolau e envolve a presença de um “xipoco” que volta à vida no corpo de um policial que chega para investigar o assassinato... Só isso já é garantia de sucesso! Mas o melhor é a forma como o autor entrelaça fatos, questões íntimas, relações amorosas, feitiçaria, racismo etc. sem perder o cuidado com as palavras e a criação poética.
Dos muitos motivos que me faz querer ler mais e mais livros de Mia Couto, neste, em especial, destaco o brilhante trabalho que ele faz com certos recursos narrativos que normalmente não me agradam em outros autores. É o caso das diversas vozes narrativas que vão contanto os fatos. Há o narrador principal que, além de personagem, vai dando voz a outros personagens que passam a narrar parte da estória, sempre retornando à voz do principal narrador. Outros autores bem fazem isso, mas para mim, Mia consegue ser um mestre e me agradar facilmente, o que outros – até aqui – não têm conseguido. Há algo em sua forma de construir o texto que é primoroso, enquanto que em outros eu não vi essa excelência sendo alcançada.
A presença do místico é outro elemento que ele utiliza muito bem. Apesar de possuirmos em nossas raízes um pouco da tradição africana, ele - talvez por ser nativo de um país cujas origens ligadas a esse misticismo sejam tão mais fortes que em nosso jovem país – torna o entrelaçamento entre o místico e o “real” algo tão natural, que tende a nos encantar...
Também merece destaque a abordagem social que ele faz dos idosos que são, infelizmente, deixados de lado não só naquele país, mas em vários outros locais, inclusive aqui no Brasil... Não se pode ler o livro sem notar o quanto que o peso da idade pode ser massacrante...
Mais um livro que vale a pena ser lido e comentado...
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Montoni 02/09/2016

Moçambique
Muito bom o livro, informa de uma maneira alternativa situações que demonstram a cultura de moçambique.
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Felipe 16/06/2015

pior dele...
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DIRCE 07/03/2015

Blá, blá, blá como fonte de energia e de encantamento.
Há momentos em nossas vidas que necessitamos de uma “máscara de oxigênio” e movidos por essa necessidade, jogamos tudo para o alto ( eu e meu marido) e nos ausentamos por uns dias do nosso lar doce lar. Ao chegarmos ao nosso destino, me dirigi a biblioteca e quem é que me recebe? Ele – Mia Couto e o seu “A Varanda do Frangipani”. O Olimpo me sobrou que eu estava diante de uma fonte de oxigênio inesgotável e abri um sorriso que foi de orelha a orelha.
A temática do livro pouco foge às temáticas abordadas por Mia Couto em seus romances: os efeitos desastrosos e devastadores da colonização, da ocidentalização, das guerras, enfim o mesmo blá, blá , blá de sempre. O que? Blá, blá, blá ? E em se tratando de Mia Couto, essa afirmativa é nada mais nada menos que abominável, pois estou falando de um escritor que proporciona ao leitor , em cada obra, experiências únicas e a leitura do “ A Varanda do Frangipani” não foi uma exceção.
Com sua prosa poética - sua característica- e se utilizando de metáforas Mia Couto aborda neste romance o desprezo pelo antigamente e para isso cria um romance com nuance policial que se inicia com Ermelindo Mucanga - um condenado à condição de um fantasma ( um xipoco) por não ter tido um funeral de acordo com as tradições Mucangas - mostrando sua insatisfação diante da sua promoção a herói-póstumo. Para fugir desse seu “destino” Ermelindo se vê obrigado a ocupar o corpo de Izidine Naíta, o inspetor de polícia encarregado de desvendar um crime ocorrido em uma fortaleza que outrora serviu para proteger os portugueses e que foi transformada em um asilo. Ermelindo teria uma breve vida: seis dias, o tempo previsto para desvendar o crime.
Nesses seis dias, Izidine entrevista os asilados e assassinos confessos e, por meio dessas entrevistas , nos deparamos com os dramas de cada asilado e que também é o drama de uma país pós colonial.
A missão do policial era desvendar um crime- o desaparecimento do Vasto Excelêncio-entretanto, também nos é dado constatar que a fortaleza é testemunho de um crime que não é exclusividade de Moçambique – o abandono dos idosos. Há uma passagem que me tocou profundamente : Salufo resolve deixar o asilo , mas para poder contar com o cuidado de parentes é obrigado a mentir – ele diz ser possuidor de bens materiais.
Merecedor de destaque é o título : “A Varanda do Frangipini, pois além de instigador ele tem papel fundamental no destino do Ermelindo e dos asilados. Varanda. no livro, refere-se a Fortaleza de São Nicolau e é uma alusão a Moçambique e Frangipani ,de acordo com o glossário constante do livro, é uma árvore tropical que perde toda folhagem o período de floração. E foi essa árvore , quando no final, reduzida a um tosco esqueleto quem me proporcional uma experiência quase transcendental. Penso que, quando no início do romance, Ermelindo rejeitou a condição de herói, desconhecia ser esse seu carma, pois quando deixou o corpo do seu hospedeiro e correu para salvá-lo , ao meu ver se transformou em um. Sim, Ermelindo foi um herói, desta feita, não um herói por conveniência, por interesse político, mas sim por salvar Izidine e também por reconhecer o quanto foi omisso e o quanto sua vida tinha sido uma farsa. Por sorte, ele teve um segunda chance e soube aproveitá-la, fazendo jus assim, ao seu tranquilo e derradeiro sono, e é a frangipini, que renasceu das cinzas, a sua eterna morada e também a dos seus seguidores.
Não. Não foi o Olimpo que me soprou nos ouvidos que A Varanda do Frangipani seria minha máscara de oxigênio, seria meu combustível. Minha certeza é decorrente das leituras anteriores que fiz dos romances de Mia Couto , uma vez que todas elas me provocaram uma sensação única e praticamente impossível de descrever.
Certa que encontrarei muitos blás, blás, blás em futuras leituras de Mia Couto que me proporcionarão novos encantamentos, encerro aqui esse meu blá, blá, blá.

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Fábio 15/07/2014

A Varanda do Frangipani e os personagens do silêncio*
Mesmo não sendo um livro tão recente, este romance de Mia Couto, publicado em 1996, merece nossa atenção. Afinal, a obra de arte (no caso, literária) não tem idade ou validade; ela empreende o arrebatamento de quem se disponibiliza a recebê-la sem se ater à cronologia de uma dada época, causando espanto e incitando belos e fundamentais momentos de questionamento. Obviamente, uma obra de fato não se restringe ao elogio acadêmico ou ao sucesso comercial, nem se detém num aglomerado de palavras vazias, fúteis, de simples entretenimento; é aquela que possibilita a abertura ao pensar, que convoca para a tensão de caminhar rumo ao inalcançável, fazendo-nos lembrar de nossa perene condição de habitantes da liminaridade entre vida e morte, ser e existir.

Esse romance se compõe de uma narrativa personativa por mostrar o que cada personagem sente e reflete no decorrer de suas ações. O narrador não é aquele constituinte figurativo que meramente se encarrega de contar a história, é uma faceta múltipla estendida pela trama ao refletir e confidenciar aquilo que experienciou na cisão personativa dos vários entes narratológicos.

Em especial, temos Ermelindo Mucanga (o xipoco): o personagem que nos enviesará pelos entremeios de um mosaico imagético, de imagens-questões que nos farão repensar o comum do cotidiano e a semântica irregular das palavras desencaixadas da afirmação lexicográfica. Por seu trajeto intra-humano, os demais se manifestam, isto é, enquanto instalado no corpo do policial Izidine Naíta, sua narrativa é decorrente do que vê enquanto o “polícia” segue com sua missão de desvendar o assassinato de Vasto Excelêncio,diretor do asilo no qual a trama transcorre.

O modo como o enredo se desenvolve desdiz a configuração tradicional de uma narrativa se apresentar. Quando nos detemos na leitura do romance A Varanda do Frangipani, enclausuramo-nos na abertura de um texto que não se conserva na grafia de impressões narrativas. A mesma se dá complexamente ao ser revelada pela ótica do fantasma – o Ermelindo Mucanga –, figurando tanto como personagem quanto como narrador (que, de certa forma, servirá como nó da rede dialógica presente), como pela fala dos outros personagens habitantes desta “varanda”. Podemos depreender, então, que temos uma diversidade de fontes narrativas, uma vez que os demais personagens traçarão os acontecimentos conforme seu ponto de vista.

Mergulhado na densidade dos acontecimentos e enredado nas fabulações dos personagens, o inspetor se envolve completamente na complexidade que compõe cada um deles. Nesse percurso, percebe-se intruso de si mesmo devido ao afastamento da tradição de seu povo. Izidine é um negro em desraização que conhece o novo mundo que se instaura, por isso, dotado da ambivalência entre o passado tradicional (que está sendo enterrado com os idosos) e o modo de vida imposto pela cidade. Diante de tal situação, consegue ganhar a confiança dos idosos, como vemos no capítulo intitulado “A revelação”, no qual a trama manifesta sua radicalidade mito-histórica ao confluir acontecimentos historiográficos embebidos do entusiasmo mitopoético. Nesse momento da narrativa, o inspetor se vê deitado no chão, em meio a um ritual em que personagens como Nãozinha – mulher que se dilui em água todas as noites, a feiticeira habitante do entre-vivos-e-mortos – lhe revelam a própria morte e quem o matará.

Da tríade varanda, frangipani e mar brotaram os sonhos de uns esquecidos que tentavam resguardar um pouco do que ainda restava de uma terra sem guerra. Esse conjunto de imagens transborda o horizonte de sonhos no qual um pouco da história de libertação moçambicana, em especial o pós-guerra, se poetifica no entrelaçamento de vidas que cheiram a terra e têm o mar como passagem ao infinito. A varanda é o eixo de articulação entre o que se passara no conflito colonial e o que se tinha como expectativa de um porvir, isto é, se “por aquele terraço escoaram escravos, marfins e panos” (p. 13), naquele trampolim também os personagens se puseram a vislumbrar a paz acalentada no azul do mar.

A varanda é onde a terra e o tempo, o histórico e o poético se sacralizam num entre-vida-e-morte. Essa liminaridade se dá na frangipaneira por ser a via de comunicação entre vivos e mortos. Suas raízes estão fincadas no mistério da terra enquanto seus galhos ganham a infinitude do céu. Suas flores são dádivas divinais de reconforto aos vivos: “A meu lado estavam brancas flores do frangipani. E adormeci ao consolo daquele perfume” (p. 138); e, retomando o que já fora mencionado, é reforçado o símbolo da circularidade entre vida e morte: “Então, desci do meu corpo, toquei a cinza e ela se converteu em pétala” (p. 151). O asilo é o recôndito memorial, o último resquício dos “antigamentes”. Nesse lugar, a história se desistoriografa, é um mundo inaugurante de pessoas-personagens que se desmascaram num esparramar histórico-mítico. Suas vozes são suas crenças, e suas crenças, ao contrário da fuga interpretada superficialmente pela leitura recolhedora de fatos, são a imersão na verdade naquilo que essencialmente se apresenta: a memória da tradição, de uma tradição obliterada pela guerra, encharcada de sangue inocente e destroços humanos:

A guerra cria um outro ciclo no tempo. Já não são os anos, as estações que marcam nossas vidas. Já não são as colheitas, as fomes, as inundações. A guerra instala o ciclo do sangue. Passamos a dizer ‘antes da guerra, depois da guerra’. A guerra engole os mortos e devora os sobreviventes (p. 127).

É nessa realidade onírico-presentificada que a trama do romance de Mia Couto se apresenta. Ao mesmo tempo que nos deparamos com relatos histórico-historiográficos, estes se revelam numa simbiose mítico-históricas. É a tradição, a voz dos antigamentes na figura dos idosos vivendo não como uma reminiscência que se deflagra num súbito memorial, mas elevando radicalmente o sentido mnemônico como a própria acontecência do acontecível, como tempo silencioso de um nada não niilista, e sim proveniente. A memória é, nesse sentido, o mito em pleno vigor de passado, presente e futuro num só instante. E este é o instante de união, de inaugurabilidade da verdade na fala e no gesto de cada personagem. Podemos perceber a dimensão do que dissemos agora no seguinte trecho:

Viram o helicóptero?, perguntou Izidine, excitado.
Qual helicóptero?
A velha feiticeira soltava as gargalhadas. Aquilo que o polícia tomava por máquina voadora era o wamulambo, a cobra das tempestades (p. 150).

Diante desse fragmento, defrontamo-nos com a dualidade simbiótica da visão modernizada de Izidine e do olhar místico da feiticeira ao reconhecer no helicóptero a cobra das tempestades primordiais – o wamulambo. Esse movimento duplo não dicotômico percorre toda a narrativa, desfazendo a fácil categorização do romance num simples estilo literário.

A tensão instaurada pela guerra pode ser entendida no ecoar do “antigamente” nos idosos, sendo eles a própria essência dessa tradição, assim como no “depois da guerra” manifestado em Izidine Naíta, o branco de cor negra que carrega a deveniência da modernidade no pós-guerra moçambicano. Nesse atravessamento histórico, o respeito aos anciãos se esvai mediante a perda da consciência de um passado em que eles tinham a última palavra nas decisões e diante do apressamento temporal de um novo cotidiano: o das máquinas e da modernidade.

A antiga fortaleza colonial é onde o passado se guarda. Ela detém os restos não só de um país que se modifica, mas de um povo que está na iminência de perder sua genealogia mito-histórica. Fora do asilo, o que temos é a cidade em caos, devastada pela guerra e pelo esquecimento do antigamente. Tal situação é clarificada nas palavras do personagem Salufo Tuco aos idosos, quando foi vitorioso numa tentativa de fuga mas retornou ao asilo-exílio, atropelado pela decepção da desimportância que os jovens e toda sociedade moderna atribuíam aos anciãos, além de perceber que o asilo figurava como último sopro de um passado em que se prestava respeito à tradição:

vocês [os velhos] são a casca da laranja onde já não há nem sobra de fruta. Os donos da nossa terra já espremeram tudo. Agora, estão espremendo a casca para ver se ainda sai sumo (p. 112, colchetes nossos).

Na conjugação asilo-cidade, percebemos traços da dimensão política pela qual passa Moçambique, quando Marta Gimo menciona a tentativa de um golpe de Estado:

Você nunca vai entender. O que se está a passar aqui é um golpe de Estado.
Um golpe de Estado?
Sim, é isso que o deveria preocupar, senhor polícia (p. 102).

Porém, como já fora dito, este romance não é uma narrativa política ou policial. É um dar-se textual-poético-mítico em que as imagens presentes abundam em significância, conforme a interpretação do leitor que dialoga com a excessividade do entorno infinito-inaugural da poíesis como essência do agir. Portanto, da vida em acontecimento, do mito como voz do sagrado e da memória em entre-realidades do real.

Por fim, percebemos o contexto político de Moçambique, que vive um tortuoso pós-guerra, na visão dos entes narratológicos absorvidos na realização concreta da fala de um passado em decadência. O vigor mítico de dizer o presente se revela na acontecência da tradição figurando personagens do silêncio.

site: *Obs.: Essa resenha foi originalmente publicada no site Educação Pública (http://www.educacaopublica.rj.gov.br/cultura/livros/0065.html)
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Paula 14/08/2013

Crítica social, beleza e misticismo
Primeira obra de Mia Couto que tive o prazer de ler (e já me encontro querendo mais livros do autor). Não pretendia ler por esses dias, mas aproveitei que o autor vem à Bienal do Rio para lê-lo e quem sabe conseguir um autógrafo. Além disso, os muitos comentários sobre o autor foram sempre positivos e o recente Prêmio Camões que o mesmo ganhou me deram ainda mais vontade de conhecer sua escrita.
Pois bem: Mia Couto é tudo o que falam e mais um pouco. Em A varanda do Frangipani há um pouco de tudo: crítica social a um Moçambique devastado e esquecido no pós-independência; misticismo com personagens que mesclam fé, religião, crendices, mágica e tudo o que pareça surreal demais (aliás, essa é uma das habilidades de Mia: transformar o que parecia impossível em totalmente cabível); pitada de romance; a morte (aqui fantasticamente retratada); e, não menos importante, o tema da velhice.
Confesso que esse último sempre me chama atenção. A história se passa num asilo e a maioria dos personagens são idosos. Cada um cria sua própria realidade à sua maneira recorrendo a uma fértil imaginação para transformar suas mais íntimas aspirações em realidade. Vi-me sem saber a qual "vovô(ó)" me apegar mais, já que todos têm seu valor no romance.
Quanto à escrita de Mia, sinto-me no direito de comentar por ter sido essa a minha primeira (e não última) leitura do autor. Mia tem uma prosa carregada de poesia. E como gosto disso! E como gosto dessa variação do português que parece ficar mais bonito nas palavras dele! Lembrou-me um pouco valter hugo mãe (superficialmente, é claro). Há trechos feitos para serem meditados, lidos, relidos, guardados, saboreados e são eles que fazem a leitura tão prazerosa.
Dou 4 estrelas porque senti que, apesar de minha impressão positiva do autor, Mia pode muito mais.
Obs: um ponto que me agradou na história foi a descrição do "estar morto" que Mia fez. Curioso e muito interessante!
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Janaina Edwiges 14/07/2013

" Moçambique: essa imensa varanda sobre o Índico ... "

O cenário deste belo romance é a Moçambique de meados da década de 90. Ex-colônia portuguesa, o país se tornou independente em 1975 e após este ano enfrentou por quase duas décadas uma violenta Guerra Civil.

O romance é narrado por Ermelindo Mucanga, carpinteiro nas obras de restauro da fortaleza São Nicolau, falecido às vésperas da libertação de Moçambique. Ermelindo é um "xipoco" (fantasma) e vive em uma cova junto à árvore do frangipani, que ocupa a varanda da fortaleza, transformada em um asilo.

Certo dia, os governantes decidem fazer de Ermelindo um herói nacional e já corria a noticia de que ele havia morrido em combate contra o ocupante colonial. Mas Ermelindo quer sossego e não pretende se tornar herói. Assim, segue o conselho do seu amigo Pangolim, uma espécie de tamanduá africano, e decide emigrar para o corpo do inspetor de polícia Izidine Naíta. Izidine viera investigar a morte de Vasto Excelêncio, diretor do asilo, assassinado em circunstâncias misteriosas, não se sabe por quem e nem porquê.

O livro é mágico e extremamente poético. Os "velhos" do asilo são a alma de Moçambique. Estão no fim da vida, mas aqui não se trata da morte do corpo física e sim da morte das tradições moçambicanas. Após tantos anos de conflitos o país renasce, mas parece deixar de lado sua essência, os valores, os ensinamentos dos seus ancestrais.

O livro mantem a grafia do português de Moçambique e os termos que podem ser desconhecidos do leitor estão explicados em um glossário, no final do livro. Para mim, a leitura desta obra foi uma excelente oportunidade de conhecer um pouquinho mais de Moçambique, através do olhar poético e instigante de Mia Couto.
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Aninha 27/06/2013

Viver é fantasiar
"[No asilo] se descoloriam os tempos, tudo engomado a silêncios e ausências." (página 11)

Ermelindo Mucanga, carpinteiro, morreu às vésperas da Independência de Moçambique. Foi enterrado, então, embaixo de um pé de frangipani, árvore que dá flores lindas e perfumadas, próximo à fortaleza de São Nicolau.

Passadas 2 décadas, o local passa a abrigar um asilo e as autoridades decidem transformar Mucanga em herói póstumo, o que não lhe agrada. Para se safar desta, seu fantasma precisa ocupar um corpo vivente que está prestes a morrer. O escolhido é o inspetor de polícia, Izidine Naíta, que chega ao asilo para apurar a morte do diretor, Vasto Excelêncio, assassinado em condições misteriosas.

Ao entrevistar os velhos do asilo, Naíta percebe que não falam a verdade, mas mesmo assim os ouve: é a única forma de conseguir alguma informação sobre o assassinato.

O autor, como de praxe, recorre à fantasia, à poesia e a elementos da cultura local para criar essa trama de mistério, que nos faz refletir sobre questões sociais, como a velhice, a política e as politicagens do mundo.

"...primeiro, me acabou o riso; depois, os sonhos; por fim, as palavras. É essa a ordem da tristeza."

Vale a pena a leitura!



site: http://cantinhodaleitura-paulinha.blogspot.com.br/2013/06/a-varanda-do-frangipani.html
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